terça-feira, 2 de junho de 2009

A ESQUERDA E A CRISE.

Luiz Carlos Bresser-Pereira (Folha de S. Paulo)

O DESASTRE econômico que estamos vivendo é consequência da hegemonia, nos últimos 30 anos, do neoliberalismo -uma ideologia de direita que desregulou os mercados financeiros. Entretanto, nas eleições para o Parlamento Europeu que se realizarão nesta semana, não se prevê que os partidos de esquerda avancem e logrem recuperar a maioria detida pela direita. Como explicar esse fato? Por que os eleitores europeus, que sempre se revelam mais conscientes politicamente -mais capazes de votar de acordo com princípios ideológicos e levando em consideração os resultados alcançados-, não estão dando agora uma guinada para a esquerda?

Meu diagnóstico é o de que a esquerda não está se beneficiando da crise porque nos momentos em que esteve no poder nestes últimos 30 anos ela fez tantas concessões ao fundamentalismo de mercado neoliberal que, afinal, sua política muitas vezes se aproximava daquelas propostas pela direita. No plano social, isso não aconteceu porque os partidos de esquerda se mantiveram fiéis à ideia de que cabe ao Estado aumentar a despesa social em educação, cuidados de saúde, previdência e assistência social e, dessa forma, diminuir a desigualdade.

Enquanto o neoliberalismo defendia um individualismo competitivo extremo baseado em princípios meritocráticos, a centro-esquerda rejeitava o pressuposto do caráter inerentemente egoísta do ser humano e, a partir do pressuposto alternativo de que o comportamento humano é fruto de uma dialética entre dois instintos fundamentais -o da sobrevivência e o da convivência-, afirmava a possibilidade e a necessidade da solidariedade ou das virtudes cívicas e defendia um papel ativo para o Estado na redução das desigualdades. Essa foi sua força.

No campo econômico, porém, o histórico da esquerda não é tão favorável. Ela teve uma enorme dificuldade em 1) resistir à proposta de desregulação neoliberal; e 2) em ver uma alternativa econômica à teoria econômica neoclássica e às políticas econômicas convencionais. Não resistiu à desregulação porque se deixou convencer do argumento dos mercados eficientes e autorregulados. E não foi capaz de praticar política econômica alternativa -ainda que uma alternativa keynesiana e desenvolvimentista exista- não apenas porque a hegemonia ideológica era muito forte mas também porque economistas keynesianos e desenvolvimentistas medíocres interpretavam mal Keynes e pregavam algo que os políticos sabem ser desastroso: a irresponsabilidade fiscal.

O episódio mais triste de rendição da esquerda perante o neoliberalismo foi, em 1983, o da virada para a direita do governo de esquerda de François Mitterrand. A política incompetente adotada pelo governo nos dois anos anteriores levou o país a uma crise econômica, e, em consequência, esse mesmo governo se viu, de uma hora para outra, sem alternativa senão adotar a ortodoxia reclamada pelo establishment conservador.

Uma política econômica de esquerda exige a capacidade de seus formuladores de reduzir as desigualdades sem prejudicar as oportunidades de investimento dos empresários. Para isso, precisa, de um lado, promover o aumento dos salários com a produtividade e estimular a produção de bens de consumo básico, e não de luxo; e, de outro, distinguir empresários, cujos lucros devem ser satisfatórios, dos juros e aluguéis dos rentistas, que devem ser moderados. Se a esquerda houvesse sido capaz de orientar sua política econômica nessa direção, certamente estaria sendo hoje beneficiada pela crise.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de `Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994`.

Publicado originalmente: Folha de S. Paulo – 01/06/2009./AEPET

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