terça-feira, 22 de setembro de 2009

HONDURAS - Os ineditismos hondurenhos.

Por Rodrigo de Almeida

O retorno de Manuel Zelaya a Tegucigalpa, com direito a firme posição da diplomacia brasileira e refúgio na Embaixada do Brasil na capital hondurenha, é mais um capítulo inédito de um enredo de ineditismos, segundo análise feita à coluna pelo sociólogo Emir Sader. Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), entusiasta dos governos de esquerda da América Latina (e de suas reformas) e, claro, crítico severo do golpe que removeu Zelaya, Sader enumera os traços incomuns das circunstâncias que o envolvem: um golpe nos moldes em que foi feito, a ausência de apoio dos EUA aos golpistas, a condenação internacional “absolutamente unânime”, a firme participação do Brasil e uma busca autônoma, pelos próprios sul-americanos, por uma saída para o impasse hondurenho.

De todos, destaco dois principais. Primeiro: um golpe em que a própria Suprema Corte rasga a Constituição, ao sacramentar uma remoção de um presidente acusado de violar a Carta ao aspirar à reeleição, mediante referendo popular (como se não existissem processos políticos regulares para um impedimento do presidente). Segundo: desde que foi proclamada a Doutrina Monre, em 1823, jamais um presidente norte-americano condenou um golpe militar na América Latina. De McKinley a Roosevelt, nenhum governo dos EUA, republicano ou democrata, deixou de prestigiar a direita, em especial a militar, em matéria de golpes. Exceção agora a Barack Obama, que ao condenar os opositores de Zelaya ajudou a fazer da pequena e economicamente inexpressiva Honduras um peão capaz de mover o tabuleiro do continente. Essa ajuda de Obama foi fundamental para a oposição da OEA e da ONU – não raro especialistas viram aí um grande fato, novo e alentador, deste início de século.

Mas convém ter prudência, alerta o sociólogo. Apesar das circunstâncias positivas, que abrem caminho para um considerável otimismo quanto à restauração da legitimidade governamental em Honduras, Emir Sader ainda enxerga uma enorme unidade entre as elites daquele país. “Não há apoio nem no Parlamento, nem na Justiça, nem entre os militares, para qualquer concessão”, sublinha. Não custa lembrar, por exemplo, que Zelaya havia aceito as propostas do mediador, o presidente da Costa Rica, mesmo que impedissem a retomada da proposta de convocação da Assembleia Constituinte – a origem do golpe. Mostrou disposição para a pacificação.

Emir Sader vê como perigo a decretação do estado de sítio em Honduras. E acha também que os golpistas têm conseguido tempo demais, instalados no poder, apesar da reação popular de apoio ao presidente deposto – “clara e maciça”, segundo suas palavras – e, sobretudo, às restrições econômicas. Leia-se: suspensão da venda subsidiada de petróleo venezuelano e acordos com o BID, entre outras medidas depois que Honduras saiu da OEA. É nesse ponto que as esperanças se renovam, segundo Emir Sader. Para ele, os golpistas e seus apoiadores sabem que o país não vai muito longe sem legitimidade internacional, tampouco com restrições de ordem econômica.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou ontem que o Brasil não teve qualquer interferência no retorno de Zelaya, mas disse esperar que isso signifique “um novo passo” nas negociações com o governo interino, liderado por Roberto Micheletti. “Zelaya chegou a Honduras por meios próprios”, ressaltou. Não há por que duvidar da declaração do chanceler brasileiro. Mas algum recado, ou alerta anterior, deve ter sido emitido pelo presidente deposto. E é legítimo que o governo brasileiro atue firmemente aí.

O Brasil, como toda a comunidade internacional, sabe que a firmeza de propósitos neste momento poderá garantir o fim de quase dois séculos de caudilhismo militar na América Latina. A nova realidade global não suporta manobras rupestres, mesmo nas mais infelizes repúblicas da América Central, tidas por conservadores como o quintal mais propício para hortas golpistas e militares. O termo banana republic, diga-se, foi criado justamente para identificar Honduras. Deu-se em 1904, pelo contista norte-americano O. Henry, em seu livro Cabbages and kings. Passado. Imaginar republiquetas hoje é só para conservadores empedernidos ou aqueles que padecem do eterno complexo de vira-latas.
Fonte:JB

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