Volto mais uma vez à discussão que tem predominado nesta fase de pré-campanha da eleição presidencial: a propaganda antecipada e os abusos da máquina pública para incensar as candidaturas. Tanto Dilma Rousseff, espécie de primeira-ministra do governo Lula, quanto José Serra, governador de São Paulo, aceleraram as inaugurações de obras, numa média aproximada de uma a cada dois dias. É uma briga de cachorro grande (ou de tucanos e outros animais políticos de porte). Ambos estão a bordo de poderosas máquinas: uma federal e outra do maior estado brasileiro, que concentra na prática 25% da votação nacional (considerando a menor taxa de abstenção e a maior proporção de votos válidos dos paulistas).
Curiosamente, da contenda e das acusações quase não participam aqueles que justamente seriam os mais prejudicados, os que não pilotam uma máquina pública turbinada, como os pré-candidatos Marina Silva (PV) e Ciro Gomes (PSB). A disputa não se dá pela chave possuídos/despossuídos ou motorizados/desmotorizados mas pelo confronto governo/oposição. São estes polos, pela maior força gravitacional, que organizam o conflito. O discurso do abuso do poder político virou peça de resistência do campo oposicionista, que espertamente age como se coitado fosse. E o governo, também espertamente, não perde tempo para aproveitar as chances que tem para associar Brasil afora a imagem de Dilma Rousseff à do presidente Lula.
Isso é que conta, muito mais do que o conteúdo e o valor duvidoso das obras, muitas inconclusas. Isso é que incomoda e tira o sono da oposição. No entanto, por mais que dê entrada em ações contra o governo na Justiça Eleitoral, tal esforço será um castigo de Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a rolar montanha acima enorme pedra e vê-la sempre descer ao chegar perto do cume. O esforço é vão. O problema está na legislação permissiva. Dilma poderá continuar – mesmo após sair do governo para ser, finalmente, apenas candidata – a acompanhar o presidente em seus compromissos. E Lula também poderá prestigiar sua apadrinhada em eventos, como qualquer cidadão brasileiro no exercício de seus direitos políticos. O problema, para a oposição, não está no uso da máquina pública mas na identificação Lula/Dilma, “o cara” e “a coroa”.
Esta associação, cada vez maior e inevitável, tem criado a noção de desequilíbrio no jogo e é o que atemoriza de fato a oposição, ao ver a subida galopante da ministra nas pesquisas de intenção de voto. O pesadelo é o apoio popular a Lula. Seu potencial de transferência de votos e a capacidade de aderência de Dilma para absorvê-los. Adaptando a máxima cunhada por James Carville, assessor de Bill Clinton na campanha de 1992: “É a popularidade de Lula, estúpido”.
As inaugurações contribuem, sim, para divulgar a imagem da ministra, apresentá-la às classes políticas locais e regionais; criar um belo acervo de imagens para a propaganda eleitoral na TV e, talvez mais importante, porém menos ressaltado, para Lula treinar sua candidata, sem traquejo de campanha, antes que a partida comece.
As críticas em torno das inaugurações são favorecidas por dois fatores conjunturais: de um lado, o hiperativismo do governo, alardeado pelo próprio presidente Lula, que anunciou em palanque que chegara a hora de bater bumbo; e, de outro lado, o suposto inativismo da oposição, diante da demora de Serra em assumir sua candidatura (embora sem perder tempo de também subir nos palanques para as inaugurações em São Paulo). Estes dois fatores contribuem para a noção geral de desequilíbrio.
Evidentemente, há os excessos dos competidores, e para isso existe o TSE. O fato de o tribunal, em decisões tomadas no mesmo dia, ter punido e absolvido Lula por propaganda antecipada foi criticado como contradição, incoerência. Mas não é preciso entender muito de direito para saber que cada caso é um caso, um em Minas Gerais, outro no Rio, em situações diferentes. A primeira não mereceu punição; a segunda, sim. Portanto, que se repreenda o presidente, que não está acima das leis. A Justiça Eleitoral tem suas falhas. Mas é preciso ter-se em conta que torná-la vilã pode se assemelhar muito ao comportamento do jogador que sempre põe a culpa no juiz quando o seu time está perdendo.
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