Intentona conservadora: indignação ou medo da mudança?
Quem são os barulhentos manifestantes
que protestam pelas ruas, varandas e redes virtuais brasileiras em
2015? Defendem que tipo de Estado? Qual seu grau de politização? Como se
informam sobre o que está acontecendo no Brasil? O que pensam sobre a desigualdade social no Brasil? Defendem políticas afirmativas? Qual sua visão sobre o “Bolsa Família”? Advogam a favor da criação de um imposto sobre grandes fortunas, reforma tributária que elimine a regressividade da carga tributária brasileira?
São partidários da reforma agrária? O que pensam sobre as ciclofaixas e
faixas exclusivas para ônibus, no Brasil e no exterior? Como se
posicionam acerca da união civil homoafetiva? Qual seu parecer sobre a
regulação da imprensa? Possuem alguma posição a respeito da reforma política?
Não é difícil perceber que as respostas para cada uma dessas perguntas nos permitirão traçar um perfil conservador. São avessos a reformas estruturais, tanto na economia, quanto na sociedade. Estão indignados, mas sua indignação seleciona seus alvos. Defendem a alternância no poder, mas, descaradamente, mantém os tucanos no poder em São Paulo há duas décadas – e essa afirmação pode ser comprovada com base nas pesquisas feitas nas manifestações de ruas, em que a grande maioria declarou voto nesse partido, mesmo que tenham suas ressalvas. Assim, o discurso de ódio propagado por parte da imprensa encontra terreno fértil entre essas pessoas.
De acordo com relatos, não foram poucos os episódios de desrespeito e intolerância presenciados nas passeatas que ocorreram em diversas cidades brasileiras neste ano. Há aqui um caldo de cultura perigoso, que flerta com o fascismo. Embora possamos traçar diferenças com as jornadas de junho de 2013, principalmente na sua origem, os “apolíticos” que tomaram conta daquele movimento e gritavam “sem bandeiras” e rejeitavam (muitas vezes violentamente) os militantes dos partidos de esquerda, voltaram com força, agora mais homogêneos, já que sem a presença de grupos identificados com as esquerdas – se naquela época, bandeiras e referências partidárias eram rechaçadas, hoje, qualquer camiseta vermelha torna o cidadão passível de ser agredido. Aqueles que foram aos estádios para cantar o hino nacional e em seguida ofender a presidenta da República diante do mundo descobriram que também podem ir às ruas; diante disso corremos o risco de ver a barbárie se instalar perigosamente em nossa sociedade.
Não raro, quando expomos nossas vozes ou nos exprimimos, por qualquer meio, ponderando o perigo do maniqueísmo e da disseminação de ódio, dialogando com a história de nosso próprio país, somos acusados, entre outras coisas, de sermos cegos aos fatos que abnegadamente tentam nos mostrar. Rebatidos, no campo individual, longe das turbas raivosas que descontam todas as suas frustrações na figura de uma pessoa, de um partido, ou de uma comunidade específica, dizem-se a favor do diálogo.
Mas como dialogar com um grupo que considera necessário combater os que pensam distintamente e que possuem outras visões de mundo? Que inferioriza o diferente? Que vocifera contra a legalização e formalização de direitos trabalhistas de empregadas domésticas, que vê na inclusão de toda ordem um mal e destila ódio e animosidade quando vê que perdeu sua (quase) exclusividade no uso de aeroportos? O que leva alguém a se indignar com programas de erradicação à pobreza, programas de inclusão nas universidades, programas que levam médicos a lugares carentes e aos rincões do país? Programas que tem sua iniciativa e execução elogiados (e até copiados) por toda parte, de países em desenvolvimento aos desenvolvidos? Quando são acusados de disseminarem o ódio, dizem que é indignação. Mas essa mesma indignação nos casos (e não são poucos) de corrupção envolvendo outros partidos que não o da presidenta e do seu criador e ex-presidente? Contra a corrupção sistemática no(s) Estado(s) brasileiro, a estrutura viciada da nossa administração pública, os nossos legislativos e judiciários? Da imensa sonegação de impostos colocada em prática por empresas privadas do país? Dos repetidos casos de trabalho escravo flagrado nas indústrias, nas grandes fazendas?
É preciso cuidado para que não se transforme em hegemonia a ideia de que o povo seja apenas uma agregação qualquer de homens ou uma sociedade mantida junta, com algum vínculo jurídico. Precisamos ir além disso, necessitamos de uma sociedade com relações mais humanas, que priorize a convivência em harmonia, recheada de empatia, e para isso é essencial que as disparidades e distorções produzidas por séculos sejam atacadas.
Desigualdade só se combate tratando os desiguais na medida de sua desigualdade. É pouco compreensível que aqueles que mais possuam, se incomodem ao ver ascender aqueles que, historicamente, pouco tiveram; é pouco aceitável que desconheçam, ou ignorem, propositalmente, a história da formação da sociedade brasileira. É como se o valor de seus bens (físicos, financeiros, culturais, etc) estivesse referenciado na exclusividade de possuí-los. As respostas às perguntas feitas acima podem nos dar um direcionamento nesse sentido, mas, vale pensar também, quem alimenta nossas insatisfações? Ou, o que as alimentam?
*Cássio Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e colaboram para Pragmatismo Político.
Cássio Garcia Ribeiro* e Mário Tiengo*, Pragmatismo Político
Não é difícil perceber que as respostas para cada uma dessas perguntas nos permitirão traçar um perfil conservador. São avessos a reformas estruturais, tanto na economia, quanto na sociedade. Estão indignados, mas sua indignação seleciona seus alvos. Defendem a alternância no poder, mas, descaradamente, mantém os tucanos no poder em São Paulo há duas décadas – e essa afirmação pode ser comprovada com base nas pesquisas feitas nas manifestações de ruas, em que a grande maioria declarou voto nesse partido, mesmo que tenham suas ressalvas. Assim, o discurso de ódio propagado por parte da imprensa encontra terreno fértil entre essas pessoas.
De acordo com relatos, não foram poucos os episódios de desrespeito e intolerância presenciados nas passeatas que ocorreram em diversas cidades brasileiras neste ano. Há aqui um caldo de cultura perigoso, que flerta com o fascismo. Embora possamos traçar diferenças com as jornadas de junho de 2013, principalmente na sua origem, os “apolíticos” que tomaram conta daquele movimento e gritavam “sem bandeiras” e rejeitavam (muitas vezes violentamente) os militantes dos partidos de esquerda, voltaram com força, agora mais homogêneos, já que sem a presença de grupos identificados com as esquerdas – se naquela época, bandeiras e referências partidárias eram rechaçadas, hoje, qualquer camiseta vermelha torna o cidadão passível de ser agredido. Aqueles que foram aos estádios para cantar o hino nacional e em seguida ofender a presidenta da República diante do mundo descobriram que também podem ir às ruas; diante disso corremos o risco de ver a barbárie se instalar perigosamente em nossa sociedade.
Não raro, quando expomos nossas vozes ou nos exprimimos, por qualquer meio, ponderando o perigo do maniqueísmo e da disseminação de ódio, dialogando com a história de nosso próprio país, somos acusados, entre outras coisas, de sermos cegos aos fatos que abnegadamente tentam nos mostrar. Rebatidos, no campo individual, longe das turbas raivosas que descontam todas as suas frustrações na figura de uma pessoa, de um partido, ou de uma comunidade específica, dizem-se a favor do diálogo.
Mas como dialogar com um grupo que considera necessário combater os que pensam distintamente e que possuem outras visões de mundo? Que inferioriza o diferente? Que vocifera contra a legalização e formalização de direitos trabalhistas de empregadas domésticas, que vê na inclusão de toda ordem um mal e destila ódio e animosidade quando vê que perdeu sua (quase) exclusividade no uso de aeroportos? O que leva alguém a se indignar com programas de erradicação à pobreza, programas de inclusão nas universidades, programas que levam médicos a lugares carentes e aos rincões do país? Programas que tem sua iniciativa e execução elogiados (e até copiados) por toda parte, de países em desenvolvimento aos desenvolvidos? Quando são acusados de disseminarem o ódio, dizem que é indignação. Mas essa mesma indignação nos casos (e não são poucos) de corrupção envolvendo outros partidos que não o da presidenta e do seu criador e ex-presidente? Contra a corrupção sistemática no(s) Estado(s) brasileiro, a estrutura viciada da nossa administração pública, os nossos legislativos e judiciários? Da imensa sonegação de impostos colocada em prática por empresas privadas do país? Dos repetidos casos de trabalho escravo flagrado nas indústrias, nas grandes fazendas?
É preciso cuidado para que não se transforme em hegemonia a ideia de que o povo seja apenas uma agregação qualquer de homens ou uma sociedade mantida junta, com algum vínculo jurídico. Precisamos ir além disso, necessitamos de uma sociedade com relações mais humanas, que priorize a convivência em harmonia, recheada de empatia, e para isso é essencial que as disparidades e distorções produzidas por séculos sejam atacadas.
Desigualdade só se combate tratando os desiguais na medida de sua desigualdade. É pouco compreensível que aqueles que mais possuam, se incomodem ao ver ascender aqueles que, historicamente, pouco tiveram; é pouco aceitável que desconheçam, ou ignorem, propositalmente, a história da formação da sociedade brasileira. É como se o valor de seus bens (físicos, financeiros, culturais, etc) estivesse referenciado na exclusividade de possuí-los. As respostas às perguntas feitas acima podem nos dar um direcionamento nesse sentido, mas, vale pensar também, quem alimenta nossas insatisfações? Ou, o que as alimentam?
*Cássio Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e colaboram para Pragmatismo Político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário