sábado, 25 de julho de 2009

MAIS UM DEPUTADO FEDERAL LEVA O TROFÉU FRANGO.

Este blog criou o bem humorado Troféu Frango para premiar declarações estranhas e bizarrices em geral. Desta vez, ele vai para o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR).

Durante audiência no Congresso Nacional para discutir o embargo à carne no Pará, o deputado federal Abelardo Lupion tentou intimidar o procurador da República Daniel César Avelino:

“Dr. Daniel, o senhor é um moço, provavelmente teria um grande futuro pela frente.”

Lupion disse que pediria o afastamento do procurador e que ele seria processado por abuso de poder e quebra de sigilo fiscal de empresas. Mas por que tanto ódio no coração do expoente da bancada ruralista e ex-presidente da União Democrática Ruralista? Porque Daniel e o MPF do Pará deram um tiro certeiro em quem se beneficia com o desmatamento no estado.

(Antes de mais nada, é preciso que se diga que certas coisas no Brasil são realmente bizarras. As pessoas que denunciam mazelas e, principalmente, as que tentam evitá-las ou corrigi-las, são ameaçadas, taxadas de loucas, processadas, assassinadas, sumidas do mapa. Após uma denúncia, raramente se discute o mérito da questão – até porque este é um campo em que os desmatadores, os grileiros, os escravagistas sabem que perdem. A solução é deslegitimar quem traz a verdade à tona, como Daniel. É mais fácil. Na mesma linha de vozes que não queriam se calar, tombaram Irmã Dorothy Stang, Chico Mendes, Padre Josimo…)

Já contei aqui várias vezes a história do embargo da carne do Pará, então irei resumi-la. Com base em um rastreamento de cadeias produtivas realizado em parceria com o Ibama, o Ministério Público Federal do Pará iniciou duas dezenas de processos judiciais contra fazendas e frigoríficos, pedindo o pagamento de R$ 2,1 bilhões em indenizações pelos danos ambientais no final de maio. Dezenas de empresas que compraram subprodutos desses frigoríficos receberam notificações em que foram informadas que haviam adquirido insumos obtidos através do desmatamento ilegal da Amazônia. A partir da notificação, deveriam parar de comprar desses fazendeiros e frigoríficos ou passariam à condição de co-responsáveis pelos danos ambientais.

Entre as empresas notificadas estavam grandes varejistas. Entre os frigoríficos processados aparecia um dos maiores do país, o Bertin, que comprou gado de fazendas com crimes ambientais. Entre as fazendas irregulares, nove pertencem a Agropecuária Santa Bárbara, ligada ao banqueiro Daniel Dantas.

Apesar da chiadeira de produtores rurais e das bravatas de seus parlamentares ruralistas, o varejo respondeu à ação. Por exemplo, redes de supermercados, como Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar, acataram as recomendações, pressionando ainda mais os frigoríficos.

Com a insatisfação do varejo e do consumidor, frigoríficos e o governo do Pará assinaram, após um mês de negociações, termos de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal. Os acordos com os frigoríficos, como o Bertin e o Minerva, prevêem que estes passarão a exigir dos fornecedores a moratória total do desmatamento, o reflorestamento de áreas degradadas e o licenciamento ambiental. Também irão informar a origem da carne aos consumidores e ao MPF-PA, que vai verificar a existência de trabalho escravo, crimes ambientais e grilagem entre os fornecedores. No termo de compromisso entre o governo e o Ministério Público Federal há medidas como a implantação de cadastro informatizado de propriedades rurais e da Guia de Trânsito Animal Eletrônica no prazo de um ano. Uma auditoria independente, junto com uma comissão formada por dez procuradores, vai fiscalizar anualmente o cumprimento dos acordos, com monitoramento por satélite e vistorias nas propriedades.

Daniel esteve à frente de tudo isso, da pesquisa aos TACs, com o apoio dos outros colegas procuradores da República. Ou seja, por cumprir a lei, proteger o meio ambiente e a gente da Amazônia, zelar pelo patrimônio público e garantir que os consumidores brasileiro e mundial não financiem a destruição do Pará, ele foi ameaçado.

Em outro lugar, ganharia uma medalha.

Reconhecido como um dos mais atuantes membros da bancada ruralista no Congresso, Abelardo Lupion, recebeu R$ 2 mil da Jorge Mutran Exportadora para sua última campanha eleitoral ao Congresso. Pouco. Mas, ao mesmo tempo, muito. A empresa é proprietária da fazenda Castanhal Cabaceiras, de onde já foram libertadas mais de cem pessoas em ações do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A propriedade figurou por anos na “lista suja” do trabalho escravo - cadastro do governo federal que relaciona as fazendas que comprovadamente utilizaram esse tipo de mão-de-obra. A Cabaceiras fica no Pará, distante da base política de Lupion.

Lupion também é um dos principais opositores da Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001, conhecida como “PEC do trabalho escravo”. Ela prevê o confisco de terras onde for cometido esse crime e sua posterior destinação a projetos de reforma agrária. Em agosto de 2004, a PEC foi votada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, tendo sido aprovada com 326 votos. Na ocasião, Lupion foi um dos dez parlamentares que votaram contra a medida. Desde então, a PEC está parada na Câmara por pressão da bancada ruralista.

Com relação à doação de campanha recebida, ele explicou à Repórter Brasil na época que defende o agronegócio e recebe doações de várias pessoas deste setor, não havendo como investigar o passado de cada uma delas. “Em momento nenhum ele sabia dos problemas envolvendo a empresa”, disse em nota a assessoria do deputado, que atestou ainda o total repúdio do parlamentar contra quem pratica esse crime.

Faz parte das regras da democracia grupos, categorias ou classes elegerem representantes que defendam os seus interesses. Não é crime ser financiado por empresas que utilizaram mão-de-obra escrava ou expulsaram índigenas. Também não é crime, uma vez eleitos, defenderem essas empresas. Em 2006, grandes companhias, como a Vale, elegeram bancadas através de suas doações maiores do que muitos partidos políticos.

Não é ilegal, mas dependendo do comportamento desses representantes pode ser imoral. Pois estes, na defesa do interesse de poucos, acabam passando por cima de leis, convenções internacionais e dos mais básicos preceitos dos direitos humanos para beneficiar os seus doadores. Para saldar a dívida, mantêm milhares de pessoas à margem da cidadania. No limite, podem cometer um crime se a defesa desses interesses tornar-se a razão de ser do parlamentar ou administrador público. Nesse caso, não se trata de atuação legal, mas sim da compra de serviços em função pública. Para garantir que isso não aconteça, a pressão da opinião pública é fundamental.

Quem acha que estou mentindo e quiser ouvir a frase do nobre deputado, é só clicar aqui e procurar o depoimento no horário 14:28:58.

E quem quiser ver outras frases de Abelardo Lupion contra os procuradores do Pará, entre neste vídeo no You Tube e avance para 7’30”. Ou, se tiver tempo, veja tudo e entenda um pouco mais sobre o discurso dos ruralistas no Brasil. Sugestão: escute o momento em que ele fala sobre a “melhor fazenda do Brasil” - segundo ele a Rio Vermelho, de propriedade de Roque Quagliato. Detalhe: a fazenda foi palco de libertação de escravos no Pará. Se essa é a melhor, imagine a pior.
fonte:Blog do Sakamoto.

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