É a primeira vez que os 7.542 livros da biblioteca particular do economista e ex-ministro Celso Furtado vão dividir o mesmo espaço. É que até hoje sua coleção estava dividida entre os endereços do Quartier Latin, em Paris, onde Furtado viveu por muitos anos, de Copacabana e do Alto da Boa Vista, no Rio. É uma coleção que começou a ser adquirida ainda nos anos 40 e só foi interrompida com a morte do economista, em 2004. A Biblioteca Celso Furtado será inaugurada amanhã no Centro Internacional de Políticas para o Desenvolvimento, que funciona no edifício-sede do BNDES, no Centro do Rio.
A reportagem é de Liana Melo e publicada pelo jornal O Globo, 24-09-2009.
Bibliófilo, Furtado nunca se caracterizou por colecionar livros raros, mas sua coleção reúne clássicos autografados pelo keynesiano John Kenneth Galbraith, o revolucionário cubano Fidel Castro, o economista brasileiro Eugenio Gudin e o argentino Raul Prebisch, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), além do historiador francês Fernand Braudel.
De obras de referência a histórias em quadrinhos
A biblioteca de Furtado tem obras sobre o Brasil, a América Latina e os estudos do desenvolvimento. Também é possível encontrar livros de Filosofia (num total de 424), História (chegam a 1.570) e até títulos pouco identificados com a vida e obra do autor, como história da moda (um total de cinco), psicanálise (38), culinária (nove) e até história em quadrinhos (quatro).
Sem falar nas obras de referência, como a “Encyclopedia of the Social Sciences”, um calhamaço de dez mil páginas escritas por 1.500 autores, de 1944. Merecem destaque as coleções de revistas acadêmicas ligadas às ciências sociais, como “El Trimestre Económico”, “Econômica Brasileira” (criada por Celso Furtado nos anos 50), “Desarrollo Económico”, “Revista de Economia Política”, “Revista de la Cepal”; os clássicos dos grandes economistas do século XX.
A produção intelectual do economista escrita nos 20 anos em que lecionou entre Paris, Cambridge, Yale, American e Columbia também está disponível. São livros e teses traduzidos em mais de uma dúzia de idiomas. Furtado era fluente em inglês, francês e espanhol.
Não seria exagero comparar a importância de sua obra para a economia latino-americana à de John Maynard Keynes para a economia mundial no século XX. Sua contribuição intelectual e seu compromisso histórico com a luta contra as desigualdades, sobretudo entre as economias centrais e as periféricas, transformaram seus livros em leitura praticamente obrigatória.
Doutor em Economia pela Sorbonne e cepalista de carteirinha, o economista foi ministro do Planejamento de João Goulart, nos anos 60, e depois, já na década de 80, ministro da Cultura de José Sarney. Entre suas realizações, está a criação da Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste) na década de 50.
— O sonho de Celso sempre foi disponibilizar para o público sua biblioteca particular, porque ele tinha uma enorme gratidão por ter estudado em escola pública, na Paraíba — lembra a viúva Rosa Freire d’Aguiar, herdeira do espólio intelectual de Furtado e que chegou a receber algumas propostas de venda do acervo.
— O maior temor dele era ver sua biblioteca ser vendida para terceiros.
Uma tonelada de livros vindos da França
Para realizar o sonho de Furtado, Rosa cortou um dobrado.
Não foi fácil trazer para o Brasil os dois mil livros que estavam no apartamento do casal em Paris. É que, apesar de pesarem uma tonelada, livros não costumam ser produtos lucrativos para as transportadoras francesas, que dão preferência aos móveis, por ocuparem mais espaço e, portanto, custarem mais caro.
Rosa agora está finalizando a videoteca, que também fará parte da biblioteca. O acervo reúne DVDs com entrevistas dadas por Furtado e filmagens de cursos e seminários realizados por ele aqui e lá fora.
Mesmo sendo aberta ao público amanhã, Rosa e três bibliotecárias, Maria Luiza Villela de Andrade, Vera Lucia Medina Coeli e Aline Balué, vão continuar catalogando e classificando o acervo do autor. A montagem da biblioteca vem ocorrendo desde 2007.
No momento estão sendo processadas revistas acadêmicas que não possuem artigos de ou sobre Celso Furtado (as que possuem já estão incorporadas ao catálogo on-line) e as obras de literatura.
Furtado chegou a pensar em ser romancista
— Celso era um rato de livrarias e sebos. Vivia comprando livros — comenta Rosa, lembrando que o economista sonhou na infância em ser romancista, mas acabou trocando a ficção pela racionalidade econômica.
Para ele, os três maiores gênios brasileiros seriam “Aleijadinho, Machado de Assis e Villa-Lobos, só porque foram profundamente brasileiros”. Foi com o pai que Furtado adquiriu a paixão pela leitura. Ainda na adolescência, o economista foi apresentado à obra de Sigmund Freud, por quem se apaixonou, e nunca mais parou de ler sobre psicanálise.
Além de leitor voraz, do tipo que não dispensava nem revista de celebridades na antessala de consultório médico, o economista também adorava escrever. Furtado sempre preferiu escrever textos teóricos ou então comentários sobre fatos históricos.
Esse material também estará disponível na biblioteca, mas, por enquanto, está armazenado em seis caixas.
O material será catalogado para fazer parte do acervo público de Furtado.
São textos escritos à mão, que só depois eram passados para a tela do computador.
Morto aos 84 anos vítima de um colapso cardíaco, a obra mais importante de Furtado, “Formação econômica do Brasil”, que completa este ano 50 anos de publicada, vai ganhar uma edição comemorativa.
Rosa está finalizando a edição, que vai chegar às livrarias recheada de comentários sobre a obra, artigos publicados em jornais sobre o livro e fotos.
Fonte:IHU
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