Entrevista especial com Emanuel Cancella
Para Emanuel Cancella, o petróleo é o “ouro negro” do Brasil. Embora ele admita que essa fonte de energia seja muito poluente, aponta que, sendo o petróleo a matriz energética do mundo todo, por um longo período, ele vai continuar sendo a fonte de energia mais importante. Cancella conversou com a IHU On-Line por telefone e falou sobre o papel do petróleo na crise ecológica, o novo marco regulatório para exploração do petróleo na camada pré-sal e, ainda, sobre a criação da Petrosal. Cancella defende veementemente que é a Petrobras quem deve administrar o petróleo encontrado sob a camada de sal em parte do litoral brasileiro, uma vez que foi a empresa quem investiu tempo e dinheiro para desenvolvimento de tecnologias que possibilitaram encontrar o recurso. “A proposta do governo é muito tímida. Propõe que a Petrobras fique só com 30% dos campos. Entendemos que a Petrobras deve ficar com 100%, pois o risco é zero na área do pré-sal”, afirmou.
Emanuel Cancella é advogado e é o secretário-geral do Sindipetro, RJ. Começou a trabalhar na Petrobras em 1974 e, 15 anos depois, tornou-se dirigente do movimento sindical dos petroleiros. Foi também um dos fundadores da CUT no Rio de Janeiro.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A exploração do petróleo na camada pré-sal está na contramão da crise ecológica?
Emanuel Cancella – Não, porque a matriz energética mundial é o petróleo. No mundo inteiro, na matriz energética, a presença preponderante é a do petróleo. Nós brasileiros temos a possibilidade de inverter esta matriz. O Brasil é um país tropical, tem sol o ano inteiro, e o sol é a maior usina atômica do universo. Não utilizamos quase nada desta energia solar. Podemos aproveitar também mais a energia hidrelétrica que, assim como o sol, também é perene, é infinita. Temos a biomassa, que não se resume somente ao álcool da cana-de-açúcar. Temos ainda a mamona que já produz o biodiesel; o milho que não vamos usar, pois preferem usá-lo somente como alimento. A biomassa abre um espaço muito grande para que aumentemos a presença em uma crise energética. A descoberta do pré-sal não vem contra as orientações ecológicas, muito pelo contrário. O Brasil pode dar o exemplo para o mundo, usando o dinheiro do pré-sal para diminuir a influência do petróleo na nossa matriz energética.
IHU On-Line – Mas insistir no petróleo, uma matriz energética poluente, não é um contrassenso à crise climática que se agrava?
Emanuel Cancella – No mundo inteiro, a matriz energética é o petróleo. Ele é bastante poluente, é verdade, agride o meio ambiente, contribui para diminuir a camada de ozônio. Isto é um fato. O Brasil pode dar um passo muito importante e um exemplo para o mundo, diminuindo a presença do petróleo na crise energética. Mas, durante as próximas décadas, o petróleo vai continuar sendo a fonte de energia mais importante. É lamentável que o homem tenha nos colocado nesta dependência, isto não é um problema do Brasil, é um problema do mundo. Não podemos abrir mão do nosso petróleo para outras empresas multinacionais dizendo que com isso nós estamos defendendo o meio ambiente, na verdade nenhum país abre mão do seu petróleo. Nós podemos dar o exemplo diminuindo a importância do petróleo na nossa matriz.
IHU On-Line – Como o movimento social avalia a lei sobre o novo marco regulatório para exploração do petróleo na camada pré-sal proposta pelo governo?
Emanuel Cancella – O petróleo do pré-sal foi descoberto pela Petrobras, que desenvolveu uma tecnologia que não existia no planeta, investiu milhões de reais para isso. Levou algumas décadas para encontrá-lo, mas esse petróleo é do Brasil, está no nosso subsolo, nós entendemos que ele tem que ser todo do país. Como é dito no documentário que produzimos, descobrimos um tesouro no nosso terreno, e aí vamos chamar as empresas multinacionais? De forma figurada é, mais ou menos, isso. A proposta do governo é muito tímida. Propõe que a Petrobras fique só com 30% dos campos. Entendemos que a Petrobras deve ficar com 100%, pois o risco é zero na área do pré-sal.
IHU On-Line – Onde há concordância e discordância em relação a essa lei entre o movimento social?
Emanuel Cancella – A proposta do governo, apesar de ser tímida, avança sobre a lei do presidente Fernando Henrique que era uma lei privatizante. O governo avança de forma tímida, e nós do movimento social temos uma proposta. Nós protocolamos, no Congresso Nacional, a Lei 5891 de 2009, que é muito mais ampla que a do governo, que propõe à Petrobras 100% estatal, com gestão pública, a volta do monopólio estatal do petróleo, o fim dos leilões e revisões dos que já foram realizados e um fundo social soberano. Nossa proposta é muito mais avançada, pois ela diz que todo o petróleo do pré-sal seja do povo brasileiro. Não vamos fazer campanha contra a proposta de governo, vamos fazer uma campanha sobre o nosso projeto que coloca o petróleo do pré-sal a serviço da sociedade, para pagarmos a dívida que temos com nosso povo.
IHU On-Line – O senhor poderia explicar as diferenças entre o regime de partilha e o de concessão?
Emanuel Cancella – O governo vai chamar as multinacionais e partilhar com aqueles que tiverem a melhor proposta os lucros do pré-sal, isso seria a partilha. Esta seria a partir de uma proposta que as empresas fariam de uma oferta à união, do que eles dariam em contrapartida em determinada reunião, em determinado bloco petrolífero. Já a concessão é pior ainda, entrega os leilões, entrega totalmente as áreas, e o petróleo fica sendo, daquela empresa que o produz É a lei 9478, de 1997, do presidente Fernando Henrique, que tornam as empresas concessionárias proprietárias do petróleo do nosso subsolo. Isso era muito pior do que o governo está propondo.
IHU On-Line – Como você vê a proposta de exploração do pré-sal através do regime de partilha?
Emanuel Cancella – Nós vemos com muita tristeza. Nós achamos que não deve haver partilha. Não existe risco na área do pré-sal, o risco é zero. A Petrobras já provou isso quando perfurou na bacia de Santos, e em 100% dos furos encontraram óleo. Na bacia de Campos, 87% dos furos deram certo também. Por isso que a própria Petrobras diz que o risco no pré-sal é zero. A União mudou o marco regulatório, mas está mudando de forma tímida. Nós achamos que o interesse do povo brasileiro tem que ser mais prevalente nestas áreas, temos que garantir que este petróleo seja todo nosso para o investimento em políticas sociais para o nosso povo.
IHU On-Line – Por que o movimento social é contra a criação da Petrosal?
Emanuel Cancella – Nós vemos com clareza que foi a Petrobras que desenvolveu tecnologia para chegar até o pré-sal. A Petrobras levou três décadas, investiu bilhões de reais. Ela é uma empresa que tem uma história de êxitos, ganhou vários prêmios internacionais, e agora descobriu o pré-sal. O filho mais pródigo vai criar uma nova empresa para administrar essa área? Achamos que isso é um grande equívoco, pois não só esse petróleo deve ser nosso, como quem tem que administrá-lo, totalmente, é a Petrobras. Nossa preocupação é que agora essa nova empresa irá entregar o resto, pois vai colocar um corpo de funcionários que não têm nenhuma sensibilidade, nenhuma memória técnica na área de petróleo.
IHU On-Line – Durante a cerimônia de apresentação do novo marco regulatório do pré-sal, em Brasília, o movimento ambientalista abriu uma faixa com a frase “Pré-sal e poluição: não dá para falar de um sem falar no outro”. Como o senhor interpreta a crítica dos ambientalistas?
Emanuel Cancella – Temos que ter a preocupação ambiental. Também compartilhamos desta preocupação do Greenpeace. Mas essa faixa tem que ser aberta para a Shell, Repsol, Exxon Mobil, porque, infelizmente, a matriz energética no mundo é o petróleo e não existe petróleo sem poluição, sem morte, sem acidente. Na indústria do petróleo, por mais que trabalhemos para minimizar e nós do movimento social fazemos isso, é inevitável que isso aconteça. Achamos positivo que o Greenpeace tenha feito essa ação, para que haja mais investimentos na área de segurança e de meio ambiente. É inevitável. Petróleo, poluição e acidentes caminham lado a lado. Não existe uma coisa sem outra. Mas, nenhum país abre mão do petróleo por causa disso, isso é fato.
IHU On-Line – O senhor acredita que, de fato, o movimento social está atento à problemática da crise ecológica?
Emanuel Cancella – Com certeza. Basta olhar nossa pauta reivindicatória, nós estamos em campanha. Temos permanente cobrança à direção da empresa nas questões de segurança e meio ambiente. E isso não é de hoje. Essa nossa preocupação é permanente.
IHU On-Line – Quais são as propostas do movimento o ‘Petróleo é Nosso’ para enfrentar essa agenda?
Emanuel Cancella – Vamos realizar um seminário em Guararema, nos dias 25 e 26 de setembro. Reuniremos novamente as principais centrais sindicais, o MST, o Movimento dos Atingidos por Barragens, a Via Campesina. Vamos discutir a nossa campanha. Agora, entendemos que temos de fazer o lançamento público do nosso projeto da Lei 5891, de 2009, e começar a pressionar os parlamentares, denunciando aqueles que votam contra o interesse nacional. A nossa campanha, com certeza, irá se intensificar a partir deste seminário.
Fonte:IHU
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