A América Latina precisa da derrota do golpe hondurenho para deixar de acalentar qualquer ilusão de retornar a uma prática que assolou a região durante décadas. Necessitava da volta de Manuel Zelaya tanto quanto os próprios hondurenhos. Por isso, foi importante a decisão comprometida de Lula, acompanhado pelo governo argentino e os da maioria da região. Aceitar a permanência de Micheletti até as próximas eleições, mesmo que por poucos dias, teria significado a legitimação do golpismo.
A reportagem é de Luis Bruschtein e está publicada no jornal Página/12, 22-09-2009. A tradução é do Cepat.
Mesmo sendo civil, Roberto Micheletti é um golpista latino-americano clássico: gorila, anticomunista e inclinado à hegemonia de Washington na região. Dá a impressão de que os paralelismos terminam aí, porque Zelaya não é a vítima típica do golpismo, mas trata-se de um homem que veio da direita e no caminho foi virando timidamente para a esquerda.
Outra diferença importante foi a reação dos governos latino-americanos reunidos na Unasul. Na maioria das vezes, as vítimas dos golpes eram a mancha branca no mapa, rodeados de regimes protofascistas que imediatamente reconheciam o novo governo de fato. Desta vez deram seu apoio ao presidente deposto.
Nesse marco, o elemento mais diferenciador foi, por um lado, o Brasil e, por outro, Washington. No caso do Brasil, durante as longas décadas de golpes militares, esse país não tinha praticamente incidência na região. Desta vez, Lula se decidiu por um protagonismo muito ativo pela restauração democrática. É evidente que uma vez que o Brasil optou pela integração, seu peso se faz sentir e um sintoma muito claro é que Zelaya escolheu a sua Embaixada.
Que tenha se refugiado na Embaixada do Brasil e que dali tenha feito declarações e até atos políticos são fatos que renegam a explicação do chanceler Celso Amorim de que o Brasil “apenas lhe abriu a porta”. Zelaya não teria feito nenhum movimento sem ter a segurança de que seria recebido em Washington. E até é provável que esses antecedentes sejam responsáveis para convencer o deposto mandatário hondurenho a voltar e renunciar à segurança do exílio.
Os golpistas sempre agiram com o respaldo da Casa Branca e dos demais governos da região. Desta vez, o papel de Obama foi diferente. Mesmo assim foi criticado. Sobre estas reações fez uma ironia: “Antes criticavam os Estados Unidos porque intervinham na região e agora me pedem que intervenha”.
Dizia isso porque havia quem reclamasse uma ação mais decidida sua. O certo é que sua posição desconcertou o golpista Micheletti que agora pede “respeito à soberania de Honduras”. A estratégia para o golpe seguiu o velho molde e uma das ações prévias havia sido armar um lobby no Congresso norte-americano. Vários senadores republicanos, encabeçados por Jim DeMint, da Carolina do Sul, aos quais se somou o lobby dos cubanos de Miami, fizeram pressão sobre o Departamento de Estado. Seu fator de negociação sobre Hillary Clinton foi o bloqueio da nomeação do novo encarregado para a América Latina, Arturo Valenzuela, e a do novo embaixador no Brasil, Tom Shannon. Tanto Valenzuela como Shannon, os dois operadores chaves da política de Obama para a região, ainda não puderam assumir porque DeMint os freou.
Não há nenhuma garantia de que o consenso democrático na América Latina seja eterno, e muito menos a posição de Washington. Por outro lado, o protagonismo do Brasil nestas situações já é algo irreversível. Mesmo assim, mesmo que agora coincida com a corrente majoritária, tampouco há garantias de que o mesmo aconteça no futuro.
Estas coincidências demonstram que se trata de um momento histórico especial no continente. Mas o golpe de Micheletti demonstrou também que em todas as sociedades segue palpitando a tentação do golpismo diante dos processos de mudança.
Fonte:IHU
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