quarta-feira, 20 de maio de 2009

A GRAVIDADE DA CPI DA PETROBRÁS.

Osvaldo Bertolino

O diagnóstico do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sobre a intenção da direita ao forjar a CPI da Petrobras no Senado é perfeito. Ele conseguiu atingir o âmago da questão e, por isso, provocou a imediata reação raivosa da direita midiática e golpista. Pôs o dedo na ferida, digamos assim. Essa gente, como lembrou o ministro, gostaria mesmo é de privatizar a Petrobras. Como não conseguiram fazer isso no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (FHC), quererem agora desmoralizar a empresa para quem sabe fazer isso no futuro. Os golpistas midiáticos estão, sim, no dizer do presidente Luis Inácio Lula da Silva, traindo a pátria e o povo brasileiro.

Como lembrou Bernardo, a direita anda na contramão da tendência mundial. “Enquanto os grandes países desenvolvidos estão fazendo tudo para proteger suas empresas, nós fazemos alguma coisa para derrubar a maior empresa do continente sul-americano”, comparou, acrescentando, que, “no seu afã de dificultar as coisas para o governo”, o governo “pode prejudicar uma empresa que é uma das maiores do mundo”. A direita brasileira sempre se soube na contramão da história, dando sustentação a qualquer regime que protegesse seu senhorio, porque privilégios feudais e arcaísmos oligárquicos que já estão sepultados há séculos em outros países ainda são a essência do seu projeto estratégico.

Tropa da mídia

O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, também levantou o tapete da direita. Para ele, a criação da CPI faz parte de uma campanha para enfraquecer a imagem internacional da empresa. “O que eles estão fazendo é uma campanha para enfraquecer a empresa, principalmente porque ela acaba de receber duas homenagens internacionais”, disse citando o relatório da Goldman Sachs que considerou a Petrobras como uma das dez empresas mais viáveis do mundo e a pesquisa que classificou a estatal como a quarta empresa mais respeitada do planeta.

A mídia, nos últimos tempos, atirou para todos os lados até acertar um alvo que mobilizou sua tropa no Congresso Nacional. Procurar imparcialidade nessa iniciativa dos golpistas midiáticos é advogar a falsa ética de hoje, do falso bem, do mercado dos bons sentimentos. A ética é um dos maiores valores sociais. E por isso merece ser preservada. Mas a ética sofrida, conquistada em meio à coragem de assumir totalmente o que é humano. Não essa vigarice que existe por aí, amplamente acolhida pelos meios de comunicação convencionais.

Ponto central

Para eles, como suas teses são acompanhadas da verdade absoluta, não parece haver mais nada que a sociedade, o Estado, Deus, você ou eu possamos ou devamos fazer. Eles querem conduzir a nação como conduzem suas empresas, suas terras e suas mansões. Já começam a ser produzidos esses manifestos patéticos e histriônicos que vira e mexe aparecem por aí. Um deles diz que o “braço público” na economia favorece “assaltantes do Erário”. É uma defesa da “ética” que não pára em pé.

O caso ganha gravidade por envolver o ponto central da soberania econômica do país — as nossas reservas petrolíferas. Com razão, muita gente não quer se desfazer desse pote de ouro, principalmente agora que o país começa a fugir da armadilha que a máquina neoliberal teceu por cima do petróleo brasileiro. A manutenção da Petrobras como estatal já é uma proeza e tanto se considerarmos a intensidade dos ataques desferidos contra a empresa nos anos neoliberais.

Cobiças pelas reservas

A idéia de privatizar a Petrobrás surgiu oficialmente em 1996, quando um tucano de alta plumagem — o então presidente do BNDES, Luis Carlos Mendonça de Barros — desceu do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Mendonção, como é conhecido, era uma voz que deveria ser levada a sério — ele foi um daqueles baluartes da tribo que ajudava a manter no exílio gente como FHC e José Serra. Como essa gente gosta mesmo é de fazer negócios, a Petrobras era tida por eles como uma moeda de troca de alto valor. Como não conseguiram passá-la nos cobres, eles a vêem como trunfo para projetos futuros.

A cobiça das grandes companhia petrolíferas pelas nossas reservas não é algo desprezível. Não podemos ignorar o perigo que o país corre com nosso potencial petrolífero nas mãos da direita. De 1870, quando a indústria petrolífera mundial já movimentava milhões de dólares, até 1934, quando as riquezas do nosso subsolo foram nacionalizadas, o Brasil esteve disponível para que qualquer país — ou empresa — investisse na pesquisa de petróleo.

Bloco socialista

A decisão brasileira de nacionalizar suas reservas foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 40. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado sobre o combustível nacional.

A formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos monopólios imperialistas importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos. O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas.

Batalha mundial

Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.

A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros Monteiro Lobato e Oscar Cordeiro — dentre outros —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, a palavra de ordem “O Petróleo é Nosso” abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.

Bancada comunista

O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que “o problema fundamental (do Brasil) é produzir petróleo para nosso consumo e assegurar reservas para qualquer emergência”. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos. Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo.

De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais.

O segundo — não há registro, que eu saiba, de subscrição —, declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do governo federal.

Dutra e Vargas

O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes —, criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência. Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo.

Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra serão conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. Os projetos pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A concretização do monopólio estatal do petróleo só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, eleito em 1950.

Entreguistas brasileiros

Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da nossa soberania. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. Por ter esse papel, os entreguistas brasileiros — autênticos irmãos das sete irmãs que monopolizam a indústria petrolífera privada no mundo — nunca aceitaram de bom grado o papel da Petrobrás.

Já em 1975, o governo brasileiro — na época liderado pelo ditador Ernesto Geisel — permitiu que empresas estrangeiras pesquisassem dois milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares brasileiras. Nos 14 anos em que esta concessão vigorou, nenhuma gota de petróleo foi encontrada pelas maiores petrolíferas do mundo. Enquanto isso, a Petrobrás manteve seu vertiginoso crescimento e, no mesmo período, duplicou a produção brasileira.

O mendigo e o céu

Com a chegada de FHC ao poder, os ataques ao monopólio estatal do petróleo se intensificaram — e resultaram na aprovação da Emenda Constitucional nº 9, no dia 9 de novembro de 1995, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 177 da Constituição Federal de 1988. Iniciava-se o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil. Até as vidraças do Palácio do Planalto sabem que a chamada Lei do Petróleo, aprovada dia 6 de agosto de 1997, confere legalidade ao entreguismo.

Como diria Nelson Rodrigues, “um paralelepípedo analfabeto, uma cabra vadia ou um bode de charrete” saberiam o real sentido do embate que se trava em Brasília. Ele revela os embriões de dois cenários que estão se desenvolvendo para o processo eleitoral de 2010. É só isso. A raiz de tudo é a nossa rasgada distância entre classes sociais, que faz lembrar o diálogo do mendigo e o céu, de um dos romances de Machado de Assis:
— Afinal, não me hás de cair em cima, dizia o primeiro.
— Nem tu me hás de escalar, respondeu o segundo.

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