domingo, 31 de maio de 2009

O ARCO-ÍRIS DO OCIDENTE.

Mauro Santayana

O relatório da Anistia Internacional vai além das denúncias, dolorosas em sua rotina, da violação dos direitos humanos no mundo. Em seu texto, a secretária-geral da organização, Irene Khan, aponta o perigo de que, com suas medidas para vencer a crise econômica mundial, os governos ampliem a miséria, desrespeitem ainda mais os direitos humanos. Segundo sua análise, trata-se de uma situação explosiva.

É do comodismo intelectual o vezo de pluralizar a ideia de crise. É assim que falamos em crise ambiental, em crise econômica, em crise da educação, em crise da saúde. Na realidade só há uma crise, que é a crise do homem em sociedade. A sociedade é o que ela quer ser. Em determinados momentos, os homens conseguem sofrer menos do que em outros. São os escassos intervalos em certas regiões do mundo e sob determinados tipos de civilização, quando o ser humano, ao respeitar os direitos de seu semelhante, vê os seus próprios direitos respeitados.

Vivemos, nestes quase dois séculos de desenvolvimento tecnológico acelerado, em duas direções antagônicas. A ciência médica – para os que dela podem valer-se – conseguiu dilatar a expectativa média de vida para além do imaginável. Ao mesmo tempo, a existência cotidiana do homem ultrapassou os limites de espaço e tempo, mediante as comunicações velozes. A difusão das informações permite, aos interessados, o dom da ubiquidade, que era atribuído aos deuses. Estamos em todos os lugares, em todas as horas. Talvez por isso mesmo nos sobre pouco tempo para conviver com a própria consciência e para filtrar, de tantas imagens e ruídos, os sumos da vida. E nunca tivemos tanto medo de viver.

Sempre fomos uma espécie amedrontada, mas o medo aumenta, da mesma forma que aumenta a desigualdade e evolui a tecnologia. Temos medo das ruas, da invasão violenta dos nossos lares, dos vírus, das enfermidades corriqueiras, dos hackers, das interceptações telefônicas, das viagens, das imagens cotidianas da morte, em Gaza, na África ou nas favelas do Rio, trazidas pela televisão. O medo agrava a iniquidade. Não nos damos conta que os direitos humanos são os direitos dos outros.

A vida dos homens depende de duas tênues películas: o envoltório gasoso do planeta, dentro do qual as condições de pressão atmosférica, de temperatura e umidade limitam a reprodução dos seres vivos; e a que se encontra na mente de cada um de nós e separa os instintos primitivos da inteligência criadora e solidária que permitiu, apesar de todos os conflitos sangrentos, a sobrevivência da espécie. Essas duas películas – a física e a mental – estão próximas da esgarçadura, de acordo com os avisos da ciência e do humanismo. A nossa única esperança é que ainda haja tempo para a salvação.

Os banqueiros ocuparam quase todos os governos, para que os Estados renunciassem ao poder e ao dever de impor a justiça nas relações econômicas. Foi uma irrupção do instinto predador contra a inteligência ética. Homens tidos como respeitáveis, com vistosos títulos universitários, substituíram as regras pelo "vale tudo", e se tornaram larápios. Ainda agora, a bancada do sistema financeiro no Congresso Nacional conseguiu infectar medida provisória que tratava de outro assunto, ao aprovar a impunidade dos "agentes públicos" que, em intervenções para assegurar "solvência e liquidez" ao sistema bancário, causem prejuízos ao erário. O presidente Lula, em boa hora, vetou o enxerto, que tinha também efeito retroativo e visava a proteger os responsáveis por bilhões de prejuízos causados ao povo brasileiro, entre 1995 e 2002. Esses guardiães da moeda têm o fundado temor de que os cidadãos honrados os levem a tribunais também honrados – e à cadeia.

A secretária da Anistia Internacional prevê crise humanitária sem precedentes se o problema dos direitos humanos não for enfrentado com decisão. Depois de examinar a situação, país por país, Irene Khan pediu aos líderes mundiais que busquem um new deal, com compromissos e medidas concretas dos governos, a fim de "desarmar esta bomba", e os conclamou a investirem nos direitos humanos, com a mesma determinação com que buscam restaurar a economia.

Há mais de 40 anos, o escritor haitiano René Depestre, no poema Arco-íris para um Ocidente cristão, previa a revolta mundial e definitiva dos pobres, com a ocupação das propriedades e a vingança sangrenta contra os opressores. Com outras palavras, Irene Khan
nos mostra que essa profecia pode cumprir-se.
Fonte:JB

2 comentários:

Eduardo Sander - jornalista igualmente sem espaço para trabalhar, fora da Internet disse...

Infelizmente, caro colega, ser filiado ao PT, PSOL ou outra agremiação não significa mais nada, há muito tempo, e a situação agrava-se a cada dia.

Como dizia Barbosa Lima Sobrinho, só há dois partidos no Brasil - o de TIRADENTES e o de SILVÉRIO DOS REIS.

Este último permanece no poder há 500 anos, para loclupetar e beneficiar "aquelas poucas famílias", independente se são professores da Sorbonne, usam gravatas Hermès, barba ou estrela vermelha no peito.

Encontrar uma solução "pacífica", que fuja do sangue e da guerra civil é o dilema que os partidários de TIRADENTES não conseguem resolver.

Unknown disse...

Concordo com o comentário do Sr. Eduardo Sander. Apesar de ser filiada a um partido de esquerda vejo que o meu partido perdeu o seu idealismo e faz hoje o que criticava em outros em outros tempos. Hoje quem está ao lado do povo defendendo os seus direitos, clamando a população a sair em luta contra os milhares de problemas no governo que a toda hora a mídia nos mostra? Infelizmente política para estes é um jogo de troca, me beneficia de um lado, que te beneficio de outro e está tudo certo e o povo que se dane, ele só serve mesmo em ano eleitoral!