O uso dos bordões no jornalismo econômico

O Valor Econômico tem alguns dos melhores quadros do jornalismo econômico brasileiro voltado para um público mais especializado.
No Banco Central, Alex Ribeiro tem conseguido destrinchar temas complexos – como os estudos sobre inflação – com uma competência à altura de Celso Pinto. Sérgio Léo tornou-se uma referência em diplomacia comercial; Cláudia Safatle mantém a mesma profundidade de sempre nos temas da Fazenda. Maria Cristina Fernandes é – na minha opinião – a mais abalizada analista política da imprensa.
Por isso causa um pouco de surpresa os artigos de Cristiano Romero.
Bom repórter, Romero decidiu revestir-se dos slogans de mercado na tentativa de se tornar um analista. Não se monta um analista com dez slogans. E, com isso, passa ao largo ou minimiza temas originais que porventura lhe caem às mãos.
É o caso de sua coluna de hoje – “Razões do PIB fraco: uma visão polêmica” (http://www.valor.com.br/brasil/4079112/razoes-do-pib-fraco-uma-visao-polemica) Romero identifica uma pequena joia, uma visão original – e lógica – contestando as interpretações de mercado sobre a crise.
É de Luiz Guilherme Schimura, diretor do ortodoxo IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV-Rio, questionando uma das teses preferidas do establishment: a de que a crise econômica foi consequência da má alocação de recursos (como, por exemplo, na política de substituição de importações) ou da mudança de regras que assustou os investidores privados.
Diz Schimura:
·      as mudanças no setor elétrico foram feitas dentro do marco da legalidade em contratos que iriam vencer. Não havia qualquer diploma legal assegurando às empresas a manutenção das condições anteriores. Independentemente do mérito das mudanças, não houve mudanças nas regras do jogo.
·      Não existe nenhum estudo sólido, do ponto de vista acadêmico, que avalize o argumento da perda de crescimento em decorrência de uma deterioração alocativa num contexto mais amplo.  Tese está sendo sacramentada porque repetida à exaustão.
Para exemplificar:
A política de conteúdo nacional adotada pela Petrobras encareceu os equipamentos adquiridos – pelo custo do aprendizado. Mas movimentou o setor de máquinas, equipamentos e serviços, induziu a investimentos internos e ao aumento do emprego. Impactou positivamente o PIB.
A alternativa seria importar equipamentos mais baratos. Esse custo menor mediria a “eficiência” alocativa, mas não geraria uma máquina a mais, um emprego a mais no país.
Pode-se até discutir os efeitos no longo prazo. Mas é evidente que, no curto prazo, a suposta menor eficiência alocativa do conteúdo nacional foi um fator de dinamismo na economia muito maior do que seria a importação de equipamentos, ainda que mais baratos..
É uma evidente falácia que Schmira rebate com competência.
Quais seriam as razões para a perda de dinamismo da economia, segundo Schimura:
·      o crescimento contínuo das despesas previdenciárias, levando à redução da poupança pública e do crescimento potencial da economia, processos anteriores ao que o mercado denomina de “nova matriz econômica”. Segundo ele, o ciclo das commodities mascarou a crise fiscal.
Trata-se de um tema relevante, polêmico, que demanda uma discussão de alto nível, que vai muito além das planilhas.
Nas análises de mercado não entram as externalidades positivas das políticas sociais, o incremento do mercado de consumo, os ganhos nas áreas de saúde, educação e segurança com o aumento das transferências constitucionais.
E nunca entram os diagnósticos sobre as razões de se manter taxas de juros fora de qualquer parâmetro internacional, nem seus efeitos sobre os investimentos públicos.
Repito: é tema polêmico que demanda discussões de alto nível.
Ai entra o analista Romero, dizendo que “esta coluna (a dele) discorda dessa visão”. E qual a visão “desta coluna”?
“Com o desmonte do arcabouço de política macroeconômica que vigorou nos governos Fernando Henrique e Lula, os empresários perderam a confiança para investir”.
E nada mais disse, nem lhe foi exigido.
Há uma enorme complexidade no diagnóstico da crise.
Há as questões óbvias, como o aumento da demanda que não foi acompanhada pela oferta, por fatores que vão do câmbio ao custo Brasil, fazendo com que grande parte fosse apropriada pelas importações.
Há a questão do impacto dos salários sobre os custos, que não pode ser ignorada – e que nada tem a ver com a tal “nova matriz econômica”.
Há o efeito Selic, que determina a análise custo-benefício para as decisões de investimento privado e para os recursos do orçamento público.
Nada disso entra em suas análises corriqueiras. Resume tudo a um “ na minha opinião”, com análises incompletas que prejudicam o bom repórter que ainda é.
Faria melhor em reportar as opiniões de quem lhe faz a cabeça.