Carlos Castilho.
Observatório da Imprensa
A crise na imprensa já está no cardápio de temas discutidos pela opinião pública, mas para que a discussão não acabe num beco sem saída é necessário separar as dificuldades financeiras das indústrias da comunicação dos dilemas causados pela internet no exercício do ofício jornalístico.
São duas crises de natureza distinta. Os jornais estão à procura de um novo modelo de negócios capaz de recuperar a rentabilidade perdida em conseqüência das mudanças no comportamento tanto de leitores como de anunciantes. O modelo vigente sucumbiu ao efeito das inovações tecnológicas e as empresas têm se mostrado lentas e incapazes de criar soluções novas.
Já o ofício jornalístico está diante do dilema de reinventar-se para enfrentar a nova realidade em que milhões de pessoas sem formação técnica já exercem hoje a atividade de coleta e publicação de notícias por meio de ferramentas como os blogs.
Até agora os profissionais do jornalismo tinham a quase exclusividade na produção de notícias porque os veículos de comunicação eram limitados e concentrados. Para chegar à opinião pública era necessário passar pelo filtro da imprensa, que criava a agenda de debates da sociedade.
Hoje o jornalista profissional perdeu esta exclusividade, o que desorientou a maior parte dos integrantes da categoria. Os profissionais passaram a ser patrulhados pelo público, mostram-se confusos diante da avalancha informativa gerada pela web, pela frenética produção de novas ferramentas informativas e, principalmente, pela crescente presença de pessoas sem formação técnica que passam a influenciar a agenda pública usando blogs, microblogs (Twitter), redes sociais (Facebook e Orkut) e imagens (YouTube).
A exclusividade na produção de notícias por conta do exíguo número de veículos de comunicação criou uma forte dependência entre os jornalistas profissionais e os donos de empresas. Um precisava do outro para sobreviver e com isso o discurso de ambos acabou se confundindo a ponto de hoje muitos não conseguirem mais separar conceitos como liberdade de empresa e liberdade de informação.
Mas para o bem tanto de jornalistas como de empresários — e principalmente do público consumidor de informações — é necessário separar os dois processos porque eles têm métodos, objetivos e agentes totalmente diferentes. A questão dos jornais não é um problema de informação, mas sim de gestão de um negócio. O problema está no âmbito administrativo e financeiro. É uma questão corporativa que interessa aos investidores e donos de empresas.
Já a crise do jornalismo tem a ver com a nova ecologia informativa contemporânea, marcada pela mudança do contexto nas relações entre profissionais e o público. Antes, esta relação era vertical e centralizada; hoje, ela está se transformando numa heterarquia (descentralizada e horizontal). O público era passivo, hoje tornou-se proativo. A notícia deixou de ser um produto para transformar-se num processo. Deixou de ser o resultado do trabalho de poucos para ser uma conseqüência da interação de centenas e até milhares de pessoas.
Surge uma nova narrativa jornalística produto da interatividade na web. Mudam os critérios de avaliação de credibilidade. A complexidade informativa mostra cada vez mais a sua cara. O erro deixa de ser incriminador para tornar-se uma precondição para o acerto. E nós, os profissionais do jornalismo, verificamos que já não podemos mais dar conta sozinhos do ofício de levar notícias ao público consumidor de informações.
É importante, sim, discutir a crise dos jornais porque se trata de um veículo de comunicação que ainda tem um papel a desempenhar. Mas os jornalistas devem agora dedicar mais atenção aos problemas de sua atividade. Vê-los no seu contexto específico porque isto é essencial para a sociedade desenvolver uma nova relação com os produtores de informação, profissionais ou não.
Enquanto os jornalistas desconfiarem do público, a colaboração entre produtores e consumidores de informação ficará obstruída. E esta colaboração passou a ser essencial para o novo processo de geração de conhecimentos, sem os quais é impossível a manutenção do processo de inovação constante, a base da nova economia digital.
Fonte:FNDC
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