Agentes policiais e do Serviço Médico-Legal chileno iniciaram nesta quinta-feira (4) a exumação dos restos mortais do popular cantor e compositor chileno Victor Jara. O procedimento — ordenado pelo juiz Juan Eduardo Fuentes — faz parte de uma investigação que procura esclarecer seu covarde assassinato. Fuentes, responsável pela investigação do crime, decidiu antecipar a perícia a fim de descobrir as causas da morte e identificar os tipos de armas usadas, distância, ângulo do disparo, entre outras informações.
O chileno Victor Jara (1932-1973) Depois de sofrer espancamento e tortura, Jara tombou crivado de 44 balas em 15 de setembro de 1973, poucos dias após o golpe de Estado do general Augusto Pinochet. Sua morte ocorreu no Estádio do Chile, em Santiago, que depois do golpe militar foi usado como centro de detenção e tortura. Os restos mortais do cantor — cujo assassinato se converteu em um dos símbolos contra a ditadura pinochetista (1973-1990) — estão no Cemitério Geral de Santiago.
Ao que tudo indica, o Chile está numa cruzada para reparar a verdade e denunciar as atrocidades contra Jara. Há uma semana, o ex-militar José Adolfo Paredes, de 54 anos, foi acusado formalmente pela Justiça chilena pela morte do cantor. Paredes responderá a processo por homicídio qualificado.
A prisão — que é preventiva — também foi decretada por Juan Fuentes. O assassino de Jara ficará em uma cadeia de segurança máxima de Santiago. Outro ex-soldado, Francisco Quiroz, foi libertado pelo tribunal. Os dois eram recrutas na época do assassinato e tinham o trabalho de custodiar os presos políticos no centro de detenção em que o estádio foi transformado.
O advogado e representante da família de Jara, Nelson Caucoto, se mostrou inconformado com a decisão. ''Nosso interesse não é perseguir os recrutas — eles são uma parte dentro do todo, a parte mais débil, mais vulnerável. Os chefes é que me interessam — quem deu as ordens de execução de Víctor Jara.''
Em maio de 2008, o juiz encerrou o caso Jara ao considerar culpado de assassinato — mas não de ter disparado o gatilho — o coronel aposentado do Exército Mario Manríquez Bravo, diretor do campo de prisioneiros. O inquérito foi reaberto no início do mês passado, quando uma nova evidência foi apresentada e o ex-recruta passou a ser monitorado.
Paredes — que tinha 18 anos quando o crime aconteceu — confessou ter sido um dos soldados que dispararam contra Jara, mas disse que todos estavam cumprindo ordens superiores. ''Não tenho a sensação de que um jovem de 18 anos tem toda a culpa. Há outros culpados. Nossa queixa inicial era contra Augusto Pinochet. Olho para trás e vejo violência e sadismo. Há responsáveis por isso'', disse a viúva de Jara, a britânica Joan Turner.
Na quarta-feira (3), Paredes voltou atrás em sua declaração e negou a autoria do crime, afirmando ter sido vítima de pressão por parte dos policiais que o interrogaram. Em entrevista ao jornal La Tercera, o ex-soldado disse que durante o interrogatório, ao qual foi submetido, ''estava perturbado e não aguentava mais''. ''Se tivessem me pedido para confessar 20 mortes, diria que sim para me deixarem em paz'', contou o militar.
No início da semana, a polícia chilena iniciou uma série de interrogatórios a 70 soldados que estavam trabalhando no estádio chileno no dia do crime. A medida busca confrontar as declarações dos ex-soldados com a de Paredes e desvendar as causas da morte do cantor.
Os momentos finais
Um relatório do Centro de Investigação e Informação para Jornalistas (Ciper, na sigla em espanhol) divulgado em 27 de maio revelou detalhes das últimas horas de Jara a partir de 12 de setembro. Depois do golpe, cerca de 600 estudantes e professores se amotinaram na Universidade Técnica do Estado de Santiago em protesto pela ocupação militar. Entre eles estava Jara, que também era professor.
As forças militares invadiram o local, detendo várias pessoas, incluindo o cantor. Nesse ponto, o testemunho do ex-militar trouxe novidades. Segundo ele, um subtenente “começou a brincar de roleta russa com o revólver apoiado na cabeça de Jara''. Foi quando aconteceu o primeiro disparo. Conforme o relato de Paredes, o subtenente ordenou a ele e a outros recrutas que descarregassem seus rifles no corpo do artista — e a ordem foi cumprida.
O ex-militar também disse que Jara havia sido interrogado ao menos duas vezes no estádio, além de ter sofrido tortura. Ele teve a língua arrancada e as mãos espancadas até serem esmagadas. Depois dos tiros, o corpo do cantor foi posto em um saco e levado para um veículo militar, sendo encontrado três dias depois, perto de um cemitério.
Membro do Partido Comunista Chileno e ativo partidário do presidente socialista Salvador Allende (1908-1973), Jara foi um dos mais populares personagens do meio artístico de seu país no início da década de 70 — e um dos mais célebres mártires da ditadura. O cantor, compositor e poeta foi autor de renomadas canções de conteúdo social, como El Derecho de Vivir en Paz (O Direito de Viver em Paz), que serviram de símbolo para parte da geração de chilenos que enfrentou a repressão. Em sua homenagem, o Estádio do Chile chegou a ser renomeado Estádio Víctor Jara.
Já Pinochet morreu em dezembro de 2006, aos 91 anos de idade, sem ter sido condenado pelos cerca de 3 mil mortos e 28 mil torturados e vítimas da ditadura. Ao contrário de Víctor Jara, muitos dos mortos do regime pinochetista permanecem com seus corpos desaparecidos.
Da redação, com agências/Site O Vermelho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário