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Uma Frente popular pelo Brasil
Roberto Amaral
Adital
Nossa crise exige das esquerdas brasileiras o patrocínio e a
liderança de um imenso movimento de massa com o objetivo de enfrentar a
ascensão conservadora.
Como se houvéssemos descoberto a pólvora, políticos,
analistas, a academia – e as ruas – descobrem a existência, entre nós, de uma
articulação conservadora de nítida atração pelo pensamento e pela ação de
direita, em termos até então ignorados, ignorados desde os tristes idos de
1963/64. Como nada no mundo, esse fenômeno não é obra nem de Deus nem do diabo.
O avanço, igualmente orgânico e ideológico, da direita, decorre, fundamentalmente, da crise do pensamento e da ação de esquerda. Fenômeno comum à Europa ocidental, chega até nós com anos de atraso, desmentindo a ilusão de que a América Latina seria eternamente uma ilha (do ponto de vista político) progressista, contrastando com o avanço das forças conservadores no velho mundo. Lá, a crise da política em geral trouxe consigo a crise da socialdemocracia (que transitou para a direita) exatamente e estranhamente no momento em que o fracasso do neoliberalismo impõe a recessão econômica e seu filho dileto, o desemprego.
Já antes, ainda atingidos pelos escombros do Muro de Berlim
(pesou a carga simbólica) ruíram os partidos comunistas, a começar pelo grande
partido de massas que era o PCI de Gramsci e Togliatti. O fracasso dos
comunistas e socialdemocratas abriu espaço para a emergência e avanço de
figuras que transitam do burlesco ao trágico, como simbolizam Berlusconi,
Sarkozy e Marie Le Pen, ao lado do conservadorismo de Cameron e Angela Merkel,
cujas lideranças foram recentemente confirmadas nas urnas. Aqui o quadro é
similar, com o Partido Comunista Brasileiro transformando-se em sua
contrafação, o PPS, e o PSDB renunciando à socialdemocracia para transformar-se
naquilo que o DEM não conseguira: ser o primeiro grande partido da direita
brasileira. As eleições de 2014 já se realizaram sob esse signo.
A crise da esquerda brasileira, assim, não é nova, nem
nasceu com a crise do PT de hoje, que apenas a agudizou. Após 40 anos de
ascensão continuada e conquistas eleitorais (dentre as quais por quatro vezes
seguidas conquistando a Presidência da República) o campo da esquerda (onde,
evidentemente, nem todo mundo é de esquerda) se vê ameaçado de ceder posições.
Depois de 1974, com a vitória eleitoral do MDB que começou a desestabilizar a
ditadura, seguiram-se a luta pela Anistia, a campanha pelas Diretas-Já e,
culminância, a derrota da ditadura no colégio eleitoral. Nesses momentos,
forças progressistas, liderando setores liberais avançados, empurraram a
direita para trás. Quando se inicia o quarto período de governo de
centro-esquerda, a reversão desse processo é inquietante.
Antes, as esquerdas brasileiras, assim mesmo no plural,
esquecidas do dever da reflexão, haviam seguido acriticamente o comando do PT,
o partido hegemônico do campo, que, a partir de 2002, optara pelo pragmatismo
eleitoral que levaria todos à vitória eleitoral. No governo, porém, essas forças,
despreparadas do ponto de vista ideológico, cobrariam a abdicação de certos
princípios programáticos, e as forças destinadas historicamente à renovação
terminaram por adotar como suas as práticas conservadoras sempre rejeitadas
pela esquerda. A crise de valores foi fatal e suas consequências são de domínio
público.
A reflexão sem prática é inócua, dizem os ativistas (em
férias), esquecidos de que a práxis sem reflexão leva ora à ‘doença infantil do
esquerdismo’, ora ao voluntarismo, ora, como agora, à anomia. As esquerdas
também erraram quando não se prepararam para exercer um governo de
centro-esquerda em país capitalista, de formação autoritária, sabidamente
conservador. E, por haver perdido o hábito da reflexão, não compreenderam a
realidade na qual foram chamadas a atuar, braços dados com uma base parlamentar
conservadora. E, desconhecendo a realidade, ficaram sem condições de
estabelecer sua própria estratégia. Condenaram-se, assim, a ser governadas pelo
adversário.
Despreparados estrategicamente, PT e seus aliados governaram
segundo o modelo tradicional-conservador. Diante da emergência reacionária, os
partidos estão hoje atônitos, sem resposta política, sem formulação, sem ação.
Não falam e não agem, por não saberem o que dizer e o que fazer, após haverem,
coletivamente, renunciado ao enfrentamento ideológico.
Cabe ao PT, após a autocrítica que ainda não fez, não só
proceder à (auto)revisão (política, ideológica e orgânica), mas,
fundamentalmente e de forma urgente, construir uma estratégia de ação, e
construir um programa que fale ao Brasil de hoje. Mas esse ‘programa’ não pode
ser um mero discurso: a sociedade aguarda atos e fatos. Trata-se de
refundar-se, no que esta expressão encerra de mais radical. No caso das
esquerdas, o imperativo é a revisão de nossos paradigmas, rever-se política e
ideologicamente, rever-se do ponto de vista orgânico, rever a práxis. Voltar a
pensar e formular. Precisamos voltar a falar com o povo, os trabalhadores e os
estudantes. Ter discurso e atos audíveis e visíveis não apenas pelos nossos
militantes. É preciso romper o casulo para o qual refluímos.
A análise da crise só se consolida se enseja uma alternativa
A forças populares, no Brasil e no mundo, têm a tradição dos
movimentos de frente política, com fins eleitorais ou não. Foi uma frente
popular, integrada por trabalhadores, estudantes, intelectuais e militares, que
fez no Brasil a vitoriosa luta pelo ‘petróleo é nosso’. Foi uma frente
democrática, unindo esquerda e liberais, que derrubou o ‘Estado Novo’. Foi a
frente política de todos os adversários da ditadura que nos legou a
redemocratização.
Nossa crise – da democracia representativa, do
presidencialismo como tal e do presidencialismo de coalizão de forma
específica, crise da democracia ameaçada, crise da institucionalidade em face
das seguidas ameaças ao pronunciamento da soberania popular em 2014 – exige das
esquerdas brasileiras o patrocínio e a liderança de um imenso movimento de
massa com o objetivo de enfrentar a ascensão conservadora e promover reformas
políticas profundas, que nossos governos não tiveram forças para sequer
intentar, e por isso mesmo o Estado de hoje é o mesmo de 2002 e a coalizão de
forças permanece adversa.
Essa grande mobilização exige a formação de uma Frente, não
só de partidos, mas, nucleadas ou não por partidos, seja fundamentalmente um
frente popular, nascida das organizações de massa da sociedade civil, e
nacional porque uma vez mais se coloca como prioridade a defesa do país.
Precisamos de uma frente nacional popular, na qual os partidos do campo da
esquerda terão acolhimento, mas lado a lado do movimento social, dos sindicatos
e dos trabalhadores e assalariados de um modo geral, do movimento estudantil,
de políticos com ou sem vinculação partidária, de intelectuais e pensadores, de
liberais e democratas progressistas, de todos aqueles que, enfim, entendam como
chegada a hora de lutar: 1) pela democracia no seu significado mais amplo, nele
entendida como peça destacada a democracia dos meios de comunicação; 2) pela
defesa da soberania nacional como pilar de qualquer programa politico; 3) pelo
fim de todas as desigualdades e discriminações; 4) pela defesa e aprofundamento
dos direitos dos trabalhadores e assalariados de um modo geral; e, corolário,
4) lutar pela retomada do desenvolvimento com distribuição de renda.
Resta-nos a esperança de que se firmem reações, como o
Podemos espanhol e o vitorioso Syriza grego, mas se impõe lutar firmemente para
que seus influxos cheguem até nós.
Fonte: Blog do autor
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