quinta-feira, 25 de março de 2010

O DESTINO E O DEVER.

Por Mauro Santayana

O presidente Marcos Vilaça, em seu discurso de abertura, e o orador oficial, Eduardo Portella, acentuaram, durante a homenagem que lhe prestou a Academia Brasileira de Letras, a funda consciência de responsabilidade que orientou a vida de Tancredo Neves. Aos dois elogios somou-se o retrato de Tancredo, na memória da família, com o agradecimento do governador Aécio Neves. O governador lembrou o leitor Tancredo Neves e, no exame de sua biblioteca, identificou-lhe os interesses culturais e compromissos com o humanismo. Marcos Vilaça lembrou ter folheado, na vasta biblioteca de Tancredo, o exemplar de Casa-Grande & Senzala, o clássico de Gilberto Freire, minuciosamente anotado pelo mineiro. “Fiquei tentado a levá-lo, a fim de oferecê-lo ao mestre”, comentou, à margem de seu forte discurso, provocando a reação bem humorada do auditório.

Eduardo Portella situou, com precisão, Tancredo como homem de doutrina própria, imune a seitas e a idolatrias. Ele via o mundo com seus olhos, e o sentia com a alma. Os autores que lia não o mudavam, serviam para confirmar suas próprias ideias e acrescentar-lhes novos fundamentos. Haurira o essencial de seu espírito em São João del Rei, com sua forte religiosidade e o arraigado sentimento de amor à liberdade. A fé, que expressava na devoção particular a São Francisco de Assis, endossava seu compromisso político com a justiça social.

Na visão de Portella, Tancredo não foi o liberal costumeiro, que se servisse do rótulo a fim de esconder a covardia ou dissimular o oportunismo, mas homem convencido de seu destino e dever. A conciliação, sinônimo de paz, não pode ser obtida com a injustiça – o que é comum no conluio dos corruptos – mas como processo para novos avanços da sociedade. Como Getulio, Juscelino e outros de seus contemporâneos, Tancredo foi homem de extrema coragem – coragem física, e não apenas moral, como testemunham vários episódios de que participou.

Assim, a leitura correta da ação política de Tancredo é que se tratava de um radical em seu projeto de soberania nacional e de igualdade entre os brasileiros e paciente construtor do entendimento. Essa interpretação foi confirmada no discurso de Aécio, ao lembrar que o sofrimento dos ferroviários e trabalhadores rurais de São João del Rei levara o jovem promotor público a disputar o cargo de vereador e a obter a maior votação da cidade – aos 24 anos.

O nacionalismo de Tancredo teve como fonte inspiradora o Primeiro Manifesto dos Mineiros, de julho de 1842, documento que ele reputava como a primeira advertência contra a submissão dos governantes nacionais aos interesses estrangeiros. Embora houvesse razões políticas laterais para que o imperador decidisse dissolver a Câmara, convocada para 1842, a mais importante era a disposição dos novos parlamentares em negar renovação ao Acordo Comercial com a Inglaterra, altamente lesivo aos interesses brasileiros. Havia fundada suspeita de que o chefe da facção áulica, Aureliano Coutinho, tivesse interesses pessoais nessa renovação, e aconselhasse o jovem imperador a buscar a composição de um Parlamento favorável ao acordo (o que acabou ocorrendo). O Manifesto, datado de São João del Rei, redigido por Teófilo Otoni e assinado por José Feliciano Pinto Coelho, acusava o governo de permitir que os estrangeiros ditassem suas leis em nossa própria casa. A referência era direta ao Tratado, oriundo do extorsivo convênio firmado em Londres pelo Marquês de Barbacena, logo depois da Independência.

Em seu discurso, Aécio lembrou as velhas afinidades históricas entre Pernambuco, Bahia e Minas. Houve uma continuidade na ideia de fazer-se a pátria nos três centros de formação da gente brasileira. O povoamento de Minas, ao contrário do que muitos pensam, deveu-se mais aos nordestinos e aos vindos de além-mar do que aos paulistas, que minguaram sua presença na região das Minas, a partir de 1708, com a rebelião dos Emboabas. Essa referência não deixa de atar-se à atualidade política, e foi ouvida com atenção pelo auditório intelectualmente qualificado que se reuniu na Academia Brasileira de Letras.

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