Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Uma leitura cuidadosa dos principais jornais brasileiros de circulação nacional mostra que há uma tendência da imprensa a desqualificar o programa Mais Médicos, pelo qual o governo federal procura suprir a falta de profissionais de saúde em bairros periféricos das grandes cidades e nos municípios distantes dos grandes centros.
De modo geral, o noticiário abre com informações aparentemente equidistantes da polêmica central sobre o assunto, mas a hierarquia das notícias e as escolhas das análises priorizam opiniões contrárias à iniciativa do governo.
Nas edições de sexta-feira (23/8), a exceção é a Folha de S. Paulo, que dá espaço para um artigo esclarecedor sobre a questão. No Estado de S. Paulo, o principal destaque vai para dados factuais, como o número de cidades paulistas que vão receber médicos selecionados na primeira fase do programa. Nesse texto está inserida a defesa do projeto, sem um destaque especial. As opiniões contrárias estão separadas em dois outros textos, um deles informando que as entidades representativas dos médicos brasileiros e partidos de oposição vão recorrer ao Ministério Público do Trabalho para impedir que se consolide a contratação de estrangeiros.
Abaixo da reportagem principal também é publicado o resultado de uma pesquisa que supostamente mostra que o programa Mais Médicos é rejeitado pela maioria da população. No entanto, esse texto peca pela falta de precisão e acuidade. Por exemplo, não informa de quem é a iniciativa da consulta, feita por um tal Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial (ICTQ). Também omite que o ICTQ é uma empresa de educação continuada que é apoiada pela indústria farmacêutica, oferecendo cursos para profissionais do setor.
A “pesquisa” é referendada por um dirigente do Conselho Federal de Medicina, que usa as informações para reforçar a campanha da entidade contra o programa do governo. Trata-se, portanto, de uma daquelas artimanhas do jornalismo segundo a qual um suposto dado objetivo, como o resultado de uma pesquisa, é apresentado como fato comprovador de uma opinião preexistente, omitindo-se do leitor o contexto que lhe permitiria relativizar a informação – no caso, o interesse específico da indústria farmacêutica.
A serviço das farmacêuticas
O Globo nem mesmo se dá ao trabalho de dissimular sua posição: abre a página explorando contradições entre integrantes do governo sobre o salário que os médicos cubanos irão efetivamente receber. No quadro em que o jornal costuma emitir sua opinião, fica claro que seus editores se alinham com o viés mais reacionário das entidades médicas: o texto afirma que “como existe um eixo Havana-Brasília, assentado em simpatias ideológicas, é preciso atenção redobrada na qualidade da prestação de serviço dos companheiros cubanos”.
Assim, em linguagem quase chula, o jornal carioca apoia a ideia de que os médicos cubanos estão sendo trazidos para fazer “pregação comunista”, como entende o presidente do Conselho Federal de Medicina.
A Folha de S. Paulo se destaca por abrir um pouco mais o leque de alternativas do leitor, informando na reportagem principal que o Ministério Público do Trabalho vai investigar as condições da contratação de médicos cubanos. Em outra página, também com destaque, publica a posição do governo brasileiro, manifestada pelo secretário nacional de Vigilância Sanitária e pelo ministro das Relações Exteriores. Há também um perfil dos médicos cubanos que já atuam no Brasil, material acompanhado por um infográfico que mostra a distribuição desses profissionais em todos os estados.
Mas o diferencial da Folha é uma análise produzida pelo jornalista Marcelo Leite (ver aqui), na qual ele observa que Cuba forma milhares de médicos por mês, “como produto de exportação”. O autor explica que o governo cubano montou uma verdadeira indústria de profissionais de saúde, a maioria deles com especialização em medicina preventiva. Esse seria o segredo principal das realizações do regime cubano na área da saúde, como uma taxa de mortalidade infantil inferior à dos Estados Unidos. A ilha comandada pelos irmãos Castro desde 1959 produziu a partir de então 124.789 médicos e se destaca pela prevenção de doenças, diz o articulista.
Esse é o ponto central da polêmica: ao trazer 4 mil médicos de Cuba, o governo brasileiro está sinalizando que sua estratégia para suprir as deficiência da saúde nos lugares mais pobres vai se basear no atendimento preventivo, que reduz sensivelmente os custos do sistema e diminui a dependência em relação às empresas do setor farmacêutico.
O articulista da Folha dá a pista de onde vêm os interesses contrários ao programa do governo, ao afirmar que “na medicina preventiva, sua especialidade, é possível que [os médicos cubanos] se revelem até mais eficientes que os do Brasil, cuja medicina tem outras prioridades”.
Some-se isso com aquilo e... bingo! O leitor já sabe a serviço de quem estão as entidades que se opõem ao programa Mais Médicos.
De modo geral, o noticiário abre com informações aparentemente equidistantes da polêmica central sobre o assunto, mas a hierarquia das notícias e as escolhas das análises priorizam opiniões contrárias à iniciativa do governo.
Nas edições de sexta-feira (23/8), a exceção é a Folha de S. Paulo, que dá espaço para um artigo esclarecedor sobre a questão. No Estado de S. Paulo, o principal destaque vai para dados factuais, como o número de cidades paulistas que vão receber médicos selecionados na primeira fase do programa. Nesse texto está inserida a defesa do projeto, sem um destaque especial. As opiniões contrárias estão separadas em dois outros textos, um deles informando que as entidades representativas dos médicos brasileiros e partidos de oposição vão recorrer ao Ministério Público do Trabalho para impedir que se consolide a contratação de estrangeiros.
Abaixo da reportagem principal também é publicado o resultado de uma pesquisa que supostamente mostra que o programa Mais Médicos é rejeitado pela maioria da população. No entanto, esse texto peca pela falta de precisão e acuidade. Por exemplo, não informa de quem é a iniciativa da consulta, feita por um tal Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial (ICTQ). Também omite que o ICTQ é uma empresa de educação continuada que é apoiada pela indústria farmacêutica, oferecendo cursos para profissionais do setor.
A “pesquisa” é referendada por um dirigente do Conselho Federal de Medicina, que usa as informações para reforçar a campanha da entidade contra o programa do governo. Trata-se, portanto, de uma daquelas artimanhas do jornalismo segundo a qual um suposto dado objetivo, como o resultado de uma pesquisa, é apresentado como fato comprovador de uma opinião preexistente, omitindo-se do leitor o contexto que lhe permitiria relativizar a informação – no caso, o interesse específico da indústria farmacêutica.
A serviço das farmacêuticas
O Globo nem mesmo se dá ao trabalho de dissimular sua posição: abre a página explorando contradições entre integrantes do governo sobre o salário que os médicos cubanos irão efetivamente receber. No quadro em que o jornal costuma emitir sua opinião, fica claro que seus editores se alinham com o viés mais reacionário das entidades médicas: o texto afirma que “como existe um eixo Havana-Brasília, assentado em simpatias ideológicas, é preciso atenção redobrada na qualidade da prestação de serviço dos companheiros cubanos”.
Assim, em linguagem quase chula, o jornal carioca apoia a ideia de que os médicos cubanos estão sendo trazidos para fazer “pregação comunista”, como entende o presidente do Conselho Federal de Medicina.
A Folha de S. Paulo se destaca por abrir um pouco mais o leque de alternativas do leitor, informando na reportagem principal que o Ministério Público do Trabalho vai investigar as condições da contratação de médicos cubanos. Em outra página, também com destaque, publica a posição do governo brasileiro, manifestada pelo secretário nacional de Vigilância Sanitária e pelo ministro das Relações Exteriores. Há também um perfil dos médicos cubanos que já atuam no Brasil, material acompanhado por um infográfico que mostra a distribuição desses profissionais em todos os estados.
Mas o diferencial da Folha é uma análise produzida pelo jornalista Marcelo Leite (ver aqui), na qual ele observa que Cuba forma milhares de médicos por mês, “como produto de exportação”. O autor explica que o governo cubano montou uma verdadeira indústria de profissionais de saúde, a maioria deles com especialização em medicina preventiva. Esse seria o segredo principal das realizações do regime cubano na área da saúde, como uma taxa de mortalidade infantil inferior à dos Estados Unidos. A ilha comandada pelos irmãos Castro desde 1959 produziu a partir de então 124.789 médicos e se destaca pela prevenção de doenças, diz o articulista.
Esse é o ponto central da polêmica: ao trazer 4 mil médicos de Cuba, o governo brasileiro está sinalizando que sua estratégia para suprir as deficiência da saúde nos lugares mais pobres vai se basear no atendimento preventivo, que reduz sensivelmente os custos do sistema e diminui a dependência em relação às empresas do setor farmacêutico.
O articulista da Folha dá a pista de onde vêm os interesses contrários ao programa do governo, ao afirmar que “na medicina preventiva, sua especialidade, é possível que [os médicos cubanos] se revelem até mais eficientes que os do Brasil, cuja medicina tem outras prioridades”.
Some-se isso com aquilo e... bingo! O leitor já sabe a serviço de quem estão as entidades que se opõem ao programa Mais Médicos.
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