Por Mauro Santayana
Ao examinar o problema da divisão dos royalties, o Senado provavelmente irá além da atualidade. É bom que examine a formação histórica e política do Brasil, desde a Colônia, e medite o esforço de todas as gerações seguidas a fim de conquistar o território, fixar-lhe as fronteiras e construir, a duras penas, a sua unidade política. Foi uma edificação difícil, muitas vezes argamassada com sangue, mas assegurada pela lucidez de grandes líderes políticos. Ainda nos debates da frustrada Assembleia Constituinte do Império Brasileiro, logo depois da Independência, contribuiu para a inteligência da hora o mais tarde senador Nicolau Vergueiro, ao contestar proposta de Carneiro da Cunha de que o Império se constituísse de “uma federação de províncias”. Naquele momento inaugural do Estado, essa divisão teria sido prematura: a Federação era necessária, e continua sendo necessária, mas o exemplo da América Espanhola estava muito próximo a sugerir a fragmentação do território entre pequenas repúblicas. A manutenção da integridade legada pelos portugueses era imprescindível em 1823.
A reivindicação federalista tinha a sua razão de ser, e já se expusera no projeto da Inconfidência Mineira, em 1789, e na Revolução Pernambucana de 1817. Meses depois da frustrada Constituinte, houve a tentativa da Confederação do Equador. Os movimentos autonomistas das províncias continuaram no Sul, em Minas e em São Paulo e novamente em Pernambuco, em 1848, com a Praieira. A dificuldade maior ocorreu no Rio Grande do Sul, pela sua situação geográfica, próxima dos vizinhos castelhanos e de sua influência republicana. A proclamação da República do Piratini constituiu, pela sua ousadia e circunstância, a grande ameaça à integridade territorial do país, mas a inteligência política dos dois lados assegurou a paz e a continuidade de nosso projeto nacional.
Ao extraordinário senso político de Caxias, a que se somava indesmentível patriotismo, devemos a contenção de tais movimentos sem o excesso da repressão, e o conselho político de que fossem rapidamente anistiados os seus responsáveis. A partir de 1836, as assembleias provinciais, que dispunham de razoável poder legislativo, puderam moderar o poder dos “presidentes” de províncias nomeados pelo governo imperial.
É preciso reconhecer a grande disparidade no desenvolvimento econômico e cultural entre as diversas regiões do país. O Norte, o Nordeste e parcela do Centro-Oeste se encontram a décadas de distância do avanço obtido nos estados do Sudeste e do Sul. Uma nação só se constrói com segurança e só pode garantir sua soberania quando trabalha para a igualdade de todos. Embora seja difícil, mesmo nos países mais adiantados, essa igualdade desejada – e necessária – o objetivo deve ser esse. No caso em questão, o exame mais sereno do problema deve levar à evidência de que os estados submetidos à extração dos recursos do subsolo, mesmo do que seja do subsolo marinho, devem ser ressarcidos dos danos ambientais, atuais e futuros, mediante participação maior. Mas, se os outros estados brasileiros, que não se encontram beneficiados pela natureza, ou que devam preservar seus recursos em benefício comum, não receberam ajuda compensatória dos mais ricos, a nação será sempre ameaçada em sua soberania. Impõe-se a solidariedade ou, mais cedo ou mais tarde, se esquarteja o país.
Foi – e continua sendo – um erro tratar do problema em ano eleitoral, o que eleva a paixão entre as partes e perturba o processo político. Por tudo isso é preciso que o Senado, que representa diretamente os estados, saiba tratar da questão tendo em vista o interesse maior do país, a sua unidade política, mas sem desprezar o pacto federativo. O Senado existe exatamente para negociar e dirimir os eventuais dissídios entre os estados-membros da União – embora muitos senadores não saibam o que fazem ali.
O melhor seria manter a situação como se encontrava, antes da decisão parlamentar, a fim de que se assegurem os direitos já adquiridos. Não se pode tirar de quem já obteve, mas é bom tratar da divisão justa no futuro.
A cada tempo basta o seu cuidado.
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