Quem se importa com o lugar onde Edward Snowden vai morar?
O que vale é o que ele revelou — entre outras coisas, que não existe privacidade na Internet.
Publicado originalmente no Common Dreams.
POR JOHN NAUGHTON
Repita comigo: Edward Snowden não é a matéria. O que importa é o que ele revelou sobre a fiação escondida de nosso mundo em rede. Essa percepção parece ter escapado à maioria dos principais meios de comunicação por razões que me escapam, mas não teria surpreendido Evelyn Waugh, cujo desprezo dos jornalistas foi uma de suas poucas características cativantes. As explicações são óbvias: a ignorância incorrigível, o imperativo para personalizar histórias, ou a credulidade em engolir a enrolação do governo dos EUA, que rotula Snowden como um espião ao invés de um denunciante.
Então, como um serviço público, vamos resumir o que Snowden fez até agora.
Sem ele, nós não saberíamos como a National Security Agency (NSA, Agência de Segurança Nacional) foi capaz de acessar os emails, contas do Facebook e vídeos de cidadãos do mundo todo, ou como tinha secretamente adquirido os registros telefônicos de milhões de americanos, ou como, através de um tribunal secreto, tem subjugado nove empresas de internet às suas exigências para o acessar os dados de seus usuários.
Da mesma forma, sem Snowden, não estaríamos debatendo se o governo dos EUA deveria ter transformado a vigilância em um negócio privatizado enorme, oferecendo contratos para empresas privadas, como a Booz Allen Hamilton e, no processo, dando certificado de segurança de alto nível para milhares de pessoas que não deveriam tê-lo. Também não haveria – finalmente – um debate sério entre a Europa (excluindo o Reino Unido, que nestes assuntos é apenas uma franquia no exterior dos EUA) e os Estados Unidos sobre onde fica o equilíbrio entre liberdade e segurança.
Estes são resultados muito significativos e são apenas as primeiras conseqüências das atividades de Snowden. No entanto, temos sido alimentados com um fluxo constante de superficialidade jornalística – a especulação sobre os planos de viagem de Snowden, pedidos de asilo, o estado de espírito, aparência física etc O ângulo de “interesse humano” tem deixado de lado a história real, que é o que as revelações da NSA dizem sobre como nosso mundo em rede realmente funciona e a direção que ele está tomando.
Aqui estão algumas coisas que aprendemos até agora.
A primeira é que os dias da internet como uma rede verdadeiramente global estão contados. Sempre houve uma possibilidade de que o sistema acabaria por ser balcanizado, ou seja, dividido em um número de sub-redes geográficas em que determinadas sociedades, como China, Rússia, Irã e outros países islâmicos, decidiriam como controlar a comunicação entre seus cidadãos. Agora, a balcanização é uma certeza.
Em segundo lugar, a questão da governança da Internet está prestes a tornar-se muito controversa.
Em terceiro lugar, como Evgeny Morozov apontou, a “agenda da liberdade na internet” do governo Obama tem sido exposta como hipocrisia paternalista. “Hoje”, escreve ele, “a retórica da ‘liberdade na internet’ parece tão confiável como a ‘agenda da liberdade’ de George W. Bush depois de Abu Ghraib”.
Isso é tudo a nível do estado. Mas as revelações de Snowden também têm implicações para você e para mim.
Nenhuma empresa de internet é confiável no sentido de proteger a nossa privacidade ou nossos dados. O fato é que Google, Facebook, Yahoo, Amazon, Apple e Microsoft são componentes integrais do sistema de cyber-vigilância dos EUA. Nada, mas nada, do que é armazenado na sua “nuvem” está a salvo da vigilância ou de um download ilícito de funcionários das consultorias contratadas pela NSA.
E se você acha que isso soa como a fantasias paranóica de um colunista de jornal, então considere o que Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia, teve a dizer sobre o assunto recentemente. “Se as empresas ou governos pensam que podem ser espionados,” ela disse, “eles terão menos motivos para confiar na nuvem. Por que você iria pagar um provedor para guardar seus segredos se suspeita que eles estão sendo compartilhados contra a sua vontade?”
Assim, quando alguém propuser utilizar a Amazon ou o Google para guardar dados e documentos confidenciais de sua empresa, diga-lhe onde arquivar a proposta. No triturador.
Publicado originalmente no Common Dreams.
POR JOHN NAUGHTON
Repita comigo: Edward Snowden não é a matéria. O que importa é o que ele revelou sobre a fiação escondida de nosso mundo em rede. Essa percepção parece ter escapado à maioria dos principais meios de comunicação por razões que me escapam, mas não teria surpreendido Evelyn Waugh, cujo desprezo dos jornalistas foi uma de suas poucas características cativantes. As explicações são óbvias: a ignorância incorrigível, o imperativo para personalizar histórias, ou a credulidade em engolir a enrolação do governo dos EUA, que rotula Snowden como um espião ao invés de um denunciante.
Então, como um serviço público, vamos resumir o que Snowden fez até agora.
Sem ele, nós não saberíamos como a National Security Agency (NSA, Agência de Segurança Nacional) foi capaz de acessar os emails, contas do Facebook e vídeos de cidadãos do mundo todo, ou como tinha secretamente adquirido os registros telefônicos de milhões de americanos, ou como, através de um tribunal secreto, tem subjugado nove empresas de internet às suas exigências para o acessar os dados de seus usuários.
Da mesma forma, sem Snowden, não estaríamos debatendo se o governo dos EUA deveria ter transformado a vigilância em um negócio privatizado enorme, oferecendo contratos para empresas privadas, como a Booz Allen Hamilton e, no processo, dando certificado de segurança de alto nível para milhares de pessoas que não deveriam tê-lo. Também não haveria – finalmente – um debate sério entre a Europa (excluindo o Reino Unido, que nestes assuntos é apenas uma franquia no exterior dos EUA) e os Estados Unidos sobre onde fica o equilíbrio entre liberdade e segurança.
Estes são resultados muito significativos e são apenas as primeiras conseqüências das atividades de Snowden. No entanto, temos sido alimentados com um fluxo constante de superficialidade jornalística – a especulação sobre os planos de viagem de Snowden, pedidos de asilo, o estado de espírito, aparência física etc O ângulo de “interesse humano” tem deixado de lado a história real, que é o que as revelações da NSA dizem sobre como nosso mundo em rede realmente funciona e a direção que ele está tomando.
Aqui estão algumas coisas que aprendemos até agora.
A primeira é que os dias da internet como uma rede verdadeiramente global estão contados. Sempre houve uma possibilidade de que o sistema acabaria por ser balcanizado, ou seja, dividido em um número de sub-redes geográficas em que determinadas sociedades, como China, Rússia, Irã e outros países islâmicos, decidiriam como controlar a comunicação entre seus cidadãos. Agora, a balcanização é uma certeza.
Em segundo lugar, a questão da governança da Internet está prestes a tornar-se muito controversa.
Em terceiro lugar, como Evgeny Morozov apontou, a “agenda da liberdade na internet” do governo Obama tem sido exposta como hipocrisia paternalista. “Hoje”, escreve ele, “a retórica da ‘liberdade na internet’ parece tão confiável como a ‘agenda da liberdade’ de George W. Bush depois de Abu Ghraib”.
Isso é tudo a nível do estado. Mas as revelações de Snowden também têm implicações para você e para mim.
Nenhuma empresa de internet é confiável no sentido de proteger a nossa privacidade ou nossos dados. O fato é que Google, Facebook, Yahoo, Amazon, Apple e Microsoft são componentes integrais do sistema de cyber-vigilância dos EUA. Nada, mas nada, do que é armazenado na sua “nuvem” está a salvo da vigilância ou de um download ilícito de funcionários das consultorias contratadas pela NSA.
E se você acha que isso soa como a fantasias paranóica de um colunista de jornal, então considere o que Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia, teve a dizer sobre o assunto recentemente. “Se as empresas ou governos pensam que podem ser espionados,” ela disse, “eles terão menos motivos para confiar na nuvem. Por que você iria pagar um provedor para guardar seus segredos se suspeita que eles estão sendo compartilhados contra a sua vontade?”
Assim, quando alguém propuser utilizar a Amazon ou o Google para guardar dados e documentos confidenciais de sua empresa, diga-lhe onde arquivar a proposta. No triturador.
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