A vitória dos indígenas peruanos - que há três dias fizeram o governo propor a anulação de duas leis de terras, depois de lançarem uma onda de protestos que durou mais de dois meses e deixou 34 mortos - consolidou a força política das comunidades nativas no Peru.
A reportagem é de João Paulo Charleaux e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 17-06-2009.
"Depois disso, os indígenas não serão mais vistos como uma excentricidade antropológica, mas como uma força real, com enorme poder de expressão", disse o analista peruano Jaime Antezana, especialista em questões indígenas.
O processo vivido pelo Peru nos últimos meses lembra a luta dos indígenas pelo gás na vizinha Bolívia, onde foi fundado, em 1997, o Movimento ao Socialismo (MAS), que teria papel fundamental nas manifestações de 2000 e na eleição do atual presidente, o líder indígena Evo Morales, em 2005.
Mas, apesar das semelhanças, a solução para as demandas indígenas será, em cada caso, diferente. "Não há condição para que surja no Peru uma figura como Evo", disse Antezana, que chama atenção para "o caráter descentralizado do movimento indígena peruano, em comparação com movimento coordenado que levou Evo ao poder na Bolívia".
A morte de 24 policiais e pelo menos 10 manifestantes indígenas no dia 5, na Amazônia peruana, obrigará "os políticos locais a reconhecerem a natureza plurinacional do país, que inclui não uma, mas várias nações indígenas que não partilham da mesma ideia de desenvolvimento", disse o analista.
A tese de Antezana coincide com a posição assumida ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que "exortou o governo (do Peru) a fazer maiores esforços para garantir que não seja aplicada nem promulgada nenhuma legislação sobre exploração de recursos naturais sem consulta prévia aos povos indígenas".
Na Bolívia, as comunidades nativas fizeram com que a Constituição reconhecesse a legalidade da Justiça indígena e a autonomia das comunidades originárias sobre seu próprio território, além de estabelecer cotas para parlamentares indígenas no Congresso; situação ainda improvável no Peru.
Para Antezana, o candidato nacionalista Ollanta Humala que, em 2006, concorreu contra o atual presidente, Alan García, não representa os indígenas. "Ele tenta capitalizar o movimento, mas não dá para dizer que encarne todas essas demandas sozinho. Ele não será o Evo do Peru". Humala voltou à cena com os protestos dos últimos meses. Ao anunciar que renunciará, o chefe do Conselho de Ministros, Yehude Simon, negou que sua decisão responda a algum "capricho" de Humala ou de "alguns radicais" como ele.
Fonte:IHU
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