sábado, 26 de setembro de 2009

OBAMA, O G20 E QUATRO DÓLARES NO BOLSO.

Blog do Sakamoto, por Leonardo Sakamoto

Nova Iorque - Carregar dinheiro no bolso é uma prática que não tenho. Na pressa de vir para cá, acabei esquecendo de sacar o necessário para gastos de viagem e, quando dei por mim, estava nos Estados Unidos com R$ 12,00 e sem poder retirar dinheiro do cartão. Se fosse na Espanha, teria sido deportado… Com a hospedagem e alguns custos já pagos, tive que improvisar. Um dia explico o que fiz – e talvez lance um guia de viagem para turistas brasileiros literalmente sem nada no bolo.

Na hora de fazer a troca, a simpática mocinha da casa de câmbio daqui perguntou por quantos dias eu ficaria. Diante da resposta, bateu de pronto: “Preciso alertar o senhor que Nova Iorque não é uma cidade barata. Creio que US$ 4 [descontadas taxas] não serão suficientes para quatro dias”. Falta substância à palavra “vergonha” para explicar o que senti.

No infortúnio, acabei ouvindo histórias de outros nativos que estão tendo que se virar com a pancada econômica global, cujo epicentro foi aqui em Nova Iorque. Histórias diferentes daquelas da Crise de 29, mas que também mostram que as coisas que sobem também descem.

Um funcionário do Departamento de Estado que nasceu na cidade de Pittsburgh contou-me a trajetória de ascensão e queda daquela que já teve o maior pólo siderúrgico produtor de aço do mundo. E, por conta disso, uma de suas cidades mais poluídas e esfumaçadas – a Cubatão deles. Hoje, a qualidade de vida da população melhorou com a saída de indústrias por conta da legislação ambiental mais severa mas, principalmente, pela concorrência com outras cidades e outros países, como o nosso. Portanto, o mercado de trabalho não é lá essas coisas, bem pelo contrário, pois mesmo as empresas de tecnologias que se instalaram na cidade não dão conta de absorver a mão-de-obra. Ou seja, um lugar que guarda em parte sua grandeza, mas vive a sombra do que já foi – mesmo que esse passado tenha sido construído de uma forma irracional, sem pensar no futuro.

Creio que não devo ser o primeiro e não serei o último a imaginar uma analogia entre a cidade que sedia o encontro do G20 (que irá substituir o G8 como o fórum principal de discussões econômicas internacionais) e a condição norte-americana neste início de século. O país começa a ter sua hegemonia questionada, o que não passa ainda pela cabeça do cidadão médio, mas já é uma preocupação entre os que mandam. Por conseguinte, estão sendo obrigados a se reinventarem. Conseguirão? Não sei, porque o consumismo estúpido e exagerado do American Way pof Life que torna o país insustentável, economica, social e ambientalmente, é, ao mesmo tempo, a força motriz que aquece a economia em outras partes do planeta. Ou seja, conseguiremos?

Nesse sentido, é interessante ver um presidente norte-americano falar de ações reais de sustentabilidade, mesmo que seja dentro dos apertados limites do cercadinho do capitalismo. Aliás, foi a primeira vez que assisti pessoalmente a um discurso de Barack Obama. E sim, na oratória, ele é realmente excepcional. Alguém vai me tacar uma pedra, mas dá para entender que duas pessoas carismáticas como ele e Lula se dêem bem. Mesmo que isso seja apenas pragmatismo político puro e comensalismo.

De qualquer forma, por mais salutar que seja o acréscimo de atores internacionais nesse jogo, as principais regras não devem mudar. Os processos de exploração do trabalhador, por exemplo, continuarão existindo, até porque ninguém está alterando o capitalismo. Os efeitos negativos da busca pelo lucro a todo o custo continuarão a ser sentidos em Pittsburgh ou Cubatão.

E principalmente entre as centenas de milhões que vivem com menos de um dólar por dia, não por acidente, mas sim por imposição.

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