Escrito por Paulo Metri
Neste momento, existe muita discussão sobre o que fazer com os blocos não licitados do pré-sal, travada em jornais, televisões, rádios, mídia alternativa, seminários, reuniões etc. Uma corrente advoga que eles devem ser entregues, sem licitação, para a Petrobrás. Outra, para uma nova empresa a ser criada, com todo capital pertencente à União, que será chamada, aqui, de Petrosal.
A corrente das petroleiras estrangeiras busca convencer que nada deve ser modificado na lei 9.478, principalmente, a entrega do petróleo a quem o produz, que significa a entrega do lucro extraordinário gerado por ele e da arma geopolítica que ele representa. Assim, os blocos do pré-sal devem ser leiloados, segundo propalam as empresas estrangeiras, usando o mesmo "modelo de sucesso". Em compensação, elas acham que deve ser editado um decreto do Executivo aumentando a alíquota da participação especial para o pré-sal, significando reconhecerem a baixa taxação sobre a produção de petróleo, existente, hoje, no Brasil. Esta proposta não pode ser levada a sério, por várias razões, mas tem uma que elimina qualquer boa vontade de analisá-la. Se ela for aprovada, o presidente Lula e toda a sociedade podem esquecer a intenção de remeter recursos para a educação, a saúde, o combate à pobreza etc, à medida que os "usos" da arrecadação do petróleo são definidos na lei 9.478, que não contém os novos destinos, e, segundo foi apregoado, a lei não pode ser modificada.
Portanto, voltando ao debate principal, sobre entregar blocos do pré-sal para a Petrobrás ou a Petrosal, o argumento mais utilizado a favor da nova empresa é que cerca de 60% das ações da Petrobrás são possuídas, hoje, por acionistas privados e, ao entregar blocos do pré-sal para ela, estar-se-á entregando lucro para entes privados. Com a nova empresa, isto não acontecerá porque seu capital será 100% da União. Analisando a questão, a Petrobrás entrega para os acionistas dividendos, que são originados do lucro do negócio. Entretanto, o lucro que dá origem aos dividendos é aquele do qual foram retiradas as reservas para pagamento de impostos, para reinvestimentos etc. Além disso, a lei das Sociedades Anônimas obriga os dividendos das empresas a serem, no mínimo, igual a 25% do tal lucro depurado. Nos últimos anos, a Petrobrás só tem pagado aos acionistas, de dividendos, este mínimo que a lei manda. Assim, a Petrobrás pagou aos acionistas privados somente 60% de 25% do lucro depurado, ou seja, 15% do lucro depurado.
Por outro lado, um jornal do dia 31/5 noticiou que o governo pretende mesmo criar a nova empresa que irá receber a totalidade dos blocos do pré-sal ainda não licitados. Posteriormente, a empresa irá destinar alguns destes blocos para a Petrobrás para exploração e produção de petróleo, através de contratos de partilha da produção, e, com relação aos demais blocos, ela os leiloará entre empresas privadas, quase todas estrangeiras, e a Petrobrás, que oferecerão para arrematar um bloco o percentual que caberá ao governo na partilha. Obviamente, aquela que oferecer o maior percentual ao governo o arrematará.
A notícia não deixa claro, mas parece que a partilha ocorrerá em petróleo, ou seja, o Estado brasileiro, através da Petrosal, receberá sua parte em petróleo, o que é importante para ele poder escolher o destino que mais lhe convier. Outra informação é que a partilha ocorrerá sobre o lucro, que corresponde, basicamente, à receita menos os investimentos e os custos de operação do campo.
Os promotores do leilão devem estar atentos, assim como toda sociedade, porque, quanto maior o retorno financeiro de uma ação ilegal de difícil detecção, maior será sua atração no processo de decisão, lembrando que o retorno financeiro de blocos arrematados do pré-sal será estratosférico. Assim, existirá forte atração para formação de um cartel para participar nos leilões do pré-sal, sendo os blocos divididos, antecipadamente, por acordo, entre as empresas do cartel. A Petrobrás, certamente, não participaria deste cartel. Por precaução, se estes leilões vierem realmente a ocorrer, o governo deve estipular, no edital, um percentual mínimo que a Petrosal deve receber na partilha, correspondendo a uma defesa para a sociedade não ser prejudicada. Pela experiência internacional, este percentual mínimo é da ordem de 85%.
Desta forma, cai por terra o argumento principal para a criação da Petrosal – de que uma parte do lucro advindo do pré-sal, sendo ele explorado pela Petrobrás, iria parar em mãos privadas. Provamos que a parcela do lucro, depois da retirada de reservas diversas, que vai para investidores privados, na hipótese de a Petrobrás receber o pré-sal, é de 15%. E, na hipótese de a Petrosal receber o pré-sal, os entes privados vão receber, exatamente, os mesmos 15% do lucro. Enfim, quer seja escolhida a Petrobrás ou a Petrosal para ficar com os blocos remanescentes do pré-sal, as empresas privadas receberão os mesmos 15% do lucro.
No entanto, a proposta de a Petrosal receber os blocos remanescentes do pré-sal mata a "galinha dos ovos de ouro", porque a Petrobrás é a empresa grandiosa que conhecemos, graças à sua enorme capacidade de desenvolver tecnologia, que foi conseguida porque seu faturamento, na época do monopólio, não dependia de ter que competir para conseguir contratos. Um dos primeiros itens cortados pelas empresas para conseguir ganhar concorrências são os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Concorrências devem ser aplicadas em setores onde desenvolvimentos tecnológicos já não são mais requeridos, como manutenção de estradas com cobrança de pedágios.
O economista Joseph Schumpeter, o mesmo crítico do mercado de concorrência perfeita e o identificador da "destruição criativa", sem renegar os princípios do liberalismo, considerava a concentração econômica um dos requisitos fundamentais para o progresso tecnológico. Outra forma de explicar o conceito é imaginarmos que, se o monopólio estatal do petróleo não tivesse sido criado, em 1953, e em compensação tivesse sido instituído no país o contrato de partilha da produção, em que iriam competir a recém criada, à época, Petrobrás e empresas estrangeiras, o Brasil não teria, hoje, descoberto nem a metade dos bilhões de barris já medidos e, muito menos, o pré-sal.
Causa indignação ver grupos econômicos poderosos comprando espaço na mídia para divulgar versões de fatos que os interessam e, assim, manipularem a opinião pública. Apareceu nos jornais, recentemente: "o pré-sal irá requerer de US$ 800 bilhões a US$ 1,3 trilhão de investimentos, sendo que a Petrobrás não tem o total requerido". Sem questionar o valor citado, a Petrobrás não tem o recurso para investir no pré-sal na velocidade de exploração e produção que eles querem. Em outro jornal, saiu: "a indecisão do governo brasileiro em definir como serão as regras do pré-sal poderá levar os investidores estrangeiros a migrarem para o pré-sal da África, onde há regras estabelecidas". Sabe-se do medo que os investidores estrangeiros têm de algumas regiões da África, onde há forte instabilidade política.
No presente momento, não se sabe a extensão das reservas de petróleo existentes no pré-sal, podendo ser algo entre 60 e mais de 100 bilhões de barris. No conhecimento atual, não se consegue definir bem os blocos a serem licitados. Com tantas dúvidas, escamoteio de fatos e perspectivas incertas, seria melhor, no momento, tomar iniciativas para se dispor de maior conhecimento da área, o que irá permitir uma melhor tomada de decisão, em período breve de tempo. O professor Ildo Sauer da USP, ex-diretor da Petrobrás, propôs que a União contratasse a Petrobrás, através da ANP ou do MME, para ela fazer uns 100 furos na área do pré-sal para se ter uma melhor estimativa do total de petróleo existente e sua disposição na área. Cada furo irá custar cerca da US$ 60 milhões, o que seria totalmente recompensado, no futuro, graças a uma atuação mais consciente na área, por atitudes equivocadas terem sido previamente identificadas.
Como conseqüência, saber-se-ia que blocos atuais iriam precisar de unitização, o volume que caberia a cada empresa concessionária de blocos e à União etc. Enquanto estes furos estivessem sendo feitos, o governo teria mais tempo para encontrar um novo marco regulatório do pré-sal, que seria bom para a sociedade e politicamente viável em um Congresso hostil, cooptado pelo poder econômico.
Uma nova tributação para a produção de petróleo, a preservação dos antigos "usos" e o acréscimo de novos "usos", os reflexos nos agentes do modelo organizacional sugerido, assim como na sociedade, a eventual constituição de um Fundo Brasileiro Soberano do Petróleo, a recompra paulatina das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York pela União e muitos outros assuntos não cabem mais neste artigo, sem transformá-lo em um verdadeiro tratado. Estes tópicos poderão ser considerados em outro eventual artigo.
Entretanto, existe uma certeza, neste oceano de incertezas. A de que nenhum bloco da área do pré-sal poderá mais ser licitado nas regras atuais, pois é quase o mesmo que conceder campo de petróleo, contendo bilhões de barris, o que ninguém faz. Por tudo que foi exposto, sou favorável à entrega dos blocos ainda não licitados do pré-sal à Petrobrás, que seria, também, a operadora única de toda área do pré-sal.
Provavelmente, haverá necessidade, em alguns casos, de unitização dos campos da Petrobrás e das empresas que têm contratos antigos com a ANP, desde que elas invistam na proporção das suas parcelas nos consórcios e das suas parcelas no óleo existente. A parcela da produção de petróleo pertencente à empresa consorciada com a Petrobrás será na mesma proporção da divisão do investimento. Quem designa para onde vai o petróleo produzido no pré-sal, relacionado aos futuros contratos, será o Estado brasileiro. No entanto, o destino do petróleo, devido a contratos antigos com empresas estrangeiras, é ditado pelas empresas. Tudo isto visando os contratos antigos serem honrados.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.
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