Carlos Chirinos
Da BBC Mundo em Washington
A decisão de reativar os tribunais militares para alguns detentos de Guantánamo, anunciada nesta sexta-feira pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, causou um grande mal-estar entre as organizações de defesa dos direitos humanos e em setores próximos ao presidente.
De modo irônico, no entanto, a medida recebeu aprovação e aplausos de setores que apoiavam a política de tribunais militares implementada durante o governo do ex-presidente dos EUA, George W. Bush.
Para a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), a decisão de reativar as comissões militares "prolongará a injustiça de Guantánamo", ao se utilizar de meios legais que estariam "abaixo dos padrões" norte-americanos.
A organização ainda afirma que o governo americano "terá que enfrentar uma crescente condenação internacional por restringir direitos básicos do processo legal".
"O sistema de comissões militares é falho e não pode ser reparado. Ao ressuscitar essa ideia falida do governo Bush, o presidente Obama está dando um perigoso passo para trás em sua agenda de reformas", afirmou o diretor da HRW, Kenneth Roth.
A Human Rights Watch também questiona o argumento apresentado em um comunicado do presidente Obama que afirma que as comissões militares têm raízes na tradições legais dos EUA e que são apropriadas "desde que bem estruturadas e administradas".
Falha de origem
Estas mesmas organizações haviam apoiado Obama quando, já nos primeiros dias de seu governo, ele anunciou a suspensão dos tribunais militares e ordenou o fechamento da prisão da base de Guantánamo no prazo de um ano.
Embora o presidente tenha afirmado que as garantias legais serão maiores para os réus nos novos tribunais militares, as organizações dos direitos humanos afirmam que as modificações propostas estão aquém dos direitos assegurados pela legislação e pela Constituição dos EUA.
Estes grupos também argumentam que o sistema de comissões militares tem uma "falha de origem", já que a presença da Forças Armadas, uma organização altamente hierarquizada, comprometeria a independência do processo legal.
Entre as mudanças nos tribunais militares propostas pela Casa Branca estão a limitação do uso de provas baseadas em boatos ou fontes não confirmadas, assim como a proibição do uso de evidências obtidas por meio de interrogatórios considerados extremos.
Além disso, os detentos poderão escolher seus próprios advogados.
Os tribunais militares, no entanto, não serão retomados imediatamente. Os 20 julgamentos que já foram iniciados voltarão dentro de quatro meses, enquanto a Casa Branca trabalhará com o Congresso para se chegar a um novo marco legal a respeito dos tribunais especiais.
Tribunais
De maneira geral, os ativistas dos direitos humanos defendem que os tribunais federais dos EUA têm capacidade para julgar os detentos de Guantánamo, além de oferecer a eles garantias legais.
Para a HRW, a ineficiência do sistema de tribunais militares fica evidente pelo fato de que, em sete anos de trabalhos, as cortes processaram apenas três suspeitos, enquanto tribunais federais julgaram 145 casos de terrorismo.
"É decepcionante o fato de Obama estar procurando reviver estes tribunais no lugar de acabar com este experimento fracassado", afirmou Jonathan Hafetz, advogado do grupo de defesa dos direitos civis American Civil Liberties Union (ACLU).
"Não há nenhum detento de Guantánamo que não possa ou não deva ser julgado no sistema federal regular dos Estados Unidos. Isto é uma perpetuação da política de detenção equivocada do governo de George W. Bush".
Até mesmo grupos próximos de Obama questionaram a decisão anunciada nesta sexta-feira.
"Não acho que as comissões militares sejam a melhor maneira de proceder", afirmou à BBC Mundo Ken Gude, diretor para Direitos e Responsabilidade Internacional do Center for American Progress, um grupo de estudos políticos de tendência liberal.
"Isso seria certo se estivéssemos partindo do zero em 2009, mas é claro que não é o caso, porque temos a experiência de sete anos de governo Bush, durante os quais se percebeu que as comissões militares são equivocadas e injustas", afirmou Gude.
"Nos últimos 25 anos, o país teve um histórico de sucesso em trazer suspeitos de terrorismo para o território dos EUA para que fossem julgados e presos. Alguns dos terroristas mais perigosos do mundo foram capturados no exterior e trazidos para cá para serem julgados", disse.
Elogios
Este é o segundo choque que a Casa Branca tem com grupos de defesa de direitos humanos em uma semana.
Na quarta-feira, Obama também voltou atrás em sua decisão de divulgar fotos de métodos de interrogatório considerados extremos e praticados por forças americanas contra supostos terroristas.
Leia também na BBC Brasil: Obama volta atrás e veta divulgação de fotos de maus-tratos
Mas, se as atitudes dele geraram críticas em setores à esquerda do espectro político, elas foram elogiadas por opositores conservadores.
"Estou satisfeito com o fato de o presidente Obama ter adotado agora esta visão", afirmou o senador republicano John McCain, que concorreu contra Obama nas eleições presidenciais.
O senador republicano Lindsey Graham, do Comitê das Forças Armadas do Congresso, elogiou a decisão do governo de restabelecer as comissões militares e a classificou "como um passo para fortalecer" a segurança nacional.
Já Ari Fleischer, ex-porta-voz de George W. Bush, afirmou que Obama "deveria reconhecer que suas críticas de campanha estavam erradas".
"Com algumas pequenas mudanças, ele está realmente seguindo o mesmo caminho que o presidente Bush trilhava".
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