"Temos, em nossas células, restos de algum tiranossauro ou pterossauro, de uma ameba primordial, de uma libélula extinta. No ciclo do carbono, uma estrela é a mãe de todos e a vida inteira é uma grande família, unida pela química que nos permite existir", escreve Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 13-09-2009.
Eis o artigo.
Esta história começa há muito tempo, há 5 bilhões de anos, mais ou menos. Perdida no espaço, nos confins de uma galáxia qualquer, uma gigantesca nuvem de hidrogênio flutuava calmamente, girando em torno de si mesma. Perto dela, se é que dezenas de anos-luz podem ser considerados "perto", uma estrela já bem velha, com mais de 1 bilhão de anos, começou a entrar em pane.
A energia que essa estrela fabricava nas suas entranhas já não bastava para contrabalançar a sua ânsia de implodir, como ordena a gravidade, essa força que nunca dorme. A estrela, enorme, começou a pulsar violentamente e, após muitas convulsões, explodiu com uma violência tremenda, expelindo suas entranhas pelo espaço.
Nelas, estavam os vários elementos químicos que hoje organizamos na tabela periódica, do hidrogênio e hélio ao carbono, oxigênio, ferro e urânio. Essa poeira estelar, empurrada pela força da explosão, viajou pelo espaço afora, até se chocar com a nuvem de hidrogênio, aquela que, até então, flutuava calmamente.
A nuvem, perturbada pela onda de choque, entrou em colapso, semeada por todos os elementos químicos que haviam sido forjados na estrela já defunta. Aos poucos, a matéria dessa nuvem foi se concentrando no plano equatorial, feito uma grande pizza. No meio dela, nascerá o Sol. Ao seu redor, vão se formar os planetas, recheados de átomos de carbono, oxigênio, nitrogênio, ferro... Os mais próximos ao Sol, onde é mais quente, serão planetas rochosos, como a Terra e os seus vizinhos, Marte e Vênus, e o pequenino Mercúrio. Os mais distantes, onde é mais frio, coletam também muito hidrogênio e hélio e crescem muito, virando os planetas gigantes Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Na Terra, a presença de água líquida e de uma atmosfera agitada e repleta de gases permite que compostos químicos, feitos principalmente de carbono, comecem a marcha em direção à vida. São eles, os ditos compostos "orgânicos", que vão se tornar parte dos primeiros seres vivos e de todos os seus descendentes. Inclusive nós, humanos. Especial, essa Terra.
Com uma grande Lua circulando ao seu redor, seu giro em torno de si mesma, como o de um pião, fica equilibrado em um ângulo de 23,4. Caso não houvesse Lua, não teríamos esse equilíbrio e não teríamos as estações do ano e a presença constante de água líquida. É difícil imaginar vida complexa aqui sem o calor moderado e a água.
Pois as temperaturas amenas da Terra propiciam as reações químicas que levam simples átomos de carbono a se combinar com mais átomos de carbono, de oxigênio, de hidrogênio, de fósforo e de nitrogênio, formando as moléculas da vida, as proteínas e os ácidos nucleicos. Tudo isso, claro, usando o carbono forjado naquela estrela que morreu e nos cedeu suas entranhas, nossa vizinha cósmica.
Esse carbono é o fundamento da vida. Todos os seres vivos, todas as células contêm esse elemento. Depois da água, somos essencialmente feitos de carbono. Parte desse carbono é continuamente reciclada, passando de animal a animal, de planta a animal e de animal à planta: das escamas de um peixe às folhas de uma samambaia, das asas de uma borboleta ao seu nariz. Cada um de nós carrega consigo alguns dos átomos de carbono que, outrora, pertenciam aos nossos distantes ancestrais que viveram há bilhões de anos, seres que hoje nos parecem primitivos e exóticos.
Temos, em nossas células, restos de algum tiranossauro ou pterossauro, de uma ameba primordial, de uma libélula extinta. No ciclo do carbono, uma estrela é a mãe de todos e a vida inteira é uma grande família, unida pela química que nos permite existir.
Fonte:IHU
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