quinta-feira, 18 de março de 2010

ECONOMIA - FMI europeu?

A hipocrisia da Europa e o destino do malfadado FMI

O economista Paulo Nogueira Batista Júnior chamou a atenção hoje (18-3), na coluna que escreve às 5ª feiras no jornal “Folha de São Paulo”, para a hipocrisia implícita na atitude da cúpula da União Europeia em relação ao Fundo Monetário Internacional (FMI), esta relíquia macabra de Bretton Woods que, por sinal, é comandada pelas potências imperialistas do velho continente, em consórcio com os EUA.

Envolto numa crise fiscal generalizada e com a Grécia às portas da moratória, sufocada pela dívida externa, o bloco europeu rejeita com indignação a hipótese de recorrer aos préstimos do FMI, receita que gostam de impor aos mais pobres deste mundo vil.

“Que ironia! Quando nós, subdesenvolvidos, manifestávamos esse tipo de relutância, os europeus e outros nos criticavam severamente por falta de compromisso com as entidades multilaterais e resistência irracional ao FMI”, comentou Batista Júnior.

FORA DAQUI, FMI

O argumento dos europeus de que o monitoramento que acompanha os empréstimos do Fundo é inaceitável, pois significa abrir mão da soberania sobre a política econômica e deixar o euro sob os cuidados de um “comissário externo”, lembra a objeção levantada pelos críticos nos países mais pobres, onde os movimentos sociais empunharam a bandeira do “FORA DAQUI, FMI”, que as autoridades econômicas do velho continente estão arguindo agora.

Para evitar tamanha humilhação, debate-se a ideia de criação de um Fundo Monetário Europeu para socorrer países altamente endividados da região, fundo que naturalmente será dominado pela oligarquia financeira da Alemanha (se a proposta vingar). O episódio carrega muitas ironias e também é prenhe de lições.

A crise do capitalismo escancarou as contradições e limitações do projeto do bloco imperialista europeu e contribui para evidenciar o declínio (relativo, como ressalva Nogueira Júnior) das potências que o dominam. Não é o euro que desafia o dólar ou tende a substituí-lo no futuro, mas o renmínbe iuene da China.

A história caminha, as novas tecnologias imprimem maior velocidade aos acontecimentos e transfomam a vida numa metamorfose ambulante. Emergem novas realidades que alteram a correlação de forças no mundo e objetivamente colocam em questão a velha ordem capitalista que surgiu das cinzas da 2ª Guerra e se declarou eterna após o colapso da União Soviética. O comportamento dos imperialistas europeus mostra também o esgotamento, desmoralização e ruína das instituições de Bretton Wood. Para que servirá o FMI no futuro? Para receitar e impor suas receitas recessivas aos miseráveis do mundo, elegendo e discriminando seus condenados? Esses também têm o direito de procurar alternativas mais decentes para eventuais crises e muitos já estão fazendo isto.

A verdade é que com a decadência e lenta decomposição da Pax americana o FMI virou um cadáver insepulto. Há quem imagine que possa ser reformado e servir doravante a um sentido positivo. Há quem sonhe com isto. Mas é ilusão. Leia abaixo o artigo de Nogueira Júnior. (Umberto Martins)


Um Fundo Monetário Europeu?

Por que os europeus precisam criar um Fundo Monetário próprio, se já controlam amplamente o FMI?

Por Paulo Nogueira Batista Júnior (*)

POSSO DAR um "teco" nos europeus outra vez? Quem gostava de falar assim era o embaixador Álvaro Alencar, brilhante diplomata e querido amigo, já morto. O Itamaraty, aliás, publicou em 2009 um belo livro em sua homenagem: "Álvaro Alencar: Um Diplomata na Luta Contra o Subdesenvolvimento" (Fundação Alexandre Gusmão).

Mas volto aos europeus. Não sei se devo dar mais um "teco". Vários europeus estão me caçando a pauladas, feito ratazana prenhe. Não gostaram nada de artigos que publiquei recentemente na Folha e em "O Globo". Onde já se viu um subdesenvolvido ousar escrever sobre o declínio, ainda que relativo, da Europa? Os velhos instintos imperiais deram arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues.

O leitor provavelmente não sabe, mas hoje já não é possível ter uma conversa reservada, só com brasileiros, no idioma pátrio. Logo aparece algum estrangeiro para dar palpites os mais variados (baseando-se, o que é pior, em traduções parcialmente incorretas e até incompletas).
Por isso, antes de entrar no assunto, aviso amigavelmente a algum europeu que esteja por acaso extraviado nesta coluna: estou falando com o leitor brasileiro, só com ele. Quando quiser falar com estrangeiros, vou escrever em inglês e tentar publicar em algum jornal ou revista no exterior.

Bem. Os europeus não param quietos. A cada semana, uma novidade. A última: querem agora criar um "Fundo Monetário Europeu".

O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, manifestou-se mais de uma vez sobre o tema e publicou artigo no "Financial Times", na sexta-feira passada.

O ministro atraiu muita atenção, uma vez que a Alemanha é a maior economia da zona do euro.
Todo esse debate começou com o que Schäuble chama de "desastre orçamentário da Grécia". Pela primeira vez, os países da zona do euro estão plenamente engajados no monitoramento da política econômica de um país membro da união monetária, observa o ministro.

Schäuble reconhece que esse tem sido o papel do FMI em muitas crises. Mas, para ele, assim como para muitos europeus influentes, que um país da zona do euro bata às portas do Fundo é um desfecho inaceitável, ou muito difícil de aceitar. Lorenzo Smaghi, integrante da diretoria do Banco Central Europeu, declarou que a Grécia ir ao Fundo significaria colocar o euro sob administração de um "comissário externo".

Que ironia! Quando nós, subdesenvolvidos, manifestávamos esse tipo de relutância, os europeus e outros nos criticavam severamente por falta de compromisso com as entidades multilaterais e resistência irracional ao FMI.

Segundo Schäuble, os membros do euro deveriam ter acesso a ajuda de emergência proporcionada por um "Fundo Monetário Europeu", "o que evitaria que eles tivessem de recorrer ao FMI no futuro".

Não há consenso na Europa, nem mesmo na Alemanha, a respeito da proposta. A chanceler alemã, Angela Merkel, apoia a proposta, que ainda precisa ser detalhada.
O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, disse que ela merece ser examinada.

Porém um aspecto parece incompreensível: por que os europeus precisariam criar um Fundo Monetário próprio, se já controlam amplamente o FMI aqui em Washington, onde estão escandalosamente sobrerrepresentados?

* Economista, representante de um grupo de nove países no FMI (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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