sexta-feira, 26 de março de 2010

POLÍTICA - FHC, o eleitor indesejado.


Por Mauro Santayana

Segundo os jornais, o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi excluído da lista dos possíveis oradores no lançamento da candidatura do governador José Serra à Presidência da República, no dia 10. De acordo com as mesmas fontes, o outrora festejado líder, mais do que ajudar, poderá prejudicar o governador de São Paulo.

É provável certo exagero na informação. O ex-presidente continua a ser um homem elogiado por setores das elites econômicas, que nele veem o physique du role do estadista perfeito. É poliglota, visita universidades estrangeiras e circula com familiaridade pelos corredores da Sorbonne, de Oxford e Harvard, onde cruza, por acaso, com grandes mestres. Há quem defenda a ideia de que o intelectual paulista está acima da maioria da gente brasileira, despreparada para ouvi-lo e entendê-lo. Certa vez, acutilado pelo tédio, queixou-se de que somos um povo de caipiras.

Para lembrar o poema de Bilac, nem todos temos ouvidos capazes “de ouvir e entender estrelas”. Para ouvi-las, adverte o poeta, é preciso amá-las. Talvez não amemos o grande líder, como é devido, e por não amá-lo, não o entendamos. Não se compreende, por exemplo, que o grande intelectual se meta nas articulações de seu partido em busca de apoio, como fez recentemente, no caso do Distrito Federal. Podemos admitir que ele, em busca do minuto de televisão de um pequeno partido, tivesse pretendido ajudar. Mas, no critério de seus astutos companheiros de partido de São Paulo, esse adjutório pode surtir efeito contrário.

É natural – e humano – que o professor Fernando Henrique Cardoso não se desgarre da nostalgia do poder. Todos os que o experimentaram guardam do mando memórias agradáveis, como aquelas dos amores juvenis. Mandar é crescer sobre suas próprias dimensões, multiplicar-se na obediência que lhe prestam os outros, aumentar sua presença no mundo: é prelibar esse crescimento nas estátuas normalmente erguidas para ampliar, na posteridade, o espaço que o corpo ocupou em vida.

De vez em quando sua humana vaidade escorre pela língua, e ele se qualifica como um líder nacional. O problema é medir a real abrangência dessa liderança. Ela é normal em alguns círculos acadêmicos e no grupo que o acompanhou nos dois mandatos presidenciais. Provavelmente não tenha peso suficiente para inclinar a balança eleitoral em favor da candidatura da oposição ao presidente Lula.

O fato é que, nesta altura do processo sucessório, as duas candidaturas conhecidas ainda se encontram de velas quietas. Falta-lhes o vento do entusiasmo. A candidatura da ministra Dilma Rousseff se move sob o sopro presidencial, mas o barco ainda passeia em águas costeiras. Como sabem os veteranos, a viagem eleitoral começa para valer logo depois das convenções partidárias, nos 90 dias que antecedem a abertura das urnas. O mesmo ocorre com a caravela da oposição.

Mais do que a provável e subjetiva reação popular contra o ex-presidente, pesa-lhe a insistência em considerar o seu governo melhor do que o do sucessor. Milhões de brasileiros têm sólidas razões para se sentirem mais felizes hoje do que há oito anos. Isso não significa que o presidente Lula seja o messias enviado pelo Todo Poderoso para redimir a gente brasileira. Seu governo tem erros, mas – e isso é o que interessa – eles são de segunda importância em um confronto eleitoral. Assim, tanto Serra, quanto Aécio, sabem que negar acertos ao atual governo é bater-se contra a realidade, o que a razão política proíbe.

Pode ser que se trate de ingenuidade, mas há, quase tocável pelos dedos, a percepção de que, na atual campanha, de pouco valerão os efeitos especiais do palanque eletrônico. Os eleitores estarão de ouvidos mais atentos aos substantivos do que aos adjetivos; de olhos menos interessados nos efeitos plásticos do écran. Nos anos 60, Affonso Arinos de Mello Franco, filho, dizia, a propósito da oposição alienada, que, na visão da UDN, o povo comia habeas corpus. Hoje podemos dizer que tendo escapado, com Lula, da dieta do feijão com farinha, os pobres estão mais preparados para defender o que já conquistaram.

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