sábado, 30 de maio de 2015

POLÍTICA EXTERNA - "Ativa e altiva".



Política externa 'ativa e altiva' incomoda a mídia


Escrito por: Redação
Fonte: Barão de Itararé

Apontado por parte da esquerda brasileira como o responsável por uma verdadeira 'revolução' na diplomacia do país, Celso Amorim opina sobre os grandes meios de comunicação

Em palestra na noite desta quarta-feira (27), no centro de São Paulo, o ex-chanceler Celso Amorim fez um breve retrospecto de quando esteve à frente do Itamaraty e, mesmo em tom ameno, não poupou críticas à postura da mídia no período. “Quando um jornal inglês me chamou de 'o melhor diplomata do mundo', em referência a conquista brasileira em sediar a Olimpíada de 2016, um jornalista brasileiro me perguntou a razão do elogio”, relembra. “E eu respondi que era, provavelmente, porque eles não liam a mídia brasileira”.
 
O bate-papo, que ocorreu no Sindicato dos Jornalistas, promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé com o apoio do GRRI – Grupo de Reflexão em Relações Internacionais, também marcou o lançamento do novo livro de Amorim: Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva (editora Benvirá). A obra compila relatos, com riqueza de detalhes e bastidores, de importantes episódios diplomáticos vividos pelo então ministro das Relações Exteriores, durante a era Lula.
 
“Não me proponho a fazer nenhum tipo de ensaio sociológico sobre a mídia, mas ela é, sem dúvidas, uma das principais personagens desse novo livro – e de meus anteriores também”, pontua. “São coletâneas de crônicas das experiências que vivi. O livro é feito de notas que eu tomei ao longo desses episódios, coisa que eu fazia muito desde antes de Lula me anunciar como ministro”.
 
Apontado por parte da esquerda brasileira como o responsável por uma verdadeira 'revolução' na diplomacia do país, Amorim opina que os grandes meios de comunicação, atrelados ao poder econômico internacional, incomodavam-se bastante com essa postura 'ativa e altiva' – definição que, segundo ele, surgiu no momento de seu anúncio como ministro, por Lula.
 
Foto: Felipe Bianchi/Barão de ItararéFoto: Felipe Bianchi/Barão de Itararé“Não que nunca tivemos momentos positivos, mas havia sempre uma preocupação de o Brasil não aparecer demais. A instrução era para evitar atitudes de protagonismo e eu não via razão alguma nisso”, diz. “Se fossem assuntos de interesse nacional, por que não? Claro que tem de ser cauteloso na diplomacia, mas não se pode ver assombração a todo momento e, por isso, não levantar a sua voz. Tínhamos que estar presentes não apenas para responder à agenda do mundo, mas para fazê-la”.
 
Em relação ao livro, Amorim retoma a crítica à mídia. “A obra trata de três processos diplomáticos que evidenciam essa nossa ideia de política externa ativa e altiva”, explica. “Achei importante restabelecer os fatos tais como haviam ocorrido, pois a ignorância sobre eles era muito grande. Fui a lugares que obviamente deveria haver algum conhecimento sobre os temas e, pior que desconhecerem, as pessoas abraçavam a versão enviesada da imprensa de que o Brasil teria feito acordos obedecendo, temerariamente, a outros interesses e contra os Estados Unidos”.
 
O título da obra faz referência a três cidades emblemáticas. Capital do Irã, a cidade de Teerã remonta à viagem de Lula, Amorim e outros diplomatas, ao lado de líderes turcos, para uma tentativa de acordo na questão nuclear, solicitada pelo então recém-eleito presidente Barack Obama. Com a ausência do líder máximo estadunidense, vetado por motivos desconhecidos, o Brasil teria ficado sem sustenação, segundo a imprensa brasileira, que tratou o episódio como uma gafe. Entretanto, a reaproximação entre Irã e Estados Unidos acontece justamente a partir dos termos de acordo firmados pelos representantes brasileiros. Ramalá, embora pequena, remete à virtual capital do território palestino, distando a apenas 15km de Jerusalém. Doha, por fim, faz referência à tentativa de uma negociação global, na Organização Mundial do Comércio (OMC).
 
“Dávamos importância para o universalismo”, salienta Amorim. “Abrimos embaixadas na Coréia da Norte e no Irã, por exemplo. Depois de fazer um grande rebuliço, a mídia viu que também havia embaixadas de outros grandes países nesses lugares”, acrescenta, aos risos.
 
Com auditório lotado e cerca de 5 mil internautas acompanhando a transmissão da palestra em tempo real, feita pela TVT, Celso Amorim entrou em detalhes de diversos acontecimentos descritos no livro, como a espinhosa negociação – intermediada, principalmente, pelo Brasil – entre Irã e Estados Unidos sobre a questão do urânio enriquecido. “À época, em um encontro de Barack Obama e Lula na Itália, o mandatário estadunidense elogiou o Brasil como 'exemplo de país com energia nuclear para fins pacíficos' e disse ao presidente brasileiro: 'Preciso de amigos que falem com aqueles que eu não posso falar'”.
 
Ilustrando o protagonismo pretendido pela diplomacia brasileira, Amorim resgatou outro fato, dessa vez envolvendo a então secretária de Estado dos Estados Unidos. “Era manhã, eu ainda não havia saído de casa e recebo a mensagem de que Hillary Clinton precisava falar comigo 'agora, daqui uma hora ou quando eu pudesse'”, recorda. “Eles precisavam saber o quê e como deveriam dizer em tratativas com a Turquia”.
 
De volta ao tema Irã x EUA, Amorim lamenta o desfecho da negociação. “O que posso dizer é que, se tivesse sido aceito o acordo que arranjamos àquela época, teríamos poupados o povo iraniano de quatro anos de sanções e deixado o cenário muito melhor. Eles tinham 2 mil quilos de urânio enriquecido, hoje tem 10 mil e não se sabe como resolver”, avalia. “Podemos especular que tenha sido por divergências na Casa Branca, pelo calendário eleitoral estadunidense e, até mesmo, uma forma de boicote à participação de países em desenvolvimento nos assuntos da alta cúpula do Conselho de Segurança, historicamente dominado por países mais poderosos”.
 
Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva também trata da aproximação do Brasil com os países árabes, que culminou em diversas ações como o reconhecimento do Estado da Palestina, o envio de ajuda humanitária a Gaza e a retirada de 3 mil brasileiros de um Líbano beligerante. “Nessas épocas todas, a mídia falava: 'o que o Brasil tem a ver com isso? Por que vai se meter?'. Acabei de voltar de uma escola de governo em Harvard, nos Estados Unidos, e ouvi, de mais de uma pessoa, o comentário de que o Brasil pode e deve se envolver ainda mais”, salienta. “Não nos obcecamos com nossos objetivos só preocupados em afirmar a nossa liderança. Fizemos concessões a países pequenos e mais pobres. Isso resume as nossas ações”.

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