Amizade contra o ódio
Por Josué Medeiros
Aristóteles dizia que o objetivo principal da política era criar amizade entre os membros da cidade. À primeira vista parece uma visão ingênua. Contudo, nas entrelinhas, ela esconde uma profunda visão sobre a coletividade: a amizade não é natural. Os interesses particulares nos separam. Por isso a amizade precisa ser produzida em nossa interação. Ora, então seria ele um pessimista? Tampouco! A amizade não é natural, porém é indispensável. Dizia ele que “em amigos ninguém escolheria viver, mesmo que tivesse todos os outros bens”. Viver necessariamente é interagir, logo, produção de amizades. Não amizade qualquer, mas sim amizade cidadã, “entre os membros da cidade”.
E o que isso tudo tem a ver com a gente, brasileiros, em 2015? Tem um certo clima no ar que nos incomoda. Acordamos nesse 01 de abril um tanto quanto desanimados. A cidadania ativa brasileira, com tanta luta feita e por fazer, tantos direitos conquistados e ainda por conquistar, tem se sentido cansada. Sua bela energia social não está aguentando tanto ódio, tanta violência política em nossa sociedade. Hoje completam-se 51 anos do golpe militar e parece que não aprendemos nada!
A gota d’água foi o avanço da absurda proposta de redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. A proposta segue distante da aprovação definitiva, mas a maioria dos representantes do povo parece ignorar que somente 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros estão envolvidos em atos contra a vida. Mas o copo foi enchendo antes. Uma onda de ódio crescente, que antes achávamos restrita aos “bolsonaros” da vida. É o ódio que tempera o “Fora Dilma”, o “Fora PT”. Um ódio que parte de um simples pressuposto: a desumanização do adversário. Desumanização da presidenta e de seu partido. “Não importa se vai assumir o PMDB. Eu quero a Dilma fora, o PT fora”. Desumanização dos pobres, negros e negras que entram na universidade antes exclusiva aos ricos e brancos. Dos trabalhadores que agora andam de avião e “gritam nos aeroportos”. Dos gays e lésbicas que “não respeitam ninguém quando andam por ai de mãos dadas”.
Como então fazer amizade, no sentido político, se são chocantes os xingamentos machistas contra Dilma que circulam em memes nas redes, as calúnias contra Lula que são repassadas por whatsapp. É assustador ver as bombas jogadas contra sedes do PT ou ouvir que o ex-ministro Mantega foi expulso de um hospital. São assombrosas as manifestações contra o ex-ministro Padilha quando do nascimento de sua filha em uma maternidade pública.
Houve ainda a barbara explosão de uma “pulsão de morte” contra o ex-ministro, Zé Dirceu. Milhares de “cristãos”, ignorando a idéia de amor ao próximo, declararam publicamente desejar de morte de outro ser humano apenas porque ele é uma das principais lideranças da esquerda brasileira. Morte fisíca que deveria se somar, segundo os ditames barbáros desse ódio, a sua morte enquanto cidadão, que vem com a criminalização do seu trabalho afim de impor uma segunda condenação, sendo que a primeira já amplamente questionada no mundo jurídico de todos os matizes.
Como seguir em frente com tudo isso? Só uma forma de fazermos isso, é com a politização. Primeiro, é fundamental recuperar o que já conquistamos. A democracia está ai, com uma Constituição plena de direitos, Muitos deles não efetivados ainda, é verdade. Porém são nossos instrumentos de luta, nossos valores, o que sedimenta nossa amizade.
Politizar significa também reconhecer os limites daquilo que fizemos. Já que estamos lembrando a ditadura militar, é fundamental reconhecer que o Brasil produziu uma transição democrática muito mais limitada do que nossos vizinhos. Em nenhum momento dos anos 1980 ou 1990 conseguimos debater coletivamente o legado autoritário que recebemos. Nossas instituições mantém elementos estruturais organizados pelos militares. A Polícia Militar com sua cultura de enxergar no cidadão um inimigo é a mais visível. Em nossas primeiras eleições presidenciais diretas, no ano de 1989, nenhum candidato teve coragem de defender as realizações do regime militar, algo bem distinto do Chile, por exemplo, onde a existência de candidatos a presidência competitivos que defendiam Pinochet proporcionou um debate aberto sobre o que foi o autoritarismo. Recentemente conseguimos ter nossa Comissão da Verdade para apurar os crimes do Estado, algo que foi feito imediatamente após o restabelecimento da democracia em Argentina, Chile, Uruguai.
Não há dúvida que nesses limites residem as origens da atual onda de ódio às esquerdas. Trata-se do desejo de institucionalizar a violência enquanto política pública por parte de elites que sempre trabalharam com esse instrumento para manter seus privilégios e que conseguem hegemonizar parcelas importantes das classes médias e até mesmo das classes trabalhadoras. Mas trata-se também de uma reação contra a ascensão social dos mais pobres, é isso é igualmente importante.
Essa politização nos ajuda, portanto, e dimensionar o tamanho do perigo. Parece que eles estão na ofensiva, mas o que se passa é oposto. É uma reação em dupla chave, do entulho autoritário e dos privilégios de classe. Reação contra uma sociedade que clama por direitos, por liberdade.
Convém não minimizar o perigo dessa reação. Eles podem sim nos derrotar. Não obstante é fundamental não subestimarmos a nós mesmos, não diminuir nossos feitos. A presidente Dilma deve sua reeleição à impressionante energia social unificada que se mobilizou no 2º turno. Podemos e devemos mobilizar essa energia novamente para derrotar a redução da maioridade penal, Podemos mais, queremos mais, queremos ampliar ainda mais as liberdades e os direitos,
Por fim, é possível e urgente canalizar essa energia para ajudar o PT a resolver seus dilemas e seus impasses. Somente em profunda conexão com essa energia é que o partido pode estabelecer um núcleo dirigente renovado, capaz de reagir às infâmias e aos ataques, de ter iniciativa de pautar o país e de tomar a dianteira desta travessia até as condições de aplicar a filosofia eleita.
É preciso produzir o encontro dessa energia social nova com os instrumentos que construímos na redemocratização. Disso resultará uma esquerda atualizada, próxima da polis e também uma nova cultura de amizades entre os membros da cidade, em diálogo com as novas gerações políticas, suas novas formas de associativismo, de organização em rede, seus desejos e demandas por liberdades.
Por Josué Medeiros
Aristóteles dizia que o objetivo principal da política era criar amizade entre os membros da cidade. À primeira vista parece uma visão ingênua. Contudo, nas entrelinhas, ela esconde uma profunda visão sobre a coletividade: a amizade não é natural. Os interesses particulares nos separam. Por isso a amizade precisa ser produzida em nossa interação. Ora, então seria ele um pessimista? Tampouco! A amizade não é natural, porém é indispensável. Dizia ele que “em amigos ninguém escolheria viver, mesmo que tivesse todos os outros bens”. Viver necessariamente é interagir, logo, produção de amizades. Não amizade qualquer, mas sim amizade cidadã, “entre os membros da cidade”.
E o que isso tudo tem a ver com a gente, brasileiros, em 2015? Tem um certo clima no ar que nos incomoda. Acordamos nesse 01 de abril um tanto quanto desanimados. A cidadania ativa brasileira, com tanta luta feita e por fazer, tantos direitos conquistados e ainda por conquistar, tem se sentido cansada. Sua bela energia social não está aguentando tanto ódio, tanta violência política em nossa sociedade. Hoje completam-se 51 anos do golpe militar e parece que não aprendemos nada!
A gota d’água foi o avanço da absurda proposta de redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados. A proposta segue distante da aprovação definitiva, mas a maioria dos representantes do povo parece ignorar que somente 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros estão envolvidos em atos contra a vida. Mas o copo foi enchendo antes. Uma onda de ódio crescente, que antes achávamos restrita aos “bolsonaros” da vida. É o ódio que tempera o “Fora Dilma”, o “Fora PT”. Um ódio que parte de um simples pressuposto: a desumanização do adversário. Desumanização da presidenta e de seu partido. “Não importa se vai assumir o PMDB. Eu quero a Dilma fora, o PT fora”. Desumanização dos pobres, negros e negras que entram na universidade antes exclusiva aos ricos e brancos. Dos trabalhadores que agora andam de avião e “gritam nos aeroportos”. Dos gays e lésbicas que “não respeitam ninguém quando andam por ai de mãos dadas”.
Como então fazer amizade, no sentido político, se são chocantes os xingamentos machistas contra Dilma que circulam em memes nas redes, as calúnias contra Lula que são repassadas por whatsapp. É assustador ver as bombas jogadas contra sedes do PT ou ouvir que o ex-ministro Mantega foi expulso de um hospital. São assombrosas as manifestações contra o ex-ministro Padilha quando do nascimento de sua filha em uma maternidade pública.
Houve ainda a barbara explosão de uma “pulsão de morte” contra o ex-ministro, Zé Dirceu. Milhares de “cristãos”, ignorando a idéia de amor ao próximo, declararam publicamente desejar de morte de outro ser humano apenas porque ele é uma das principais lideranças da esquerda brasileira. Morte fisíca que deveria se somar, segundo os ditames barbáros desse ódio, a sua morte enquanto cidadão, que vem com a criminalização do seu trabalho afim de impor uma segunda condenação, sendo que a primeira já amplamente questionada no mundo jurídico de todos os matizes.
Como seguir em frente com tudo isso? Só uma forma de fazermos isso, é com a politização. Primeiro, é fundamental recuperar o que já conquistamos. A democracia está ai, com uma Constituição plena de direitos, Muitos deles não efetivados ainda, é verdade. Porém são nossos instrumentos de luta, nossos valores, o que sedimenta nossa amizade.
Politizar significa também reconhecer os limites daquilo que fizemos. Já que estamos lembrando a ditadura militar, é fundamental reconhecer que o Brasil produziu uma transição democrática muito mais limitada do que nossos vizinhos. Em nenhum momento dos anos 1980 ou 1990 conseguimos debater coletivamente o legado autoritário que recebemos. Nossas instituições mantém elementos estruturais organizados pelos militares. A Polícia Militar com sua cultura de enxergar no cidadão um inimigo é a mais visível. Em nossas primeiras eleições presidenciais diretas, no ano de 1989, nenhum candidato teve coragem de defender as realizações do regime militar, algo bem distinto do Chile, por exemplo, onde a existência de candidatos a presidência competitivos que defendiam Pinochet proporcionou um debate aberto sobre o que foi o autoritarismo. Recentemente conseguimos ter nossa Comissão da Verdade para apurar os crimes do Estado, algo que foi feito imediatamente após o restabelecimento da democracia em Argentina, Chile, Uruguai.
Não há dúvida que nesses limites residem as origens da atual onda de ódio às esquerdas. Trata-se do desejo de institucionalizar a violência enquanto política pública por parte de elites que sempre trabalharam com esse instrumento para manter seus privilégios e que conseguem hegemonizar parcelas importantes das classes médias e até mesmo das classes trabalhadoras. Mas trata-se também de uma reação contra a ascensão social dos mais pobres, é isso é igualmente importante.
Essa politização nos ajuda, portanto, e dimensionar o tamanho do perigo. Parece que eles estão na ofensiva, mas o que se passa é oposto. É uma reação em dupla chave, do entulho autoritário e dos privilégios de classe. Reação contra uma sociedade que clama por direitos, por liberdade.
Convém não minimizar o perigo dessa reação. Eles podem sim nos derrotar. Não obstante é fundamental não subestimarmos a nós mesmos, não diminuir nossos feitos. A presidente Dilma deve sua reeleição à impressionante energia social unificada que se mobilizou no 2º turno. Podemos e devemos mobilizar essa energia novamente para derrotar a redução da maioridade penal, Podemos mais, queremos mais, queremos ampliar ainda mais as liberdades e os direitos,
Por fim, é possível e urgente canalizar essa energia para ajudar o PT a resolver seus dilemas e seus impasses. Somente em profunda conexão com essa energia é que o partido pode estabelecer um núcleo dirigente renovado, capaz de reagir às infâmias e aos ataques, de ter iniciativa de pautar o país e de tomar a dianteira desta travessia até as condições de aplicar a filosofia eleita.
É preciso produzir o encontro dessa energia social nova com os instrumentos que construímos na redemocratização. Disso resultará uma esquerda atualizada, próxima da polis e também uma nova cultura de amizades entre os membros da cidade, em diálogo com as novas gerações políticas, suas novas formas de associativismo, de organização em rede, seus desejos e demandas por liberdades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário