quinta-feira, 14 de maio de 2009

AS VELHAS ROUPAS DO IMPERADOR.

Toda a gente fala sobre os primeiros 100 dias de Barack Obama. E há muito sobre que falar.

Tal como um jovem touro, ele irrompeu pela arena. Um dilúvio de novas ideias em todas as direcções, um tsunami de iniciativas práticas, algumas das quais já começaram a ser implementadas. Claramente, tinha pensado sobre elas por muito tempo e tencionava pô-las em prática a partir do primeiro momento no cargo. Formou a sua equipa há muito tempo, e a sua gente começou a agir mesmo antes da sua entrada triunfal na Casa Branca. Durante os primeiros dias, nomeou os ministros, a maioria dos quais tinha designado muito antes – este parece ser um governo eficaz, cujos membros estão à altura das suas tarefas.

Tudo de acordo com uma regra que foi estabelecida há muito tempo: aquilo que um novo presidente não inicia nos seus primeiros 100 dias, não irá realizar mais tarde. No início tudo é mais fácil, porque o público está pronto para a mudança.

Um israelita não pode, é claro, resistir a comparar Obama a Binyamin Netanyahu, o nosso velho-novo primeiro-ministro, que não irrompeu propriamente na arena. Antes rastejou.

Poder-se-ia esperar que Netanyahu saísse a ganhar mesmo a Obama neste aspecto.

Afinal, ele já andou por estas lides. Há dez anos estava sentado na cadeira de primeiro-ministro, ganhando experiência. E com a experiência – especialmente a má experiência – pode-se e deve-se aprender.

Além disso, a vitória de Netanyahu não foi uma grande surpresa. A única parte imprevista nos resultados das eleições foi que a sua adversária, Tzipi Livni, ganhou alguns votos mais do que ele, mas não o suficiente para impedi-lo de atingir – conjuntamente com os seus parceiros – uma maioria.

Teve, portanto, muito tempo para se preparar para a sua ascensão ao poder, consultar especialistas, ter planos perfeitos em todos os campos, escolher a sua equipa, pensar sobre a nomeação de ministros do seu próprio partido e dos partidos aliados.

Contudo, inacreditavelmente, parece que nada, realmente nada, de tudo isto aconteceu. Nem planos, nem assistentes, nem equipa, nada de nada.

Até este mesmo momento, Netanyahu não conseguiu reunir a sua equipa pessoal – uma condição prévia fundamental para qualquer acção eficaz. Não tem um chefe de gabinete, uma posição bastante importante. No seu gabinete, o caos reina supremo.

A escolha dos ministros vomitou escândalo atrás de escândalo. Não só juntou um gabinete hediondamente inchado (39 ministros e vice-ministros, a maioria deles ostentando títulos fictícios), como quase todos os ministérios importantes estão atolados com pessoas totalmente inadequadas.

Numa altura de crise económica mundial, nomeou para as Finanças um ministro que não tem nenhuma ideia sobre economia, aparentemente pensando que ele próprio iria gerir o Ministério – absolutamente impossível para um homem que é responsável pelo Estado como um todo. O Ministério da Saúde obteve um rabino ortodoxo como vice-ministro. No meio de uma epidemia à escala mundial, não temos ministro da Saúde e, de acordo com a lei, o primeiro-ministro tem de exercer também essa função. Em quase todos os outros ministérios – dos Transporte ao Turismo – existem responsáveis que não sabem nada sobre as suas áreas de responsabilidade e que nem sequer fingem estar nelas interessados – estão apenas à espera de uma oportunidade para avançar para coisas mais elevadas e melhores.

Não há necessidade de desperdiçar muitas palavras sobre a nomeação de Avigdor Lieberman para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este difamador profissional provoca escândalos diários nesta mais sensível área de governo. O touro na loja de porcelana já conseguiu transformar todos os diplomatas em pequenos bois, cada um dos quais corre de um lado para o outro, quebrando os pratos na sua vizinhança. No momento, estão ocupados em estragar as relações de Israel com a União Europeia.

Todas estas nomeações parecem o desesperado esforço de um político cínico que não se preocupa com outra coisa senão com regressar ao poder e, em seguida, formar rapidamente um governo, seja qual for a sua composição, pagando qualquer preço a qualquer partido que esteja disposto a juntar-se-lhe, sacrificando mesmo os interesses mais vitais do Estado.

No que diz respeito aos planos, Netanyahu também não se assemelha a Obama. Chegou ao poder sem qualquer plano em qualquer área. Fica-se com a impressão de que passou os seus anos na oposição com a cabeça em hibernação.

Há uma semana, apresentou um grandioso “plano económico” para salvar a nossa economia da devastação da crise económica mundial. Os economistas franziram as sobrancelhas. O “plano” consiste em pouco mais do que uma colecção de velhos slogans e de um imposto sobre o tabaco. Os seus assistentes embaraçados balbuciaram que era apenas um “quadro geral”, não ainda um plano, e que agora iriam começar a trabalhar num verdadeiro plano.

Os público não se preocupou realmente com a falta de um plano económico. Tem fé na improvisação, o maravilhoso talento israelita que mascara a incapacidade de planear seja o que for.

Mas, na esfera política, a situação é ainda pior. Porque aí a impreparação de Netanyahu cruza-se com a sobrepreparação de Obama.

Obama tem um plano para a reestruturação do Médio Oriente, e um dos seus elementos é uma paz israelo-palestiniana baseada em “Dois Estados para dois povos”. Netanyahu argumenta que não está em posição de responder, porque não tem ainda um plano próprio. Afinal de contas, está há pouco tempo no governo. Agora está a trabalhar num tal plano. Muito em breve, numa semana ou num mês ou num ano, ele vai ter um plano, um verdadeiro plano, e irá apresentá-lo a Obama.

É claro, Netanyahu tem um plano. Consiste numa palavra, que aprendeu com o seu mentor, Yitzhak Shamir: “NÃO”. Ou, mais precisamente, “NÃO, NÃO, NÃO” – os três nãos do Cartum israelita: Não à paz, Não à retirada, Não às negociações. (Recorde-se que a Cimeira Árabe de 1967, em Cartum, logo após a Guerra dos Seis Dias, adoptou uma resolução semelhante.)

O “plano” em que ele está a trabalhar realmente não diz realmente respeito à essência desta política, mas apenas à embalagem. Como apresentar a Obama algo que não soe como um “não”, mas antes como um “sim, mas”. Algo que todos os servos do lóbi israelita no Congresso e nos meios de comunicação possam engolir sem dor.

Como aperitivo do “plano”, Netanyahu já apresentou um dos seus ingredientes: a exigência de que os palestinianos e outros árabes devem reconhecer Israel como “o Estado do povo judeu”.

A maior parte dos meios de comunicação em Israel e no estrangeiro têm distorcido esta exigência e informado que Netanyahu exige o reconhecimento de Israel como um “Estado judeu”. Seja por ignorância, seja por preguiça, eles fizeram desaparecer a importante diferença entre as duas fórmulas.

A diferença é enorme. Um “Estado judeu” é uma coisa, um “Estado do povo judeu” é algo radicalmente diferente.

Um “Estado judeu” pode significar um estado com uma maioria de cidadãos que se definem como judeus e/ou um Estado cuja língua principal é o hebreu, cuja cultura principal é a hebraica, cujo dia de descanso semanal é o sábado, que só serve comida kosher na cafetaria do Knesset, etc.

Um “Estado do povo judeu” é uma história completamente diferente. Significa que o Estado pertence não apenas aos seus cidadãos, mas sim a algo que é chamado de “o povo judeu” – algo que existe tanto dentro como fora do país. Isso pode ter implicações de grande alcance. Por exemplo: a revogação da cidadania de não-judeus, como proposto por Lieberman. Ou a atribuição da cidadania israelita a todos os judeus do mundo, quer eles queiram quer não.

A primeira questão que se levanta é: o que significa “o povo judeu”? O termo “povo” – “am” em hebraico, volk em alemão – não tem definição precisa aceite. De uma maneira geral, entende-se como significando um grupo de seres humanos que vivem num território específico e falam uma língua específica. O “povo judeu” não é assim.

Há duzentos anos atrás, era claro que os judeus constituíam uma comunidade religiosa dispersa em todo o mundo e unida por mitos e crenças religiosas (incluindo a crença numa ancestralidade comum). Os sionistas estavam determinados em alterar esta auto-percepção. «Somos um povo, um povo», escrevia em alemão Theodor Herzl, o fundador do sionismo, usando a palavra volk.

A ideia do “Estado do povo judeu” é decididamente anti-sionista. Herzl não sonhava com uma situação em que um Estado judeu e uma diáspora judaica coexistiriam. De acordo com o seu plano, todos os judeus que desejassem manter-se judeus deveriam imigrar para o seu Estado. Os judeus que preferissem viver fora do Estado deixariam de ser judeus e seriam absorvidos pelas nações anfitriãs, finalmente tornando-se realmente em alemães, ingleses e franceses. A concepção do “Visionário do Estado” (como ele é designado oficialmente em Israel) era suposta, quando posta em prática, conduzir ao desaparecimento da diáspora judaica – o povo judeu fora do Judenstaat [Estado judeu].

David Ben-Gurion era partidário desta visão. Ele afirmou que um judeu que não imigre para Israel não é um sionista e não deveria usufruir de quaisquer direitos em Israel, excepto o direito de imigrar para lá. Exigiu o desmantelamento da organização sionista, vendo nela apenas o “andaime” para a construção do estado. Uma vez criado o Estado, ele pensou muito justamente, que os andaimes deveriam ser descartados.

A exigência de Netanyahu de que os palestinianos reconheçam Israel como “o Estado do povo judeu” é ridícula, mesmo como táctica para impedir a paz.

Um Estado reconhece um Estado, não a sua ideologia ou o seu regime político. Ninguém reconhece a Arábia Saudita, a pátria do Hajj, como “o estado da Umma muçulmana” (a comunidade dos crentes).

Além disso, a exigência coloca os judeus de todo o mundo numa posição impossível. Se os palestinianos têm de reconhecer Israel como “o Estado do povo judeu”, então todos os governos do mundo devem fazer o mesmo. Os Estados Unidos, por exemplo. Isso significa que os cidadãos estadunidenses judeus Rahm Emmanuel e David Axelrod, os conselheiros mais próximos de Obama, são oficialmente representados pelo governo de Israel. O mesmo é válido para os judeus na Rússia, no Reino Unido e na França.

Mesmo que Mahmud Abbas fosse persuadido a aceitar esta exigência – e assim, indirectamente, pôr em dúvida a cidadania de um milhão e meio de árabes em Israel – eu opor-me-ia a isso energicamente. Mais do que isso, eu consideraria tal como um acto hostil.

O carácter do Estado de Israel deve ser decidido pelos cidadãos de Israel (que possuem uma vasta gama de opiniões sobre este assunto). Pendente nos tribunais israelitas está um requerimento de dezenas de patriotas israelitas, incluindo eu próprio, que exigem que o Estado reconheça a “nação israelita”. Nós pedimos ao tribunal para instruir o governo a registar-nos nos serviços oficiais de Registo da População, sob o título “nação”, como israelitas. O governo recusa-se inflexivelmente e insiste que a nossa nação é judia.

Peço a Mahmud Abbas, a Obama e a todos os outros que não sejam cidadãos israelitas para não interferirem neste debate doméstico.

Netanyahu sabe, evidentemente, que ninguém levará a sério a sua exigência. É muito obviamente apenas mais outro dispositivo para evitar negociações sérias de paz. Se for obrigado a abandoná-lo, não demorará muito que apareça com outro.

Parafraseando Groucho Marx: “Este é o meu pretexto. Se não gostar dele, bem, eu tenho um monte de outros”.

Fonte: Gush Shalom/Site Informação Alternativa.

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