sexta-feira, 22 de maio de 2009

IMPUNIDADE PERPETUADA.

Numa votação dividida, de cinco contra quatro, o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos recusou julgar dois altos funcionários da administração de George W. Bush, o ex procurador-geral desse país, John Ashcroft, e o actual director do Serviço Federal de Investigações (FBI, nas suas siglas em inglês), Robert Mueller, acusados de delinear uma rede de reclusão e abuso contra suspeitos de terrorismo.

O máximo tribunal do país vizinho revogou assim a decisão de um tribunal federal de apelação em Nova Iorque que ditava que Mueller e Ashcroft podiam ser responsabilizados pelos maltratos a que foram submetidas centenas de imigrantes muçulmanos – entre eles o denunciante Javaid Iqbal –, detidos depois dos ataques do 11 de setembro de 2001 e posteriormente processados por violações das leis migratórias e outros delitos menores, sem que pudesse provar-se vínculo algum com o terrorismo. O próprio Iqbal, depois de ter permanecido vários meses numa prisão de Brooklyn, privado de cuidados médicos e submetido a revistas humilhantes e golpes sistemáticos – segundo o seu testemunho –, foi declarado culpado de fraude e finalmente deportado para o Paquistão, o seu país de origem.

A determinação do Supremo Tribunal dos Estados Unidos tem implicações escandalosas e inaceitáveis porquanto proporciona, nos factos, uma cobertura de impunidade aos possíveis autores intelectuais e materiais de crimes de lesa humanidade, apesar do protesto de diferentes organizações humanitárias internacionais e de amplos sectores da sociedade estadunidense, e não obstante a sobrada evidência de grande quantidade de atropelos perpetrados por funcionários civis e militares estadunidenses no contexto da guerra contra o terrorismo, abusos que dificilmente puderam ter ocorrido sem o conhecimento e a anuência de altos funcionários da administração Bush.

A isso devem acrescentar-se os recentes enredos declarativos da presidente da Câmara de Representantes em Washington, Nancy Pelosi, a qual primeiro acusou a Agência Central de Inteligência de ocultar ao Congresso do país vizinho a aplicação de técnicas de tortura aos inimigos combatentes capturados depois das invasões do Afeganistão e do Iraque, e depois reconheceu estar inteirada de ditas práticas desde 2003.

Estes factos, em conjunto, prejudicam severamente a imagem do sistema de justiça dos Estados Unidos, já por si desvirtuado; mostram conotados integrantes das máximas instâncias Judicial e Legislativa daquela nação como garantes da impunidade – seja por acção, seja por omissão – e provocam a erosão, no fim de contas, da credibilidade do projecto político de Barack Obama, que chegou à Casa Branca há quase quatro meses com a palavra de ordem de sanear a vida institucional dos Estados Unidos e tirar esse país da bancarrota política e moral em que se encontra como saldo da desastrosa era Bush.

Não se pode passar por alto, no que diz respeito à decisão judicial mencionada, que a absolvição dos referidos funcionários poderia resultar, no imediato, conveniente em termos políticos para o próprio Obama, pois reduziria as pressões exercidas pelos falcões de Washington, um de cujos representantes, o ex vice-presidente Dick Cheney, adquiriu nos últimos dias notoriedade mediática como crítico virulento da actual administração. É claro, no entanto, que se o mandatário estadunidense não encontrar forma de reverter a sentença emitida ontem pelo Supremo Tribunal, esta acabará, mais cedo que tarde, por deteriorar a confiança que nele depositaram os eleitores da nação vizinha, bem como amplas faixas da população mundial.

Perante estas considerações, é desejável que o presidente dos Estados Unidos entenda que a situação que hoje o seu país enfrenta não é muito diferente das que, em seu momento, se viveram nas nações sul-americanas na época posterior às ditaduras militares; em Espanha, depois do fim da era franquista, e inclusive no nosso país, depois do período em que o poder público empreendeu uma guerra suja contra oposições armadas mas também contra lutadores sociais pacíficos: um período em que os precedentes imediatos do exercício ilegal, criminoso e abusivo do poder exigem uma investigação a fundo, o esclarecimento dos crimes cometidos e o castigo dos responsáveis.

Fonte: La Jornada

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado Carlos, cada país tem os gilmares mendes que merece. E tem muita gente que acha os EUA um exemplo. Isto é que é ainda mais triste.