Maurice Lemoine (Le Monde Diplomatique)
Um projeto de lei apresentado em 8 de Setembro pela presidente chilena Michelle Bachelet propõe revogar “à Lei da reserva do cobre” (Ley reservada del cobre). Estabelecida sob o governo do general Augusto Pinochet (1973-1990), ela concede às forças armadas 10% dos rendimentos gerados pela exportação da principal riqueza do país: o cobre. Graças (ou devido) a esta medida herdada da ditadura, o Chile é o país latino-americano que gasta mais com seus militares - após o Brasil (imenso) e a Colômbia (envolvida num conflito). Seu orçamento da defesa não parou crescer de maneira impressionante nestes últimos anos, colocando o país em 12º lugar na lista dos maiores destinatários mundiais de armamentos no período 2003-2007 (4,9 bilhões de dólares em 2007).
Ao reincorporar novamente o orçamento militar ao orçamento nacional, a lei proposta pela Sra. Bachelet, se for aprovada, poderá permitir alocar uma parte importante dos rendimentos do cobre, geridos pela empresa pública Corporación del Cobre (Codelco), aos insuficientes e indispensáveis programas sociais.
A seu tempo - o da guerra fria - é o que queria fazer, e nivelar todas as coisas, Salvador Allende. Eleito em 4 de Setembro de 1970, partidário do socialismo democrático, nacionalizou os bancos, a grande indústria e… as minas de cobre (propriedade das multinacionais americanas). Todos sabemos o que ocorreu. O presidente Richard Nixon e o seu secretário d` Estado Henry Kissinger deram instruções diretas à Central Inteligência Agency (CIA) para “quebrar a economia chilena” (“make the economy scream”). Greves (em especial dos caminhoneiros) e manifestações sucedem-se à direita do governo da União Patriótica (UP), ocupações de terras e de fábricas multiplicam-se à sua esquerda, o que dificulta a sua ação. Enquanto uma campanha mediática odiosa e frequentemente mentirosa, efetuada pelo diário El Mercurio, prepara o terreno, o Estado-maior do golpe reúne a organisação fascista Pátria e Liberdade, o Partido Nacional e os oficiais putschistas. O embaixador americano Harry Schlaudeman - que participou da invasão da República Dominicana em 1965 - assegura a coordenação entre os militares chilenos e a CIA.
Em 11 de Setembro de 1973, a esquadra entra em Valparaiso e o exército ataca o palácio presidencial de La Moneda. É de lá de que Allende emite seu último discurso, transmitido pela Rádio Magallanes: “Vão certamente fazer calar Rádio Magallanes e vocês não poderão mais ouvir o som metálico da minha voz tranquila. Pouco importa, continuarão a me ouvir, continuarei perto de vocês, terão pelo menos a lembrança de um homem digno que foi leal à pátria. O povo deve defender-se e não sacrificar-se, não deve deixar-se exterminar e humilhar. (...) Vão em frente, sabendo que logo se abrirão grandes avenidas onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor. (...) Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os trabalhadores! São as minhas últimas palavras, tenho certeza que o sacrifício não será vão e que ao menos será uma punição moral para a covardia e a traição”.
Antes de render-se, Allende cometeu o suicídio. O documentário “Heróis frágeis” de Emilio Pacull retorna a esses acontecimentos. Nesta viagem íntima ao passado, cujo subtítulo “Chile 1973, assunto não classificado”, Pacull, após uma longa ausência, lança-se sobre os vestígios deixados por seu sogro, Augusto Olivares, colaborador próximo de Allende o qual, ele também, é tido como morto no palácio de La Moneda em 11 de Setembro de 1973. Através de arquivos, extratos de filmes de ficção, entrevistas com vítimas, militantes, antigos filiados à Unidade Popular e dos atores (arrependidos ou não) do golpe de Estado, Pacull produziu um trabalho de investigação notável. Permite igualmente (re) descobrir, ao vivo poderia-se dizer, o papel do patronato chileno, dos meios de comunicação social e dos Estados Unidos, nesta página notável da história que transportou o Chile da utopia socialista “ao paraíso” neolibéral.
Heróis frágeis, d` Emilio Pacull, Edições Montparnasse, 2009, 83 minutos. Disponível em nossa loja na Internet ao preço de 20 euros - boutique@monde-diplomatique.fr
Maurice Lemoine (jornalista)
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