O macaco Obama
Autor: José Augusto Ribeiro
Barack Obama já é um Presidente no
fim de seu segundo mandato, que terminará no início de 2016, não pode
mais ser candidato a coisa alguma nos Estados Unidos, não tem maioria no
Congresso e não conseguiu cumprir a maior parte de suas promessas, nem
mesmo a de fechar a infame prisão de Guantánamo, onde os presos não
têm direito sequer ao habeas corpus (como, aliás, no Brasil do AI-5).
Apesar disso, continua incomodando.
Noticia-se agora que ele tem recebido
pelo twitter mensagens insultuosas, rancorosas e ameaçadoras. No mínimo
tentam ofendê-lo chamando-o de negro, o que ele, sem dúvida, tem orgulho
de ser, e houve quem o chamasse de macaco e quem lhe mandasse um
desenho que pretende ser o dele na forca, com uma legenda que em
português significaria mais ou menos “precisa-se de corda”, embora o
boneco do desenho apareça com a corda no pescoço.
Isso acontece logo depois da morte a
tiros de vários negros por agentes de polícia, um dos quais, no Sul, foi
liminarmente absolvido por um grand jury, o júri preliminar que deveria
indiciá-lo e mandá-lo a julgamento pelo júri regular (e outro, agora,
em Cleveland, no Norte). E logo depois, também, da decisão de Obama de
entender-se com Cuba, reconhecendo finalmente que o regime de Fidel e
Raul Castro não constitui hoje o menor perigo para os Estados Unidos e
para a civilização ocidental e cristã (da qual, aliás, não se fala mais,
já há bom tempo).
Isso também acontece pouco antes da
visita do Papa Francisco aos Estados Unidos, onde conversará com Obama,
será recebido pelo Congresso e falará, o primeiro Papa a fazer isso, na
assembleia-geral da ONU. O Papa, por sinal, acaba de receber no Vaticano
o Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, a quem
saudou como o “anjo da paz”, ao mesmo tempo que o Vaticano, em documento
oficial, referia-se expressamente ao Estado Palestino e apoiava a ideia
conhecida como a dos “dois Estados”, Israel e a Palestina. Na viagem
aos Estados Unidos, o Papa fará escala em Cuba, para novo encontro com
Raul Castro, que há pouco esteve com ele no Vaticano e saiu de lá
encantado e dizendo que pode voltar a ser católico se o Papa continuar
dizendo as coisas que diz.
Nos bolsões que os americanos chamam de
lunatic fringe (franja lunática) de sua extrema direita, a combinação
desses encontros, os já havidos e os vindouros, deve provocar uma reação
das mais paranoicas: a certeza de estar surgindo no mundo um novo Eixo
do Mal, agora formado pela aliança Franciso-Obama-Raul e Fidel
Castro-Mahmoud Abbas. Já que Abbas e os palestinos são muçulmanos, essa
aliança deve estar mancomunada com os terroristas do Estado Islâmico.
Não por acaso o Papa Francisco é odiado,
com virulência assassina, pela franja lunática de uma extrema direita
que se pretende cristã. Uma biografia sua publicada no ano passado
informava que ele prefere fazer as refeições no bandejão dos
funcionários do Vaticano. Esse é um hábito simpático e democrático, mas
mesmo que o Papa não tenha pensado nisso, no bandejão será mais difícil
algum aloprado ceder à tentação de pôr em prática, por envenenamento,
sugestões já enunciadas publicamente de que alguém precisa dar um jeito
nas extravagâncias de Sua Santidade.
Sei que estou exagerando, mas o
irracionalismo extremado é capaz de delírios como esse - e até mais
dementes. Na década de 1950, por exemplo, um grupo norte-americano de
extrema direita denunciou como perigosa arma da conspiração comunista
internacional os programas de fluoretação da água então iniciados nos
Estados Unidos.
Voltando a Obama, não é por acaso que
implicam com ele. Derrotado nas eleições de novembro passado, que deram
aos republicanos grande maioria no Congresso, e, entre os republicanos,
asseguraram a hegemonia aos mais conservadores e reacionários, os
inimigos imaginaram que ele estava definitivamente acabado e se tornava
um Presidente lame duck, como se diz no jornalismo político dos Estados
Unidos (literalmente, “pato manco”, ou seja, um bicho impotente e
inofensivo. Obama, porém, foi bom aluno de Direito Constitucional (do
brasileiro Roberto Mangabeira Unger, em Harvard), conhece exatamente o
alcance das prerrogativas presidenciais que não dependem do Congresso e
resolveu usá-las desassombradamente no ano e tanto que ainda tem de
mandato. Não podendo acabar unilateralmente com o bloqueio econômico a
Cuba, que depende de um Congresso cada vez mais refratário a suas
propostas, Obama partiu para a normalização das relações diplomáticas
com o governo cubano, aproveitando a iniciativa do Papa Francisco.
Agora que não tem mais nenhuma eleição
pela frente, na qual sua política poderia prejudicar o Partido
Democrata, Obama deve estar à espera de uma boa oportunidade para fechar
a prisão de Guantánamo, não em homenagem a Fidel e Raul Castro, mas em
respeito à Constituição dos Estados Unidos, que exige a observância do
princípio do devido processo legal em todos os procedimentos criminais,
princípios que começam pelo direito ao habeas corpus. Nesse caso, o
obstáculo não é o Congresso, mas a opinião pública, amedrontada desde o
atentado às Torres Gêmeas e agora intimidada pelos avanços e atentados
do Estado Islâmico.
Os fatos já produzidos e a expectativa
dos que ainda venha a produzir alimentam a onda anti-Obama. A virulência
dessa onda, porém, é resultado, ainda, do arrastão neoliberal, do
pensamento único e do conservadorismo retrógrado que dominam a sociedade
americana.
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