sábado, 30 de maio de 2009

CANETA OU FERRAMENTA?

Frei Betto *

Adital

Quantos advogados você conhece? Uns tantos, certamente. Mas na hora de socorrer o seu computador pifado, consertar o vazamento da pia da cozinha ou traduzir-lhe o manual de funcionamento do novo televisor, que você lê, lê e não entende, a quem recorre?

O Brasil é uma nação de bacharéis. Como abrigamos a mais longa escravidão das três Américas - 350 anos -, ainda guardamos, do período colonial, resquícios elitistas, como julgar que profissões técnicas são para incompetentes que não chegam a doutor... Boa profissão é a que domina a caneta, e não a ferramenta.

Você sabia que de cada 100 brasileiros(as) no mercado de trabalho, 72,4% (ou exatos 71,5 milhões de pessoas), nunca fizeram um curso profissionalizante? Entre os desempregados, 66,4% (5,3 milhões de pessoas) nunca passaram por um curso de educação profissional. O dado é do IBGE, divulgado no último 22 de maio.


O mais grave é o poder público, como diria aquele deputado do castelo, estar "pouco se lixando" para a qualificação de nossos trabalhadores. Segundo o IBGE, em 2007 apenas 22,4% dos alunos de cursos profissionalizantes estavam matriculados em escolas públicas.

Dos que buscam tais cursos, 53% dependem de ofertas de ONGs, sindicatos e instituições particulares. O famoso Sistema S (como Senai, Senac, Sebrae), que recebe robustas verbas do governo, forma apenas 20% dos interessados em qualificação.

Mesmo os cursos existentes nem sempre primam pela qualidade. Entre os matriculados, 80,9% frequentavam cursos que não exigiam escolaridade prévia... O que explica o alto número de analfabetos virtuais em profissões técnicas. Consertam a geladeira, mas são incapazes de redigir um bilhete explicando a causa do defeito.

Na mesma pesquisa, o IBGE constatou que são analfabetos 13,5 milhões de brasileiros(as) (9,5% da população) com mais de 15 anos de idade. E de 1,8 milhão que frequentavam salas de aula, 810 mil (45%) admitiram não saber ler nem escrever um simples recado.

A falta de motivação é a principal causa de desinteresse por cursos profissionalizantes. O Brasil é o reino do improviso. O auxiliar de eletricista aprende na prática, assim como o de cozinha acredita que, amanhã, a intimidade com o fogão fará dele um chef. Muitos (14,1%) admitiram não poder pagar um curso dessa natureza. E 8,9% se queixaram da falta de escola na região.

Dos alunos em cursos profissionalizantes, 17,6% frequentavam cursos técnicos de nível médio. E apenas 1,5% cursos de graduação tecnológica equivalente ao nível superior. O mais procurado é o curso de informática (41,7%), seguido de comércio e gestão (14%) e indústria e manutenção (11,25). Ao todo, 215 mil estudantes, o que representa um índice muito baixo, dada as dimensões do país e de suas necessidades.

Esse quadro explica, em parte, a razão do nosso subdesenvolvimento - ou eterna situação de país emergente. O MEC promete que, até o fim de 2010, o Brasil passará de 185 mil para 500 mil vagas em cursos profissionalizantes. As escolas - hoje, 140 - serão 354.

Um das causas dessa realidade preocupante foi a lei de 1988, proposta pelo presidente FHC e aprovada pelo Congresso, que proibiu a União de criar novas escolas técnicas federais. Felizmente Lula a revogou em 2005.

Falta ao atual governo corrigir outro erro crasso: o EJA (Educação de Jovens e Adultos, que substituiu o antigo supletivo), embora acolha trabalhadores em suas aulas, não propõe educação profissionalizante. Isso explica o alto índice de evasão - 42,7% dos matriculados não concluem o curso, sobretudo no Nordeste (56%).

Muitas vezes o horário de aulas coincide com o do trabalho (o que induz à evasão de quase 30% dos alunos), e a metodologia de ensino ignora Paulo Freire e os recentes avanços da educação popular.

O Brasil precisa trocar o PAC - Programa de Aceleração do Crescimento - pelo PAD, Programa de Aceleração do Desenvolvimento, sobretudo humano. Sem recursos humanos qualificados, uma nação está fadada a sempre depender do mercado externo e, portanto, do jogo cruel da especulação internacional, da flutuação de divisas conversíveis e das concessões aos importadores que jamais abrem mão de suas políticas protecionistas.

Sem educação o Brasil não tem solução. Nem salvação.

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