Por Alberto Luiz Fonseca, da Austrália, na Terra Magazine
Liang-Jiu-Ser começou sua história explicando-me que nascera em uma família de classe média em Xangai.
Em sua tenra juventude, fora rapaz muito inteligente e diligente, estudioso, assim conseguira bolsa para estudar em Hong Kong. De onde seguiu, alguns anos depois, e ainda graças aos excelentes resultados escolares, ser mandado para a Universidade de Oxford, na Inglaterra.
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Suponho que tinha grande facilidade com números. Rapidamente, segundo o interessante personagem me contou, foi contratado por uma firma de consultoria financeira, onde cresceu, adquiriu sociedade e, poucos anos depois, era o único dono.
Assim, antes dos 40 anos de idade, Liang-Jiu-Ser era um bem-sucedido executivo da “City” londrina, o centro e coração financeiro da capital britânica. Morava no prestigioso bairro de Chelsea, numa grande casa com jardins floridos, dirigia uma bela Ferrari – que trocava todos os anos.
Viajava por todos os cantos do mundo, sempre na primeira classe, e conhecia pessoas interessantes, alguns dos quais ele considerava seus amigos. Mas, nunca soube direito, pois não tinha tempo para nada que não fosse negócios.
E trabalhava muito, desperadamente, sem descanso, 24 horas por dia, sem férias, ou feriados de nenhuma espécie.
- “Não pense, ó estranho”, disse ele a mim, “que algo me faltava”. Pelo contrário. Ele julgava-se completo e realizado.
Um dia, porém, aconteceu-lhe de receber inusitada visita.
- “Uma pessoa, um estrangeiro, que aqui não poderei identificar, entrou no meu escritório numa tarde, há alguns anos, e mencionou um número.”
Queria comprar-lhe o negócio.
Liang-Jiu-Ser pensou, foi para sua casa pensando, pensando.
No dia seguinte, ligou para o estrangeiro, afirmou que venderia. Uma semana depois, toda a papelada feita, os documentos foram assinados em cartório da City, com as devidas cópias e testemunhas: Liang-Jiu-Ser tornara-se um milionário. Em sua conta, um valor inimaginável.
- “Foi, este, então, o dia mais feliz da minha vida”, disse-me ele. Percebi que tinha lágrimas nos olhos e contemplava, com olhar perdido, as neves eternas da majestosa montanha à nossa frente.
- “Por quê?”, perguntei-lhe eu então, “porque você se tornara um homem irremediavelmente rico?”
Seria a sensação assim tão boa? Foi o que pensei.
A resposta dele veio a me surpreender:
- “Não,” – disse – “a sensação de possuir não é nada, se comparada à sensação de doar”.
Nesse dia, o dia mais feliz de sua vida, Liang-Jiu-Ser chamou, um a um, seus empregados da financeira.
Os que estavam com ele há muitos e muitos anos, que o haviam servido, que com ele haviam viajado pelo mundo, muitas vezes abdicando de suas horas de sono e descanso para ajudá-lo com os probemas do expandir seu negócio, que haviam passado a seu lado os períodos de angústia, de incerteza inerentes a todo negócio – sobretudo no começo, quando assumira a sociedade.
Não esquecera, porém, a velha faxineira, a copeira paraguaia, o motorista que estivera muitas vezes no aeroporto de Heathrow a buscá-lo sob a neve, nas madrugadas, sem uma reclamação.
Pelo contrário, sempre com uma tirada de bom humor, e àsvezes com um comentário sobre o último jogo do time do Chelsea, para quem ele torcia.
Chamou-os, um a um, em seu escritório. Escreveu e assinou-lhes cheques. Nominais. A cada um correspondeu uma pequena fortuna, um pouco maior ou menor em montante proporcional aos anos que haviam servido a seu lado.
Todos choraram, todos agradeceram, e choraram novamente, incrédulos com o que estava acontecendo. Liang-Jiu-Ser disse que ele, porém, enquanto recebera seus agora ex-funcionários no escritório, não chorara uma lágrima.
Tinha sido uma manhã e uma tarde de gratidão. A gratidão que ele lhes devia.
Ao final do dia, fechou sua pasta de trabalho e seu laptop. Com o dinheiro que lhe sobrava, viveria a vida muito confortavelmente por todos os anos à frente, onde bem quisesse.
Foi então que dirigiu-se para sua casa, onde entrou no começo da noite.
E chorou até o dia seguinte.
Alberto Luiz Fonseca, mineiro e diplomata, serve atualmente na Embaixada do Brasil em Sidney, Austrália. Filho de pais músicos, foi fundador do “Café com Letras”, conhecido café e livraria de Belo Horizonte.
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