A divulgação seletiva de escândalos
Escrito por: Jeferson Miola*
Fonte: Rede Brasil Atual
A mídia dá a impressão de que o único grande escândalo de corrupção do país é o da Petrobrás. Cadê Zelotes? Cadê as contas secretas no HSBC? Cadê o metrô de SP?
Nos últimos tempos, a sociedade brasileira se defronta com grandes
escândalos de corrupção. Para citar alguns: os casos de propinas na
Petrobrás [Lava Jato], no Carf [Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais] do Ministério da Fazenda [Zelotes] e no metrô de SP; os
depósitos secretos em contas do Banco HSBC na Suíça etc.
Pelo noticiário, todavia, fica-se com a impressão de que existe somente
a Operação Lava Jato. Não bastasse esta seletividade, a notícia é ainda
recortada para vincular Dilma, Lula e o PT à gênese da corrupção no
Brasil.
É uma cobertura evidentemente anômala, por muitas razões. A começar
pelo fato óbvio de que é sabido que o escândalo da Petrobrás é apenas
um, dentre outros conhecidos, e que se assemelham no modus operandi:
alguns políticos de vários partidos, empresários e funcionários públicos
inescrupulosos formam quadrilhas para a prática criminosa.
Sabe-se também que a roubalheira da Petrobrás, que surrupiou cerca de 6
bilhões de reais da empresa, é pelo menos três vezes menor que a
sonegação fiscal praticada por empresas num esquema de corrupção que
atua sobre o Carf. O prejuízo do erário, segundo se estima
provisoriamente na Operação Zelotes, é de 19 bilhões de reais – quase um
terço dos cortes orçamentários anunciados pelo governo.
É compreensível o silêncio no noticiário. Afinal, se diz que entre os
envolvidos estão o império daquele mega-empresário siderúrgico que
ironicamente “ensina” a governos a magia da “eficiência e da
produtividade privada” [sic]; estão também empresas de comunicação,
bancos, banqueiros, conglomerados econômicos, grandes anunciantes, etc.
Seria difícil ao noticiário deixar de sonegar que alguns donos de
jornais, algumas celebridades e um punhado de empresários e banqueiros
sejam titulares das 7 mil contas no HSBC da Suíça que receberam
depósitos milionários – em muitos casos, sem comprovação da origem legal
da dinheirama.
No caso do metrô de SP, embora seja um esquema montado a mais de década
e que atinge a casa de bilhões em prejuízos, um noticiário acanhado dá
conta de uma apuração apartidária, despolitizada e que não criminaliza
agentes políticos, porque joga a culpa em funcionários públicos que
"agiam por conta própria”. Fosse o PT o partido no governo em SP durante
duas décadas, estaria assegurado o carnaval midiático massacrante.
Embora os implicados na Petrobrás sejam majoritariamente identificados
com os demais partidos [só o PP tem mais de 30 envolvidos], o noticiário
trata como "petrolão do PT" [sic]. No circo da investigação da Operação
Lava Jato, bandidos viram celebridades e ganham fé pública no
noticiário das 8 da noite. Nos casos da Zelotes, das contas-fantasmas no
HSBC, do metrô de SP, entretanto, não existe circo; porque existe
silêncio, quando não a ocultação.
Uma prova prática disso: quem pesquisar no Google notícias sobre estes
escândalos perceberá a abundância de registros diários sobre a
Petrobrás, porém registros esparsos e em quantidades infinitamente
menores dos demais escândalos.
Ante tal anomalia do noticiário, é fundamental que haja pressão pública
para que a mídia repercuta com isonomia, imparcialidade e isenção a
realidade brasileira – sem recortes e seletividade. A mídia tem exercido
este papel danoso à democracia porque lamentavelmente encontra em
setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário atores
políticos que instrumentalizam as investigações para, dependendo do
caso, criminalizar adversários ou proteger amigos.
Esta "midiatização justiceira" que perigosamente toma conta da arena
pública infundindo ódio, se não for revertida a tempo poderá legitimar
uma trajetória de regressão jurídica e democrática do país.
*Jeferson Miola é colunista do site Carta Maio
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