quarta-feira, 31 de março de 2010

POLÍTICA - Ainda há tempo para mudanças.

Por Mauro Santayana


Hoje é o último dia para que os ocupantes de cargos executivos, que não disputam a reeleição, se desincompatibilizem, se quiserem candidatar-se em outubro. É ainda muito cedo para que o pleito seja visto como decidido. É provável que esta manhã haja quem tenha, depois de consultado o travesseiro, resolvido não trocar o certo pelo duvidoso. A vida de um homem é uma sucessão de instantes, entre o primeiro e o último, e as grandes decisões, ainda que sejam longamente meditadas, são tomadas no último momento.

Estamos no último dia de março. As candidaturas postas deverão afrontar os tempestuosos tempos do outono e do inverno, com a guerra de dossiês, as acusações de lado a lado, a exasperação dos candidatos, sob o fogo impiedoso dos adversários. Coincidirão, esses meses, com o desenvolvimento de processos contra personalidades públicas nos tribunais superiores. Tudo isso alimentará o clima que antecede as convenções partidárias. Nada garante que esses encontros, órgãos de absoluta soberania, irão ratificar os nomes tidos como competidores definitivos. O aparecimento de candidaturas dissidentes é uma tradição no Brasil, e nem mesmo o governo militar foi capaz de impedi-las. É conhecida a rasteira que Paulo Maluf passou em Laudo Natel, na convenção estadual da Arena, em junho de 1978. O sistema militar, sob o comando do general Geisel, tinha horror a Maluf, porque ele vinha apostando na linha dura de Sílvio Frota. Geisel decidiu apoiar o ex-governador Laudo Natel, que governara o grande estado entre 1971 e 1975. Maluf visitou todos os delegados convencionais, um a um, e, na convenção da Arena, obteve 617 votos contra 589: a vitória foi apertada, mas Geisel se viu obrigado a engolir a derrota, em nome das próprias regras que o regime impusera. Na época, escrevendo para um jornal de São Paulo, resumi o assunto, dizendo que Maluf, sabendo que a convenção, dentro das circunstâncias antidemocráticas da época, era um assalto, assaltou o assalto. O fato lembrou aquelas cenas de faroeste antigas, quando um bando que assalta a diligência é cercado por outro, e perde o butim.

“Bater chapa” é uma tradição na vida partidária brasileira. Na convenção do PMDB, em 1989, o mais ilustre de seus líderes vivos, Ulysses Guimarães, não se sentiu diminuído com a decisão de Waldir Pires, Álvaro Dias e Íris Resende em disputar -lhe a indicação do PMDB à candidatura presidencial. Vencendo a convenção, com poucos votos de diferença, chamou Waldir a fim de compor a chapa como seu vice. Em São Paulo, em 1982, para assegurar a coesão partidária, Mário Covas desistiu da candidatura a vice, com Montoro, em favor de Orestes Quércia. Jânio Quadros venceu Juraci Magalhães, na convenção da UDN, em 1960. De certa forma, “bater chapa” é a manifestação de democracia no interior dos partidos políticos.

Não será surpresa se, durante as convenções estaduais e nacionais dos vários partidos, surgirem candidaturas de última hora. De acordo com a legislação e conforme os estatutos do partido, qualquer filiado, em dia com suas obrigações partidárias, e no gozo de seus direitos políticos, pode pleitear a indicação e dirigir-se aos delegados, apresentando seu programa e pedindo os votos. Quem obtiver a maioria, leva. E como é da tradição, cabe ao vencedor compor-se com os vencidos, para a reconstrução da unidade partidária. No passado, isso era comum, e não seria novidade em junho próximo. Passadas as convenções, e iniciada oficialmente a campanha, seria conveniente que a escolha não fosse plebiscitária. Um segundo turno é conveniente, a fim de que haja composições políticas capazes de matizar o resultado eleitoral, e assegurar o direito das minorias partidárias na medida do possível.

Um homem de jornal

Registro, com atraso, meu pesar pela morte de Armando Nogueira. Estive com ele poucas vezes, sempre por acaso, e não fomos além dos cumprimentos e de rápidos comentários sobre os assuntos do dia. Tivemos, no entanto, muitos amigos comuns, entre eles Araújo Neto, que me davam notícias de sua grandeza. Como era de hábito entre seus colegas de geração, admirava-lhe o estilo leve e sério, o texto correto, a elegante criatividade da frase, que coincidiam com a sua reconhecida dignidade pessoal.

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