César Benjamin (Folha de S.Paulo)
Usando parâmetros razoáveis para estimar a produção e o preço do petróleo e do gás, o engenheiro Paulo Metri avalia que as receitas a serem apropriadas pelo Estado nesse setor, graças à descoberta do pré-sal, poderão passar de US$ 9,6 bilhões em 2009 para US$ 182 bilhões em 2020. Mesmo sujeita à natural margem de erro, a projeção dá uma ideia do que está em jogo na regulamentação da matéria.
O projeto enviado pelo governo ao Congresso é muito melhor do que a legislação adotada na década de 1990. Mas repete o mesmo erro cometido no setor elétrico: sem coragem para propor uma mudança clara, busca um modelo híbrido, por isso muito complexo. Para explorar campos que ainda não conhecemos bem, propõe a criação de uma nova empresa sem capacidade operacional, a manutenção de leilões por blocos, a formação de dezenas de consórcios com diferentes composições e a participação de pelo menos seis instâncias governamentais no estabelecimento de regras e procedimentos.
É grande o risco de não dar certo, até mesmo porque a geologia submarina desconhece os blocos definidos pela ANP com linhas imaginárias traçadas na superfície do mar. Lá embaixo, os campos podem ser contínuos ou praticamente contínuos. Aqui em cima, todos os atores envolvidos são de grande porte e sabem se defender. Têm excelentes advogados. De quantos anos precisará a Justiça brasileira para se pronunciar, até a última instância, em casos de recursos repletos de tecnicalidades?
Se não tivéssemos petróleo em nosso território, ou se o tivéssemos em quantidades insuficientes, teríamos um grande problema. Se tivéssemos bastante petróleo, mas não capacidade técnico-financeira de explorá-lo, teríamos outro tipo de problema. Porém, se temos petróleo e capacidade, por que não buscamos a solução mais simples? Ela cabe em uma só frase: “Toda área ainda não licitada do pré-sal será entregue à Petrobrás, que repassará 85% da receita líquida para um Fundo Nacional com tal e tal destinação.”
Não tem a Petrobrás capacidade técnica e financeira para desempenhar a tarefa? Não foi ela que assumiu sozinha os riscos da etapa de pesquisa? Não está sob controle do governo, que por meio dela poderá planejar a extração e o uso desse recurso não renovável, levando em conta os interesses de longo prazo do Brasil?
Até aqui, o debate se concentrou na distribuição regional dos recursos, que me parece a parte mais fácil. Não há o que tergiversar: depois de deduzido um percentual suficiente para remunerar São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo por gastos adicionais em infraestrutura, proteção do meio ambiente e atividades afins, a renda do petróleo tem de pertencer à Nação como um todo.
A apropriação abusiva dos recursos não interessa nem mesmo aos estados que seriam supostamente beneficiados. No século XX, conhecemos os problemas da concentração espacial da industrialização, que aumentou de forma chocante as disparidades regionais e gerou intensos fluxos migratórios. No alerta que fez ao presidente Juscelino Kubitschek, no final da década de 1950, Celso Furtado advertia que o desequilíbrio entre as regiões poderia se tornar irreversível (“pois a desigualdade econômica, quando alcança certo ponto, se institucionaliza”) e que, a longo prazo, isso poderia colocar em risco a própria unidade nacional (“a maior conquista do nosso passado”). Sensível à argumentação de Furtado, JK deflagrou a Operação Nordeste, que foi incorporada ao Plano de Metas e veio a ser o embrião da Sudene.
Não devemos repetir o erro para depois tentar remediá-lo. Ao lidarmos com as receitas do pré-sal, precisamos pensar desde o início no Brasil como um todo.
Cesár Benjamin é jornalista e editor da Editora Contraponto.
Publicado originalmente: Folha de São Paulo (19/09/09)./AEPET.
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