Mauro Santayana (Jornal do Brasil)
Quando, em outubro de 1953, o presidente Vargas sancionou a Lei 2.004, criando a Petrobras, o Brasil importava 95,6% de todos os derivados do petróleo que consumia: gasolina, querosene, óleo diesel, óleo combustível, gás liquefeito, aguarrás, óleo lubrificante – e outros produtos. As refinarias, que eram privadas, só tinham capacidade de transformar 2.300 barris de petróleo bruto por dia – que equivaliam a 3% de nossas importações totais do combustível. Produzíamos, em poços pioneiros, apenas 2% de petróleo bruto. Naquele momento, a prioridade era construir grandes refinarias no país – a fim de comprar mais petróleo bruto do que derivados e, assim, aliviar o peso das importações de energia. Conforme relata o general Arthur Levy – o segundo presidente da Petrobras (Juracy Magalhães foi o primeiro) – em seu livro Energia não se importa, as compras de derivados eram crescentes, e absolutamente necessárias ao desenvolvimento do país. Não tínhamos outra saída que não fosse a do endividamento. Chegaria o momento em que o país se tornaria inviável, pela impossibilidade de gerar recursos para a administração dos compromissos internacionais. A Petrobras foi, assim, uma imposição da necessidade.
O projeto enviado pelo governo ao Congresso, para a exploração do petróleo do pré-sal autoriza a continuação dos leilões de áreas, também para o pré-sal. Isso significa que as empresas petrolíferas internacionais aumentarão a sua presença na exploração do óleo, com a consequente exploração intensiva dos lençóis do pré-sal. Essa situação trará outro efeito colateral perigoso para o futuro estratégico do país. Haverá entrada brusca de divisas e, conforme quem ocupar o governo, esse dinheiro, não sendo absorvido pelas necessidades de investimento, acabará aplicado em títulos do Tesouro dos Estados Unidos ou em bancos europeus. Haverá, ainda, outra sangria de divisas, com a remessa de lucros. A velha sabedoria aconselha não ir tão depressa ao poço.
Há outra realidade que não está sendo considerada. Hoje, 78% das reservas mundiais de petróleo estão sendo exploradas por empresas estatais ou sob controle acionário dos estados. As grandes petroleiras multinacionais deixaram a posição predominante que ocupavam há meio século. O discurso neoliberal perdeu o argumento da modernidade. Se as empresas estrangeiras entrarem no pré-sal, com sua forma intensiva de exploração, as reservas poderão esgotar-se em 13 anos, segundo a Aepet. A Petrobras dispõe de tecnologia e de recursos. Se for necessário, ela pode obter recursos no mercado financeiro internacional, para tocar sozinha o projeto. Quem tem petróleo, e sabe explorá-lo, tem crédito favorecido.
Antes mesmo que se intensifique a exploração do novo lençol petrolífero, os estados produtores brigam para manter a sua posição privilegiada na distribuição dos royalties. Esses estados já se beneficiam da presença da Petrobras, que, por si só, promove o desenvolvimento econômico e social nas regiões em que atua. O que ocorre em Macaé é disso exemplo. A Federação já sofre de profundos desequilíbrios regionais. É preciso manter a cautela, a fim de não criar novo conflito federativo. Talvez a posição do governador Aécio Neves tenha sido a mais sensata, ao dizer que, sim, os estados produtores devem ter um quanto a mais, pelos investimentos públicos que a exploração exigirá, e pelos prováveis danos ambientais. Mas o petróleo é um bem nacional, não estadual, e todos os brasileiros terão de ser beneficiados com os resultados da exploração. Se isso ocorrer as novas jazidas o petróleo do pré-sal pode esgotar-se em 13 anos de exploração intensiva.
O caso Battisti
A extradição de Cesare Battisti é mais do que um problema de natureza jurídica. Trata-se de uma questão de soberania nacional. Asilar ou não alguém é prerrogativa de qualquer estado soberano. Se Battisti cometeu crimes – como alega o governo italiano – ele os cometeu ao participar de movimento de natureza política, como se sabe. É muito difícil distinguir o que é, nesses casos, crime político, ou não.
A Itália tem sido insolente ao exigir do Brasil que lhe entregue Battisti. Se não fosse por outra razão – e há outras – deveríamos negar o pedido da Itália, como afirmação de dignidade e resposta à protérvia de seu governo. É isso que se espera do presidente da República, que tem, sobre o que decidir o STF, a prerrogativa de conceder ou não o asilo.
Mauro Santayana é jornalista e colunista do Jornal do Brasil.
Publicado originalmente: Jornal do Brasil (11/09/09).
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