segunda-feira, 1 de junho de 2009

CRISE ECONÔMICA - Reagan conseguiu.

Paul Krugman
Do The New York Times

"Esta é a legislação mais importante para as instituições financeiras dos últimos 50 anos. Ela oferece uma solução de longo prazo para as instituições de empréstimos com problemas... De certa forma, acho que acertamos em cheio".

Foi o que declarou Ronald Reagan em 1982, quando assinou o decreto-lei Garn-St. Germain para Instituições Depositárias.

Ele estava, como ficou claro, equivocado na sua solução dos problemas das instituições de empréstimos. Bem ao contrário, a lei transformou os problemas então modestos daquelas instituições financeiras em uma verdadeira catástrofe. Mas ele estava certo no que diz respeito ao impacto daquela lei. O que se acertou em cheio, no entanto, foi a pior crise econômica desde a Grande Depressão, 25 anos mais tarde.

Quanto mais procuramos as origens deste desastre econômico atual, mais claro fica que o equívoco que tornou esta crise inevitável aconteceu no início da década de 1980, durante a era Reagan.

Os ataques à economia Reagan normalmente focam na disparidade crescente e na irresponsabilidade fiscal. Sem dúvidas, Reagan chegou numa era em que uma pequena minoria ficou muito rica, enquanto famílias nas classes trabalhadoras passavam por dificuldades. Ele também quebrou as regras estabelecidas de prudência fiscal.

Sobre isso: Tradicionalmente, o governo dos Estados Unidos apenas chegou a déficits significativos de orçamento em tempos de guerra e emergência econômica. A dívida federal como porcentagem do PIB caiu vertiginosamente desde o final da Segunda Guerra Mundial até os anos 1980. Mas o endividamento começou a crescer novamente na era Reagan; caiu novamente no governo Clinton, mas voltou a se elevar na administração Bush, o que nos deixou despreparados para enfrentar uma emergência como essa que nos assola.

O aumento da dívida pública, no entanto, controlado pelo aumento das dívidas privadas, só foi possível através da desregulamentação financeira. A mudança das regras que regulam o sistema financeiro norte-americano é o maior legado de Reagan. É o verdadeiro presente de grego.

O efeito imediato da lei Garn-St. Germain, como eu disse, foi a transformação de um problema em catástrofe. A crise das instituições de empréstimos foi apagada do currículo de Reagan, mas o fato é que a desregulamentação acabou dando à indústria - cujos depósitos eram assegurados pelo governo - uma licença para apostar com o dinheiro do contribuinte, na melhor das hipóteses, ou simplesmente tomá-lo descaradamente, na pior delas. Quando o governo terminou de fazer as contas, o contribuinte já tinha perdido 130 bilhões de dólares, numa época em que isso era uma quantia assombrosa.

Mas houve também um efeito de longo prazo. As mudanças legislativas da era Reagan basicamente terminaram com as restrições do chamado New Deal aos empréstimos para hipotecas - restrições essas que, em especial, impediam que famílias comprassem imóveis sem uma entrada substancial em dinheiro.

Essas restrições foram estabelecidas na década de 1930 por líderes políticos que haviam acabado de testemunhar uma crise financeira terrível e tentavam prevenir outra. Mas em 1980 a lembrança da Depressão já havia se diluído. O governo, declarava Reagan, é o problema e não a solução; a magia do mercado deve ser libertada. As medidas de prevenção foram eliminadas. Juntamente com as normas fracassadas de empréstimos para outros tipos de crédito ao consumidor, tudo levou a uma mudança radical no comportamento dos Estados Unidos.

Nem sempre fomos uma nação de dívidas enormes e pouca poupança: nos anos 1970, os norte-americanos guardavam quase 10 por cento de sua renda, um pouco mais do que na década anterior. Foi só depois da desregulamentação Reagan que a instituição de empréstimos desapareceu gradualmente do modo de vida americano, culminando no nível quase zerado de poupança a que chegamos na entrada da grande crise. A dívida privada era de apenas 60 por cento da renda quando Reagan assumiu, praticamente o mesmo nível da administração Kennedy. Em 2007 este número chegou a 119 por cento.

Tudo isso, achávamos, era uma coisa boa: claro, os americanos estavam acumulando dívidas e não guardavam um centavo do seu salário, mas sua economia parecia estar bem, se observássemos os valores galopantes de suas propriedades e do seu portfólio de ações. Oops.

Agora, as causas aproximadas da crise econômica atual são atribuídas a eventos que ocorreram muito depois de Reagan deixar o cargo - no acúmulo global de poupança criado pelo superávit da China e de outros países, e na bolha imobiliária gigante que aquele acúmulo de poupança ajudou a criar.

Mas foi a explosão das dívidas nos últimos 25 anos que tornaram a economia dos Estados Unidos tão vulnerável. Os mutuários pressionados iriam tornar-se inadimplentes em massa quando a bolha imobiliária estourasse e o desemprego começasse a subir.

Essa inadimplência causaria o caos do sistema financeiro que - muito graças à desregulamentação da era Reagan - assumiu riscos demais com pouco capital.

Há muitos a quem culpar ultimamente. Mas os maiores vilões por trás desta confusão foram Reagan e seus assessores - homens que esqueceram as lições aprendidas na Grande Depressão e nos condenaram a repeti-la agora.


Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

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