Ricardo Kotscho.
Ainda falta mais de um ano para começar oficialmente a campanha presidencial de 2010, mas as feras já estão soltas na web, prontas para matar ou morrer, como se o país estivesse em guerra.
Dá para imaginar o que nos espera nesta primeira eleição geral no Brasil na qual a internet terá um papel decisivo, como já vimos na campanha que levou Obama à presidência dos Estados Unidos.
Com mais de 60 milhões de brasileiros já ligados à grande rede, uma terra de ninguém, sem regras nem responsabilidades claramente estabelecidas em lei, o vale tudo não tem limites, e fica cada vez mais difícil estabelecer um debate minimamente civilizado.
Quem me chamou a atenção para esta situação nova e preocupante na disputa política foi o colega Luiz Antonio Magalhães, em corajoso artigo publicado esta semana no Observatório da Imprensa, sob o título “Blogosfera desvairada _ Sob o império da lei da selva”.
Encarregado de fazer a moderação dos comentários do OI, Magalhães fala das dificuldades encontradas. “Em muitos casos, os internautas reclamam de “censura”, em outras apontam supostas ofensas e até crimes de calúnia, injúria e difamação em textos liberados pelo moderador”.
Eu mesmo muitas vezes fico na dúvida sobre o que devo ou não liberar para publicação. Se levar esta tarefa a ferro e fogo, sobraria pouca coisa, e logo seria xingado de censor por não aceitar opiniões contrárias às minhas.
Não se trata disso, garanto. Desconheço outro blog em que a área de comentários publique tantas críticas ao próprio autor e a tudo o que ele escreve, como são testemunhas os leitores deste Balaio _ entre outras razões, por ter trabalhado durante dois anos no governo Lula, como informa meu currículo profissional publicado aqui ao lado direito.
O grande problema que vejo nesta história toda, desde que comecei a escrever na internet, em 2005, é a praga do anonimato que se espalha por todos os espaços da web.
Em alguns blogs _ não é o caso do Balaio, onde a grande maioria dá seu nome completo _, a quantidade de leitores que se “identificam” como “anônimos”, ou usam alcunhas, pseudônimos, niks e não sei mais o quê, é assustador, chega a quase 100%.
Gostaria de saber qual o motivo destes valentes caluniadores não poderem se apresentar com seu próprio nome, arcando com as consequências por aquilo que escrevem.
Agridem com a maior leviandade a honra alheia, levantam falsas acusações, ofendem outros leitores e, quando seus comentários não são publicados, saem gritando: “Censura! Estou sendo censurado!”.
Luiz Antonio Magalhães observa, com toda razão:
“A internet é um fenômeno ainda muito novo no mundo inteiro. A legislação que servia para a imprensa escrita, falada e televisiva não contemplava tamanho grau de interatividade e muito menos as enormes possibilidades de anonimato que a rede mundial permite e até incentiva”.
A baixaria permitida por este anonimato muitas vezes é incentivada pelos próprios blogueiros, que atiçam seus fiéis seguidores a se tornarem cada vez mais intolerantes, sectários, preconceituosos e fanáticos, criando verdadeiras cruzadas em defesa do seu campo ideológico e de ataques a quem pensa diferente.
Magalhães pinçou alguns exemplos de blogs em que os leitores repetem com mais fúria e sem nenhuma responsabilidade os bordões dos donos do pedaço. Não se trata de eventuais aberrações.
Esta prática está-se tornando cada vez mais comum na web, fazendo lembrar aqueles rapazes da TFP (por onde andarão?), que ficavam com seus estandartes pelas esquinas da cidade praguejando contra o perigo vermelho que ameaçava a tradição, a família e a propriedade.
A cada dia aparecem novos justiceiros botando mais fogo no circo numa disputa feroz para ver quem é o mais radical, o mais ousado, formando novas legiões de fanáticos que se recusam a utilizar argumentos para combater idéias, partindo diretamente para o confronto insano, que tem como pano de fundo a disputa eleitoral do próximo ano.
Magalhães lembra que o STF acaba de derrubar a Lei de Imprensa da ditadura, sem estabelecer novas regras para disciplinar a atividade. “Está valendo o que diz a Constituição Federal, promulgada quando a internet ainda engatinhava no país”.
Concordo plenamente com ele, quando diz:
“Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que existe um vazio enorme, uma lacuna que precisa ser preenchida. Não se trata, é óbvio, de defender a restrição das atividades que os internautas desenvolvem na web, mas sim a de algumas regras básicas para disciplinar estas atividades. A internet não pode se transformar em uma máquina de moer reputações”.
Não gosto de apenas fazer diagnósticos, mas me esforço para encontrar soluções concretas.
Assim como defendo para todos o direito de ir e vir com seus automóveis, desde que tenham carteira de motorista e respeitem as leis do trânsito, também defendo a liberdade para que todos escrevam o que bem entenderem na web, mas que sejam responsáveis por suas palavras.
Não é justo que o responsável pelo blog esteja sujeito a processos na Justiça pelos crimes praticados por terceiros na área de comentários e seja obrigado a passar o dia inteiro cercando os cachorros loucos que invadiram a web.
Por isso, proponho que se crie alguma regra do jogo que todos sejam obrigados a respeitar, até para que a internet possa continuar sendo este fantástico instrumento de democratização de informações e opiniões, um espaço que deixou de ser monopólio de meia dúzia de empresas e colunistas do pensamento único.
Uma forma de se estabelecer um mínimo de civilidade na grande rede é criar uma espécie de Cadastro Nacional de Internautas.
Cada cidadão teria direito a uma senha para frequentar este espaço, uma vez registrado com seu nome verdadeiro, endereço, CPF e demais dados para que possa ser criminalmente responsabilizado, se não respeitar as leis vigentes no país.
Deixo aqui a minha sugestão, mesmo sabendo que o assunto é bastante delicado e, portanto, polêmico. Mas é importante abrir esta discussão, que deve ser travada no Congresso Nacional e em todas as instâncias da sociedade civil organizada.
Trata-se de uma questão vital para a democracia, diante desta grande revolução nas comunicações humanas deflagrada pela internet, com consequências ainda imprevisíveis.
Em tempo:
solicitei ao meu amigo Alberto Dines, o grande mestre do Observatório da Imprensa, uma opinião dele sobre a proposta da criação de um cadastro nacional de internautas. Prontamente ele atendeu ao meu pedido e enviou o texto que reproduzo abaixo:
Kotscho, meu caro:
Você me pede uma opinião, isso pressupõe convicções rígidas mas eu sou — graças a Deus – um cético, dilacerado por dúvidas.
O tal cadastro nacional de internautas, embora justo, contraria frontalmente a liberdade de imprimir sem licenciamento.
Esta é uma veneranda questão que remonta ao século XVII quando John Milton lançou o seu famoso manifesto, “Areopagítica”, pela liberdade de estabelecer tipografias sem qualquer controle.
Desde a criação e multiplicação das tipografias no fim do século XV os governantes — despotas ou não — pretendiam exigir o registro para o seu funcionamento.
Isto contrariava a produção irrestrita de papeis impressos, base da liberdade de expressão.
O internauta é um emissor de informações (tal como eram os tipógrafos) e também um consumidor de informações.
Se o seu direito de imprimir é controlado aqueles que consumiriam as suas informações também passam a ser.
Por outro lado a selvageria e irresponsabilidade dos internautas precisa ser vencida. Talvez pela educação. Pelo exemplo das autoridades. Talvez por um movimento universal de auto-regulação.
Sirva-se, meu caro.
Abraços,
Dines
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