Por Rui Martins - Correspondente - Berna
Ivanete Araújo é reconhecida na EuropaEla se chama Ivanete, Ivanete de Araújo, alta, morena, decidida mas de voz calma, tem por volta dos 24 anos. Eu a conheci aqui em Berna, num encontro promovido pela Anistia Internacional, sobre um outro MST tão detestado quanto os que lutam por ter uma terra para cultivar, trata-se do Movimento dos Sem Teto, que luta por um lugar onde morar.
Ivanete é o que se costuma chamar de combatente da base e por isso merece e impõe respeito, pois, antes de ser a coordenadora-geral dos Sem Teto, movimento que enfrenta as autoridades da prefeitura de São Paulo, viveu debaixo da ponte ou mais precisamente debaixo de um dos viadutos da metrópole paulistana, como ainda vivem tantos outros desabrigdos.
"Debaixo da ponte, não se tem nenhuma privacidade" , diz ela, e as pessoas escutando suas palavras traduzidas para o alemão, ficam imaginando o que aquela moça, ali sentada, pode ter vivido – adolescente, pés sujos e decalços, sem ter onde tomar banho e sempre com a mesma roupa, em síntese um pedaço da vida roubado pela pobreza.
Alguém um dia passou por lá e Ivanete, sem escola e sem ajuda, considerada gente da rua, entrou para a luta pela ocupação dos prédios desabitados da capital paulistana. Existem 450 mil casas, apartamentos fechados, sem uso, muitos se deteriorando, quase ruindo, nos quais são proibidos de entrar outras centenas de milhares de pessoas sem abrigo, sem dinheiro para pagar um aluguel ou vivendo num barraco de lata e papelão numa favela.
Existe um documentário sobre a ação dos Sem Teto, com o alegre título de Dia de Festa, na verdade o dia de ocupação, geralmente de um prédio das administrações federal, estadual ou municipal ou um prédio privado esperando o momento de ser demolido.
Foi o caso do prédio Prestes Maia, onde os ocupantes conseguiram viver cinco anos mas acabaram sendo desalojados, apesar da mobilização de numerosas associações e abaixo-assinados. A propriedade é intocável e, segundo o direito dos romanos, quem tem posse pode com ela fazer o que quiser. De uma lado são os latifundiários com suas terras improdutivas ou pouco cultivadas, do outro, propriedades imóveis praticamente abandonadas, mas nas quais ninguém pode viver.
Existem alguns planos municipais para os Sem teto, propondo moradias populares para quem recebe um mínimo de três salários mínimos, mas ficam a uns 50 km do local do trabalho, condenando o morador a gastar parte do salário em horas de trajeto de ônibus. Ivanete e o MST acham que seria muito mais lógico, em lugar de construir habitações distantes (e em número insuficiente) o melhor seria se permitir o acesso dos sem moradia aos numerosos prédios fechados e sem uso. Seria mais barato para a prefeitura e mais adequado para os sem teto que ali se alojassem.
O documentário mostra a outra face de Ivanete, aquela mulher decidida dos momentos de ocupação de um prédio, bem diferente da jovem que divulgou pelas cidades suíças a luta dos Sem Teto. Para evitar qualquer pretexto de violência aos policiais, o MST adota sempre a entrega pacífica dos prédios, quando têm a ordem judicial de despejo.
De moradora de debaixo da ponte, Ivanete foi eleita para o conselho municipal de habitação, onde discute com as autoridades municipais e imobiliárias as maneiras legais de se ajudar os sem tento, mas, ao mesmo tempo, como dirigente do Movimento dso Sem Teto, planeja com os grupos de desabrigados qual será a próxima ocupação. E ela mesma vive num prédio ocupado.
Fonte:Correio do Brasil
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