Do blog do EMIR SADER.
O esgotamento do ciclo longo expansivo do capitalismo do segundo pós-guerra permitiu o renascimento do liberalismo no plano econômico, com seu diagnóstico de que somente a desregulamentação da economia permitiría retomar seu crescimento. Foi um diagnóstico vencedor, diante do keynesanismo esgotado – e, com ele, a social democracia – e da ausência de uma interpretação anticapitalista que disputasse hegemonia com o novo modelo ascendente, que retomava com as tradições liberais no plano econômico.
Por outro lado, o fim da URSS e do campo socialista, permitiram recompor a vigência do liberalismo político, a partir das teorias do totalitarismo – que, partindo da polarização democracia/totalitarismo como a predominante para interpretar a história contemporânea, buscam amalgamar nessa categoria o nazismo e o socialismo soviético. O esquema formal da democracia liberal ganhou vezos de valor universal, tornando-se a própria definição de democracia, com seus canones gerais: eleições periódicas, separação dos poderes do Estado, pluralidade de partidos, imprensa “libre” – identificada com imprensa privada.
Essa ofensiva liberal – seja nas suas duplas dimensões, econômica e política, seja apenas numa delas – funcionou no campo teórico como um vendaval, arrasando as resistências keynesianas e, principalmente, no campo da esquerda. Como se, condenados ao capitalismo, fosse melhor optar por sua versão “democrática”, isto é, liberal, mesmo se esta estivesse acompanhada do ideário econômico neoliberal. Seria um anteparo de defesa contra as recaídas – consideradas estruturais – do socialismo em totalitarismos.
Uma analise fundamental de Perry Anderson demonstra como teóricos clássicos da radicalização da democracia e, em um caso, da fusao entre socialismo e liberalismo - como John Rawls, Habermas, Bobbio – terminaram defendendo as “guerras humanitárias”, como instrmento de imposição dos valores supostamente universais do liberalismo. (Nota: Anderson, Perry, “ Arms anr Rights: The Adjustable Center”, in Spectrum, Ed. Verso, Londres, 2005).
).
O eurocentrismo, ahora na versao yankee do “modo de vida norteamericano”, grassou por todos os quadrantes, conquistou ares de universalidade, arvorou-se no direito de invadir, destruir, ocupar, para impor seu modo de vida, como se fosse legitimado por um direito universal. (Terminada a URSS, Tony Blair reciclou a Otan para ser o bastiao dos “direitos humanos” no mundo, cunhando a expressao “guerras humanitarias”, nova bandeira dos impérios, espécies de “imperialimos humanitário” ou de “imperialismo dos direitos humanos” contra as periferias.)
O socialismo reduzido ao destino totalitário, o capitalismo a destino inexorável, democracia ficou reduzido a democracia liberal, sistema econômico a capitalismo. Despareceram essas especificações, com o socialismo desapareceu tambem sua antípoda – o capitalismo -, numa vitória das teses do “fim da história”. Tudo o que acontecesse se daria nos horizontes da democracia liberal e da economia de mercado, o resto seriam retrocessos e não avanços.
A força ideológica da direita vem do renascimento do liberalismo. Mesmo com o esgotamento do modelo neoliberal, sua expressão política parece sobreviver sem feridas, como se não tivessem relações umbilicais. A democracia reinstaurada no Brasil teve limites claramente liberais, que nao alteraram as relações de poder – da terra, do dinheiro, da mídia - herdadas da ditadura, a tal ponto que foi vítima indefesa das políticas neoliberais, de mercantalizacao absoluta da sociedade, às quais foi funcional.
Superar o modelo neoliberal supõe não apenas desenvolver um novo modelo econômico, mas um novo modelo político, que democratize profundamente as estruturas do Estado e adapte às necesidades de democratização profunda da nossa sociedade: da propriedade da terra, do capital financiero, da mídia, entre tantas outras esferas.
Superar o neoliberalismo, como objetivo urgente significa tambem apontar para a superação do liberalismo e do capitalismo. Criar um novo bloco social, político e cultural de forças em nível nacional, que hegemonize o processo de transformações antineoliberais, numa dinâmica de construção de novas formas de poder popular e de uma sociedade humanista, solidária, socialista.
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