Quantas mortes Obama precisará em Honduras?'', pergunta Atilio Borón
“O silêncio de Obama perante tantos crimes nada tem a ver com a abstinência ou o não-intervencionismo. Calar é também uma forma – dissimulada, muitas vezes covarde – de intervir”. A análise é do sociólogo Atilio Borón em artigo publicado pelo sítio Resistir, 28-09-2009.
Eis o artigo.
O Comitê pela Defesa dos Direitos Humanos de Honduras (CODEH) tornou público um relatório em que responsabiliza o presidente de fato desse país e líder dos golpistas, Roberto Micheletti, pelas mais de 101 mortes extra-legais e sumárias perpetradas desde 28 de Junho até à data.
A CODEH foi criada em 11 de Maio de 1981 por um grupo de cidadãos hondurenhos preocupados com as graves violações aos direitos humanos verificadas no país quando o governo de Ronald Reagan decidiu que Honduras seria a plataforma de operações a partir da qual a Casa Branca lançaria a sua ofensiva contra a Revolução Sandinista, que acabava de triunfar na Nicarágua, e a Frente Farabundo Martí, que em El Salvador estava progressivamente revertendo em seu favor a luta contra o exército salvadorenho e seus "assessores" estadunidenses.
Como se recorda, Reagan determinou que a frente dessa operação ficasse John Negroponte, um homem carente de escrúpulos morais e que não vacilou em organizar esquadrões da morte e envolver-se no tráfico de armas e drogas da Operação Contras dirigida pelo coronel Oliver North. A árdua luta da CODEH e a sua intransigente defesa dos direitos humanos fez que em Novembro de 1994 o governo de Honduras lhe concedesse um estatuto jurídico legal.
Esta instituição, que conta com numerosos homens e mulheres que pagaram com a vida a sua devoção à causa dos direitos humanos, acusa os golpistas hondurenhos de produzir um novo holocausto. Este massacre silencioso, do que apenas uns poucos casos ficaram registrados nos meios de comunicação devido à censura quase total à imprensa e ao sistemático bloqueio de toda informação relativa a esses fatos, teve lugar, segundo a CODEH, no âmbito dos sucessivos "toques de recolher" decretados pelos usurpadores.
As suas vítimas incluem menores e mulheres. Estes assassinatos tiveram lugar principalmente durante as horas em que a polícia e as forças armadas exerciam um controle absoluto das ruas e praças de Honduras.
Para além de qualquer polêmica sobre o número exato de pessoas que morreram neste triste episódio, o certo é que pela mão de Micheletti e dos seus cúmplices e mentores a violência e a morte assenhorearam desse país. E é certo também esta brutal escalada prossegue seu curso com a cumplicidade total do presidente Barack Obama, cuja defesa dos direitos humanos, da legalidade, democracia, liberdade e outros valores consagrados pela luta dos povos demonstrou ser, como prevíamos, uma retórica destinada a enganar os incautos e nada mais.
Há poucos dias o presidente Hugo Chávez perguntava perante a Assembleia Geral da ONU qual era o verdadeiro Obama: se aquele que dizia frases bonitas ou o que aceitava o golpe de estado em Honduras (ao qual teimosamente recusa-se a chamá-lo pelo seu nome), mantinha o bloqueio a Cuba e a injusta e ilegal prisão "dos 5", e semeava bases militares por toda a América Latina em nome da liberdade. Lamentavelmente, a resposta salta à vista e dispensa maiores argumentações.
A idêntica conclusão chegava há poucos dias Mark Weisbrot, distinto acadêmico estadunidense e presidente do Just Foreign Policy quando se perguntava quanta repressão Hillary Clinton apoiará em Honduras. Na sua nota, reproduzida em Rebelión Weisbrot assegura que "a 11 de Agosto, 16 membros do Congresso dos EUA enviaram uma carta ao presidente Obama instando-o a 'denunciar publicamente a utilização da violência e a repressão de manifestantes pacíficos, o assassinato de pacíficos organizadores políticos e todas as formas de censura e intimidação contra os meios de comunicação'. Ainda estão à espera de uma resposta".
Os gorilas hondurenhos não deixaram direito algum por violar: assassinatos, torturas, sequestros, repressão a manifestantes pacíficos e indefesos, desprezo pelo quadro jurídico nacional e a legalidade internacional, ataque à embaixada do Brasil, censura da imprensa; enfim, a lista seria interminável.
Fica de pé a pergunta: Quantas mortes mais precisará a Casa Branca para abandonar a sua inqualificável cumplicidade com um regime que regride a nossa região ao pior do século passado? Quantas precisará Obama para perceber que cada uma delas é também um golpe mais na sua já minguada credibilidade?
Os Estados Unidos são o único país com peso significativo na arena internacional que ainda mantém o seu embaixador em Tegucigalpa: O que espera para retirá-lo? Ou será que Honduras prefigura o futuro terrível da América Latina e do Caribe, Obama não sendo outra coisa senão o sorridente e simpático relações públicas, mas que nem por isso deixa de ser uma peça mais na engrenagem infernal do "pentagonismo", como o denominou Juan Bosch.
Para concluir: não é que agora os anti-imperialistas peçam a Washington que intervenha, como refinadamente argumentou nos últimos dias. Já está intervindo, e muito. E para perpetuar um regime violatório dos direitos humanos, não para promovê-los.
O silêncio de Obama perante tantos crimes nada tem a ver com a abstinência ou o não-intervencionismo. Calar é também uma forma – dissimulada, muitas vezes covarde – de intervir. Aquilo que se lhe perde é que, de uma vez por todas, os Estados Unidos deixe de fazê-lo e abstenha-se de apoiar os golpistas. Do resto se encarregará o povo hondurenho, que tem dado mostras da sua capacidade e valentia para sacar Micheletti de cima sem necessidade de ajuda alguma da Casa Branca.
Fonte:IHU
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