terça-feira, 12 de maio de 2009

AFEGANISTÃO - Afegãos revoltam-se por causa da atrocidade do ataque aéreo americano.

Patrick Cockburn

Testemunhas afirmam que as mortes de 147 pessoas em três aldeias resultaram de um bombardeamento sustentado da aviação norte-americana.

Uma rapariga ferida no ataque aéreo de Farah
Gritando “Morte à América” e “Morte ao governo”, milhares de aldeões afegãos atiraram ontem pedras à polícia enquanto desafogavam a sua fúria pelos ataques aéreos norte-americanos que funcionários locais alegam terem morto 147 civis.

A revolta começou quando pessoas de três aldeias atingidas por bombardeiros estadunidenses na madrugada de terça-feira, trouxeram à casa do governador provincial, num camião, 15 corpos acabados de encontrar. Enquanto a multidão abria passo em Farah, a polícia abriu fogo, ferindo quatro manifestantes. Comerciantes no resto da cidade de Farah, capital da província do mesmo nome onde teve lugar o bombardeamento, fecharam as suas lojas, jurando não as voltar a abrir até que haja uma investigação.

Um funcionário local, Abdul Basir Khan, afirmou ontem que tinha coligido os nomes das 147 pessoas que tinham morrido, fazendo dele o pior incidente deste tipo desde que os EUA intervieram no Afeganistão em 2001. Um telefonema do governador da província de Farah, Rohul Amin, no qual declarou que 130 pessoas tinham morrido, foi reproduzido através dos altifalantes do Parlamento afegão em Cabul, desencadeando exigências de maior controle sobre as operações estadunidenses.

O protesto na cidade de Farah é o último sinal de uma forte reacção afegã contra os ataques aéreos estadunidenses, nos quais explosões infligem danos massivos em casas de barro que providenciam pouca protecção contra os rebentamentos de bombas. Uma alegação de funcionários norte-americanos, que foi repetida pelo secretário de Defesa estadunidense, Robert Gates, ontem em Kabul, de que os taliban podem ter morto pessoas com granadas porque não pagaram uma taxa do ópio, não é apoiada por qualquer testemunha e é contrariada por fotografias de crateras de bomba profundas, uma das quais está cheia de água. Gates expressou pesar pelo incidente, mas não foi tão longe ao ponto de aceitar a culpa.

Os EUA admitem que de facto conduziram um ataque aéreo no lugar e na hora, mas está a ficar claro, a julgar pelos relatos dos sobreviventes, que o ataque aéreo não foi um ataque breve de vários aviões actuando com base em informação de inteligência errada, mas um bombardeamento sustentado no qual três aldeias ficaram reduzidas a escombros. Farouq Faizy, repórter da rádio afegã que foi um dos primeiros a chegar ao distrito de Bala Baluk, diz que os aldeões lhe contaram que as bombas, de repente, «começaram a cair às 8 da noite de segunda-feira e continuaram até às 10 da noite, embora alguns achem que ainda havia bombas a cair mais tarde». Um bombardeamento prolongado explicaria por que há tantos mortos, mas apenas 14 feridos acolhidos no hospital da cidade de Farah.

O ataque foi sobre três aldeias – Gerani, Gangabad e Koujaha – à saída da estrada principal. É uma zona de cultivo de papoila de fazendeiros pobres e havia vários campos de papoila perto das aldeias. Os taliban são aqui tradicionalmente fortes e testemunhas dizem que a polícia e os soldados que aguardavam em torno das aldeias estavam assustados. Isso explicaria por que os comandantes do exército afegão poderão ter estado ansiosos por pedir ataques aéreos estadunidenses, apesar de que teriam precisado do acordo dos oficiais norte-americanos encarregados das operações especiais.

Funcionários provinciais, incluindo o governador Rohul Amin, afirmam que antes do bombardeamento houve fortes combates entre centenas de taliban e o exército e a polícia afegãos. De acordo com o relato de Faizy, «um combate a sete ou oito quilómetros das três aldeias no qual dois veículos do exército afegão e um Humvee estadunidense foram destruídos. Um terceiro veículo do exército afegão foi capturado». Três polícias foram mortos e quatro feridos, tal como um soldado estadunidense e outro afegão. Isto dificilmente foi um combate de envergadura, mas as forças pró-governamentais parecem ter levado a pior parte, e os seus veículos queimados ainda se encontram na estrada.

A perda de vidas no Afeganistão devido a ataques aéreos é com frequência pior que no Iraque, onde as casas são mais modernas e habitualmente têm caves. Nas aldeias de Farah, as pessoas viviam em complexos com paredes feitas de tijolos de lama que se desmoronaram facilmente. Imagens do rescaldo do ataque mostram pessoas de pé junto aos restos de um parente que frequentemente parece apenas um monte lodoso de carne aos pedaços. Um idoso de barba branca, que segundo um vizinho perdeu 30 membros da sua família, agacha-se desesperadamente ao lado de um corpo feito em pedaços. Entre os poucos feridos que sobreviveram está uma criança com o rosto bastante queimado.

Uma razão pela qual os bombardeamentos estadunidenses infligem tantas baixas civis no Afeganistão e no Iraque é que ambos são países muito pobres nos quais as casas estão muito apinhadas. Quando os EUA utilizaram ataques aéreos e artilharia pesada com pouca contenção no cerco de Faluja em 2004, provocaram sérias perdas de vidas. As festas de casamento em ambos países foram com frequência confundidas com reuniões “terroristas” e bombardeadas.

No Afeganistão, as sondagens de opinião mostram que o apoio aos taliban e aos ataques armados contra forças estrangeiras aumenta acentuadamente após incidentes como o bombardeamento em Farah. O presidente Hamid Karzai critica com frequência o exército estadunidense por infligir voluntariamente vítimas civis, ataques que os seus opositores dizem ser um esforço oportunista de dar lustro às suas credenciais nacionalistas.

Os taliban utilizam com cada vez mais frequência tácticas desenvolvidas pelos insurgentes no Iraque, sobretudo os ataques suicida à escala massiva e os artefactos explosivos improvisados, ou bombas na estrada detonadas por controle de fios ou electronicamente. Na província de Helmand, ontem, um bombista suicida matou 12 civis num ataque sobre um comboio militar estrangeiro perto do bazar da localidade de Gereshk. Nenhum soldado estrangeiro foi morto pela explosão, embora dois ficassem feridos.

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