Por Mauro Santayna
O primeiro discurso da história talvez tenha tratado da necessidade da paz; mas é possível que haja sido arenga bélica contra uma tribo vizinha. Normalmente o discurso guerreiro se justifica com a necessidade da paz e da defesa da honra, da mesma forma que nos chamados à paz podem ocultar-se propósitos agressivos. Isso ocorre quando os poderosos – e tantos são os exemplos – dizem aos menos poderosos que a paz se conquista com a obediência, e, sem ela, a força se imporá. Assim foi o famoso diálogo, em nome da paz, dos atenienses com os habitantes de Melo, em 416 a.C., para que renunciassem à neutralidade na Guerra do Peloponeso, e a eles se aliassem contra os espartanos. O encontro, narrado por Tucídides, é o exemplo clássico da prepotência de um lado, e da serenidade, do outro: os ilhéus se submetiam, ou seriam aniquilados. Eles resistiram. Vencidos, todos os homens foram mortos, e suas mulheres e crianças vendidos como escravos. Atenas, como tantos outros estados posteriores, fortaleceu-se com o sangue dos inocentes, mas perdeu a guerra. Os espartanos foram muito mais generosos com os vencidos, ao poupar os atenienses da anexação territorial.
O discurso de anteontem, do presidente Barack Obama, nas Nações Unidas, é um chamado à paz. É difícil nele encontrar um ponto que a negue – a não ser quando se trata do terrorismo, contra o qual conclama todos os povos. Devemos entender que é sempre bom manter um demônio escondido atrás do púlpito, até mesmo para destacar a necessidade do apoio dos anjos e santos. Os americanos – com suas razões – ainda sentem ecoar em seus ouvidos os estrondos do 11 de Setembro. Para satisfazer o orgulho ferido, e suportar o sacrifício dos que pereceram no atentado, não bastou o enforcamento de Saddam Hussein, mesmo porque o dirigente do Iraque nada tinha a ver com aquilo; é necessário agarrar Bin Laden, o grande inimigo, que em um dia, não muito distante, foi amigo. Na falta dele, que se agarrem seus sequazes.
Logo no início do pronunciamento, Obama marcou a diferença com o antecessor, ao afirmar que, em seu primeiro dia como presidente, proibiu, aos encarregados da segurança nacional dos Estados Unidos, militares e civis, o uso da tortura contra prisioneiros. Ao mesmo tempo relembrou seu compromisso de fechar a prisão de Guantánamo e de retirar, até agosto, as unidades combatentes norte-americanas que se encontram no Iraque. O centro de gravidade do discurso, no entanto, foi o enunciado dos quatro pilares de sua doutrina na Casa Branca: não proliferação das armas nucleares e sua paulatina eliminação; a promoção da paz e da segurança no mundo; a preservação do planeta; e uma economia global que amplie as oportunidades para todas as pessoas.
Obama voltou a um de seus reparos aos críticos dos Estados Unidos que, ao mesmo tempo em que verberam sua atuação unilateral nas questões internacionais, apelam, quando lhes interessa, para que o país atue com urgência. Nisso ele tem razão. Não são poucos os que apelam para a intervenção norte-americana e, em outras ocasiões, a condenam. O presidente afirma ser melhor que todos os povos dividam as responsabilidades na condução dos problemas que lhes são comuns.
O presidente, avalizado pela sua singular carreira, iniciada no serviço social em favor dos necessitados, parecia sincero ao citar as crianças do mundo, as principais vítimas não só das guerras como das hecatombes naturais, como as secas, além das epidemias e da fome – vítimas, enfim, da miséria e da desigualdade. Ao falar sobre a paz, Obama citou dois países de extrema fragilidade no mundo de hoje, Haiti e Timor Leste, que necessitam da solidariedade internacional. Sobre o problema do Oriente Médio, ao reafirmar a política de apoio à coexistência pacífica dos dois estados – Israel e a Palestina – e de criticar os ataques contra os judeus, ratificou sua oposição à política de assentamentos de colonos israelitas para além das linhas estabelecidas em 1967.
Foi um discurso que já se esperava. Mas, apesar de seus aspectos positivos, convém nele não colocar todos os créditos da esperança. Até mesmo no tom de conciliação, e na humildade do orador, proclamada no preâmbulo do discurso, há a insinuação de que os Estados Unidos pretendem manter sua posição de árbitro no mundo. Vamos esperar o que dirá a História.
Fonte:JB
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