Por Mauro Santayana
O mundo seria perfeito se todos os parlamentares e todos os jornalistas ou, melhor ainda, todos os seres humanos fossem feitos apenas de virtudes, poupados daquilo que a vida define como vícios e pecados. Os Estados e suas instituições, como os governos e a justiça, seriam dispensáveis. Os anarquistas sonham com algo parecido, mas os anarquistas, bem ou mal, reduzem o problema à economia, à exploração do trabalho e, quando muito, avançam nas manifestações eróticas, quando propõem o amor livre. “Aqui ni Dios se va a piantar el dia del reparto a la romana, y hasta tendrás que entregar a tu hermana para la comunidad”, profetiza o tango argentino Si viene la marola, de Battistela, composto em 1918, um ano rico para o anarquismo continental. Mais ainda: os anarquistas apelam para a violência como o principal instrumento de realização política.
O senador José Sarney está reduzindo o grande problema do Estado contemporâneo – que é o da legitimidade do poder – ao conflito entre os meios de comunicação e o Parlamento. Essa legitimidade é maculada pela influência do poder econômico, pela presença de senadores suplentes, sem terem sido nominalmente votados, pela promiscuidade entre os poderes. Os meios de comunicação, desde que existem, têm sido, entre outros, instrumentos adequados para fiscalizar a ação dos homens públicos. Assim, muitos deles são justos, e outros, cruéis agentes da injúria, da difamação e da calúnia, além de promover golpes de Estado, como em 1964. Na Grécia, a mídia era a dos poetas e do teatro, e não perdoava os que estivessem em evidência, fossem políticos, ou não. O grande Sócrates foi alvo de séria acusação de Aristófanes, envolta em ironia, na conhecida comédia As nuvens. O filósofo foi acusado de corromper os jovens e de jogá-los contra a autoridade dos pais, mediante o ensino de filosofia. A peça não só incitou grande parte dos cidadãos contra Sócrates como orientou os seus acusadores no processo a que foi submetido e pelo qual o condenaram à morte. Em um dos mais terríveis paradoxos da História, a liberdade de pensar de Aristófanes levou o maior e mais livre pensador do Ocidente ao copo de cicuta.
Tanto como hoje, havia, naquele tempo, os que usavam de seu talento para promover os que lhes pagavam para isso (eram os image makers de hoje), como o grande poeta Pindaro, que fazia o elogio dos campeões olímpicos. Os meios de comunicação ampliam o pensamento e a voz dos homens, não constituem uma categoria à parte da natureza humana. Eles expressam os sentimentos e os interesses legítimos, da mesma forma que acolhem o ressentimento, o ódio, a ignomínia. E tiveram, não obstante os cartéis e monopólios, uma tendência democrática. Sem imprensa não teria havido as grandes revoluções no pensamento e na ação dos homens, como o Renascimento, o Iluminismo, a República Americana, nem a Revolução Francesa. Sem os jornais que circularam no Rio, no reinado de dom João VI e nos meses decisivos de 1821, a independência não ocorreria quando ocorreu.
Em Roma, bem ao lado da Piazza Navona, atrás da Embaixada do Brasil, está o busto, sem braços, de anônimo romano, encontrado nas escavações de 1501. Nele, os cidadãos colocavam (e, de vez em quando, ainda colocam) pedaços de papel, criticando as autoridades e desfazendo reputações. Deram-lhe o nome de Pasquino, de onde os jornais satíricos retiraram sua denominação generalizada. Hoje, o torso de Pasquino, no qual os romanos colavam seus textos, se transformou na tela dos computadores, via internet. E, não obstante a vontade de muitos, esse meio, o mais democrático de todos, veio para ficar.
Para nós, jornalistas, seria melhor a democratização dos meios de comunicação, sem os monopólios e cartéis que dominam o mercado da notícia e da opinião. Temos, muitos de nós, a esperança de que a internet continue a possibilitar o amplo debate das questões do Estado e da sociedade. Hoje, qualquer cidadão pode informar e opinar, o que esvazia a influência dos grandes cartéis e monopólios internacionais, como o do senhor Murdoch e seus êmulos menores. Mas sempre restará a autoridade e a credibilidade de alguns jornalistas, que procuram dar orientação ética a seu trabalho.
A crise do Estado é a crise de uma civilização que perdeu a noção de Protágoras, de que o homem é a medida de todas as coisas. De todas as coisas que são, enquanto são; de todas as coisas que não são, enquanto não são.
Fonte:JB
Nenhum comentário:
Postar um comentário