sábado, 30 de maio de 2009

MUDAR A MENTALIDADE MILITAR DE OBAMA.

O problema não é só mudar a mentalidade militar de Obama. É necessário também que ele tenha força e coragem para enfrentar o complexo-militar americano, que trabalha para que sempre existam guerras.
Carlos Dória

por Howard Zinn

No decurso da sua campanha, Obama disse "Não se trata apenas de termos de sair do Iraque". Ele disse "sair do Iraque" e não podemos esquecer-nos disso. Devemos continuar a lembrar-lhe (...)
Mas escutem também a segunda parte. A sua frase completa foi: "Não chega sairmos do Iraque; temos de abandonar a mentalidade militar que nos levou ao Iraque".
Texto de Howard Zinn
Somos cidadãos e Obama é um político. Podem não gostar da palavra. Mas o facto é que ele é um político. É também outras coisas - é sensível, e inteligente, e ponderado, e prometedor como pessoa. Mas é um político.

Se somos cidadãos, temos de conhecer a diferença entre eles e nós - a diferença entre o que eles têm de fazer e o que nós temos de fazer. E há coisas que eles não têm de fazer, se tornarmos claro que não têm de o fazer.

Texto de Howard Zinn*

Gostei de Obama desde o início. Mas a primeira vez que fui obrigado a notar que ele era um político foi muito cedo, quando Joe Lieberman se candidatou à designação para o seu lugar no Senado pelos democratas, em 2006.

Lieberman - que, como sabem era e é um amante da guerra - concorria àquela designação pelos democratas, e o seu oponente era um homem chamado Ned Lamont, que era o candidato da paz. E Obama foi ao Connecticut apoiar Lieberman contra Lamont.

Fiquei desapontado. Digo isto para apontar que, sim, Obama era e é um político. E que por isso não podemos deixar-nos arrastar pela tentação de aceitar, sem pensar nem questionar, tudo o que Obama faz.

A nossa função não é passar-lhe um cheque em branco ou ser membros da sua claque. Foi bom que fizéssemos parte da claque quando se candidatou à presidência, mas não é bom que o sejamos agora. Porque queremos que o país saia do ligar onde esteve no passado. Queremos uma rotura clara com o que ele foi no passado.

Tive um professor na Columbia University, chamado Richard Hofstadter, que escreveu um livro chamado "A Tradição Política Americana (The American Political Tradition), e nele é feita uma avaliação das acções dos presidentes, desde os Pais Fundadores a Franklin Roosevelt. Há liberais e conservadores, republicanos e democratas. E houve diferenças entre eles. Mas verifica-se que os chamados liberais não foram tão liberais como as pessoas pensam - e que liberais e conservadores, republicanos e democratas, não se situavam nos antípodas. Há um fio condutor, ao longo de toda a história americana, e todos os presidentes, liberais ou conservadores, republicanos ou democratas, parecem segui-lo.

Esse fio condutor consiste em dois elementos: por um lado, o nacionalismo, por outro, o capitalismo. E Obama ainda não está livre dessa poderosa dupla herança.

Podemos vê-lo nas políticas que foram anunciadas até agora, apesar de só estar no poder há pouco tempo.

Algumas pessoas poderão dizer: "Está bem, o que é que esperavam?".

E a resposta é que esperamos muito.

As pessoas respondem: "Porquê, são uns sonhadores?".

E a resposta é: sim, somos. Queremos tudo. Queremos um mundo em paz. Queremos um mundo igualitário. Não queremos a guerra. não queremos o capitalismo. Queremos uma sociedade decente.

E é melhor que nos agarremos a esse sonho - porque, se não o fizermos, nos afundaremos mais e mais na realidade que temos, e não queremos isso.

Estejam alerta quando ouvem falar das glórias do sistema de mercado. O sistema de mercado é o que temos. Dizem-nos que deixemos o mercado decidir. O governo não deve assegurar às pessoas cuidados de saúde gratuitos, deixem o mercado decidir.

O que é o que o mercado tem feito - e a razão porque temos quarenta e oito milhões de pessoas sem cuidados de saúde. O mercado decidiu. Deixamos as decisões ao mercado e temos dois milhões de pessoas sem casa. Deixamos as decisões ao mercado e temos milhões e milhões de pessoas que não conseguem pagar a sua renda. Deixamos as decisões ao mercado e há trinta e cinco milhões de pessoas que têm fome.

Não podemos deixar as decisões ao mercado. Quando enfrentamos uma crise económica como a que enfrentamos agora, não podemos fazer o que se fez no passado. Não podemos despejar o dinheiro nos níveis superiores do país - e nos bancos e nas grandes empresas - e esperar que de alguma forma ele escorra até abaixo.

Qual foi uma das primeiras coisas que aconteceu quando a administração Bush viu que a economia estava com problemas? Um plano de resgate de setecentos mil milhões de dólares, e a quem demos esses setecentos mil milhões? Às instituições financeiras que causaram esta crise.

Isto aconteceu em plena campanha eleitoral, e custou-me ter de assistir a Obama ali, dando o seu apoio àquele gigantesco plano de resgate das corporações financeiras.

O que Obama devia ter dito era: He, esperem um momento. Os bancos não foram afectados pela pobreza. O conselhos de administração não foram afectados pela pobreza. Mas há pessoas que estão sem trabalho. Há pessoas que não podem pagar as suas hipotecas. Vamos pegar nesses setecentos mil milhões e dá-los directamente às pessoas que precisam deles. Vamos gastar um bilião, vamos gastar dois biliões.

Vamos pegar neste dinheiro e dá-lo directamente às pessoas que precisam dele. Dá-lo às pessoas que têm de pagar as suas hipotecas. Ninguém deve ser despejado. Ninguém deve ser deixado com os seus pertences no meio da rua.

Obama quer dar talvez um bilião mais aos bancos. Tal como Bush, não está a dá-lo directamente aos proprietários das casas. Ao contrário dos republicanos, Obama também quer gastar oitocentos mil milhões de dólares no seu plano de estímulo à economia. O que é bom - a ideia de estímulo é boa. Mas se virmos com mais atenção o plano, a maior parte dele vai para o mercado, através das grandes corporações.

Dá isenções fiscais às empresas, esperando que elas contratem pessoas. Não - se as pessoas precisam de empregos, não se dê dinheiro às empresas, na esperança que talvez se criem empregos. Dê-se emprego às pessoas de imediato.

Muita gente não conhece a história do New Deal dos anos 30. O New Deal não foi suficientemente longe, mas tinha algumas muito boas ideias. E a razão porque o New Deal chegou a essas boas ideias foi porque havia uma enorme agitação no país, e Roosevelt tinha de reagir. E o que é que ele fez? Pegou em milhares de milhões de dólares e disse que o governo ia contratar pessoas. Não tem trabalho? O governo tem um emprego para si.

Como resultado, muito trabalho maravilhoso foi feito em todo o país. Vários milhões de jovens encontraram trabalho nos Civilian Conservation Corps. Estiveram por todo o país, construindo pontes e estradas e parques, e realizando coisas notáveis.

O governo criou um programa federal das artes. Não esperou que o mercado decidisse isso. O governo criou um programa e empregou milhares de artistas desempregados: dramaturgos, actores, músicos, pintores, escultores, escritores. Qual foi o resultado? O resultado foi a produção de 200.000 obras de arte. Hoje, por todo o país, há milhares de murais pintados por pessoas do programa WPA. Foram levadas à cena peças um pouco por todo o lado, com preços económicos, para que pessoas que nunca tinham assistido a uma peça de teatro nas suas vidas pudessem ter a possibilidade de assistir.

E isto é só um vislumbre do que pode ser feito. O governo tem de representar as necessidades das pessoas. O governo não pode entregar a defesa das necessidades das pessoas às corporações e aos bancos, porque eles não querem sabem das necessidades das pessoas. Eles só querem saber de lucros.

No decurso da sua campanha, Obama disse algo que me pareceu muito sábio - e quando as pessoas dizem alguma coisa muito sábia devemos recordá-lo, porque podem vir a não se manter fieis ao que disseram. Podemos ter de recordar-lhes essa coisa sábia que afirmaram.

Obama falava sobre a Guerra no Iraque e disse: "Não se trata apenas de termos de sair do Iraque". Ele disse "sair do Iraque" e não podemos esquecer-nos disso. Devemos continuar a lembrar-lhe: Sair do Iraque, sair do Iraque, sair do Iraque - não no próximo ano, nem daqui a dois anos, mas sair do Iraque já.

Mas escutem também a segunda parte. A sua frase completa foi: "Não chega sairmos do Iraque; temos de abandonar a mentalidade militar que nos levou ao Iraque".

Qual foi mentalidade militar que nos levou ao Iraque?

É a mentalidade dos que afirmam que a força resulta. Violência, guerra, bombardeiros - que isso trará a liberdade e a democracia aos povos.

É a mentalidade dos que afirmam que a América tem o direito divino de invadir outros países para seu próprio benefício. Levámos a civilização aos mexicanos em 1846. Levámos a liberdade aos cubanos em 1898. Levámos a democracia aos filipinos em 1900. Sabemos qual foi o sucesso que conseguimos a levar a democracia ao mundo inteiro.

Obama ainda não abandonou esta mentalidade militarista missionária. Fala de mandar mais dezenas de milhares de tropas para o Afeganistão.

Obama é um homem muito inteligente e sabe seguramente alguma coisa de história. Não temos de saber muito para saber que a história do Afeganistão corresponde a décadas e décadas e décadas de tentativas dos poderes ocidentais em impor a sua vontade pela força no Afeganistão: os ingleses, os russos, e agora os americanos. Qual foi o resultado? O resultado foi um país arruinado.

Essa é a mentalidade que envia mais 21.000 militares para o Afeganistão e diz, como Obama disse, que temos de ter uma maior presença militar. O meu coração apertou-se quando Obama disse isso. Para que precisamos de uma maior presença militar? Temos um orçamento militar gigantesco. Falou Obama em reduzir o orçamento militar a metade ou em parte? Não.

Temos bases militares em mais de 100 países. Só em Okinawa temos 14 bases militares. Quem as quer aí? Os governos. Eles lucram com isso. Mas o povo não nos quer ali realmente. Houve grandes manifestações em Itália contra o estabelecimento de uma base militar dos EUA. Houve grandes manifestações na Coreia do Sul e em Okinawa.

Um dos primeiros actos da administração Obama foi enviar mísseis Predator para bombardear o Paquistão. Morreram pessoas. Mas afirmou-se: "Ho, somos muito precisos com estas armas. É equipamento do mais moderno. Podemos apontar para qualquer lado e atingir apenas o que queremos."

Esta mentalidade é a da presunção tecnológica. Sim, eles podem decidir que vão bombardear apenas uma casa. Mas há um problema: não sabem quem está nessa casa. Podem atingir um carro a grande distância com um rocket. Mas sabem quem vai no carro? Não.

E mais tarde, depois dos corpos serem retirados do carro, depois dos corpos serem retirados da casa - irão dizer-nos: "havia três suspeitos de terrorismo naquela casa, e sim, morreram outras sete pessoas, incluindo duas crianças, mas apanhámos os suspeitos de terrorismo."

Mas notem que a palavra é "suspeitos". A verdade é que não sabem onde estão os terroristas.

Por isso, sim, temos de abandonar a mentalidade dos que nos levaram ao Iraque, mas temos de identificar essa mentalidade. E Obama tem de ser pressionado pelas pessoas que o elegeram, pelas pessoas que o apoiaram com entusiasmo, para que abandone essa mentalidade. Nós somos os que têm de dizer-lhe: "Não, está no mau caminho quando tem essa atitude militarista de usar a força para conseguir coisas no mundo. Não conseguiremos nada dessa forma, e continuaremos a ser um país odiado pelo mundo."

Obama falou de uma visão para o seu país. Temos de ter essa visão, e agora quero dizer a Obama o que essa visão deve ser.

Uma visão de uma nação que se torne estimada pelo mundo. Não digo amada - isso vai demorar mais algum tempo a construir. Uma nação que não é temida, não é detestada, não é odiada, como o somos demasiadas vezes, mas uma nação que seja vista como pacífica, porque retiramos as nossas bases militares de todos esses países.

Não temos de gastar centenas de milhares de milhões de dólares no nosso orçamento militar. Pegue-se em todo o dinheiro destinado às bases militares e ao orçamento militar e - isso será parte da emancipação - poderemos usar esse dinheiro para dar a toda a gente cuidados de saúde gratuitos, para garantir empregos a todos os que não têm um emprego, para garantir o pagamento da renda a todos os que não podem pagá-la, para construir infantários.

Usemos o dinheiro para ajudar pessoas em todo o mundo, não para enviar bombardeiros sobre elas. Quando os desastres acontecem, precisam de helicópteros para transportar pessoas para longe das cheias e das áreas devastadas. Precisam de helicópteros para salvar vidas, e os helicópteros estão no Médio Oriente, a bombardear e metralhar pessoas.

É preciso dar uma volta completa a isto. Queremos um país que use os seus recursos, a sua riqueza e o seu poder para ajudar as pessoas, não para lhes fazer mal. Isso é o que precisamos.

É uma visão que temos de manter viva. Não podemos satisfazer-nos com facilidade e dizer: "Está bem, deixem o homem em paz. Obama merece respeito."

Mas nós não mostramos respeito por uma pessoa quando lhe passamos um cheque em branco. Respeitamos uma pessoa quando a tratamos como igual, quando podemos falar com ela e ela nos escuta.

Não se trata apenas de Obama ser um político. Pior, está rodeado de políticos. E alguns escolheu-os ele próprio. Escolheu Hillary Clinton, escolheu Lawrence Summers, escolheu pessoas que não mostram nenhum sinal de quererem cortar com o passado.

Somos cidadãos. Não podemos pôr-nos na posição de olhar o mundo pelos olhos deles e dizer: "Bem, temos de fazer compromissos, temos de fazer isto por razões políticas". Não, temos de dizer o que pensamos.

Essa foi a posição dos abolicionistas antes da Guerra Civil, e o povo disse: "Bem, temos de ver isso do ponto de vista de Lincoln." Lincoln não acreditava que a sua primeira prioridade fosse abolir a escravatura. Mas o movimento anti-esclavagista acreditava, e o que os abolicionistas disseram foi: "Não temos de seguir o ponto de vista de Lincoln. Vamos expressar a nossa posição, e vamos expressá-la tão energicamente que Lincoln terá de escutar-nos."

E o movimento anti-esclavagista tornou-se suficientemente grande e suficientemente poderoso para que Lincoln tivesse que escutá-lo. E foi assim que conseguimos a Proclamação da Emancipação e a 13ª, 14ª e 15ª Emendas.

Essa é a história do nosso país. Sempre que se conseguiu progresso, sempre que se derrubou injustiças, foi porque as pessoas actuaram como cidadãs e não como políticas. Não ficaram apenas a protestar. Trabalharam, actuaram, organizaram-se, revoltaram-se se necessário, para chamar a atenção do poder para os seus objectivos. E isso é o que temos de fazer hoje.

Texto publicado em The Progressive

Tradução de José Pedro Fernandes para esquerda.net

* Howard Zinn é historiador, escritor e activista social norte-americano e é o autor de "A People's History of the United States", "Voices of a People's History" (com Anthony Arnove), e "A Power Governments Cannot Suppress", entre outras obras. Agradece-se a Alex Read e Matt Korn pela transcrição do discurso de Zinns de 2 de Fevereiro, no restaurante Busboys and Poets, em Washington, D.C., de que este texto foi adaptado.
Fonte:Esquerda.net

Um comentário:

Unknown disse...

Sempre fui interessada em política, mas ultimamente está muito difícil acompanhar, não tem como acreditar mais em politicos em geral, acabou o idealismo partidário não se sabe mais quem é quem ou a que veio.
ótimo domingo pra ti, beijos