terça-feira, 8 de setembro de 2009

REFLEXÕES DE FIDEL - A dupla traição da Philips.

OS Estados Unidos são os maiores proprietários de patentes do mundo. Roubam cérebros de todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, que fazem pesquisas em diversos setores, desde a produção de armas de extermínio em massa até de medicamentos e equipamentos médicos. Por isso, o bloqueio econômico e tecnológico não é um pretexto para culpar o império das dificuldades próprias.

A saúde pública é uma das áreas na qual o nosso país avançou mais, apesar de que os Estados Unidos roubaram quase 50% dos médicos formados na única universidade de Cuba, que eram mais de 5 mil, muitos dos quais não tinham emprego.

Nesse setor foi escrita uma das páginas mais brilhantes da cooperação internacional da Revolução Cubana, iniciada com o grupo de médicos que foi para a recém-independente Argélia, há quase meio século. Aquela política continuou e, nessa área tão humana, o nosso país goza de reconhecimento universal.

Que ninguém pense que foi uma tarefa fácil. Os Estados Unidos fizeram o possível para impedi-lo. No tempo decorrido, fizeram o máximo esforço para sabotá-la. Aplicaram contra Cuba todas as alternativas possíveis de seu criminoso bloqueio econômico que, mais tarde, em virtude da Lei Helms Burton, ganhou caráter extraterritorial durante a administração de Bill Clinton.

Depois do desmoronamento do bloco socialista e quando, meses mais tarde, o seu principal baluarte, a União Soviética, se desintegrou, Cuba decidiu continuar lutando. Nesse tempo, nosso povo possuía um alto nível de consciência e de cultura política.

Em 1992, Hugo Chávez chefiou o levante militar contra o governo oligárquico burguês do pacto de Ponto Fixo, que durante mais de três décadas saqueou a Pátria de Bolívar. Foi preso igual que nós. Visitou Cuba em 1994 e, anos mais tarde, com pleno apoio de seu povo, chegou à presidência e deu início à Revolução Bolivariana.

O povo da Venezuela, da mesma forma que o povo de Cuba, teve que encarar imediatamente a hostilidade dos Estados Unidos, que programaram o golpe de Estado fascista em 2002, derrotado pelo povo e pelos militares revolucionários. Meses depois, aconteceu o golpe petroleiro, que foi o momento mais difícil, no qual brilharam novamente o líder, o povo e os militares venezuelanos. Chávez e a Venezuela ofereceram-nos toda a solidariedade durante o Período Especial, e nós lhe oferecemos a nossa.

Naquela data, o nosso país tinha não menos de 60 mil médicos especializados, mais de 150 mil professores experientes e um povo que havia escrito brilhantes páginas internacionalistas. Depois do golpe petroleiro, começou o mar de nossos cooperadores para os programas de educação e saúde e cooperaram com a Revolução Bolivariana num dos mais profundos e rápidos programas sociais executados num país do Terceiro Mundo.

Mencionou tudo isso, porque é indispensável para julgar a perfídia do imperialismo e compreender o tema que hoje vou abordar: a claudicação e a traição a Cuba e à Venezuela por parte de quem foi uma conhecida e relativamente prestigiosa transnacional europeia: a transnacional holandesa Philips, especializada no fabrico de equipamentos médicos.

A respeito do tema escrevi uma Reflexão há dois anos, em 14 de julho de 2007, mas eu não quis mencionar seu nome. Ainda tinha esperança em que ela retificasse.

Tínhamos cooperado com o povo da Venezuela para criar um dos melhores sistemas de saúde. Dezenas de milhares de médicos especializados e outros profissionais cubanos da saúde lá prestaram seus serviços. O presidente Hugo Chávez, satisfeito com o trabalho dos primeiros contingentes que foram para a Venezuela com vista a trabalhar no Bairro Adentro, programa destinado a levar os serviços de saúde para as zonas urbanas e agrícolas mais pobres do país, numa de suas visitas a Cuba nos solicitou a criação de um programa que pudesse beneficiar todas as camadas da população venezuelana da classe pobre, média ou rica. Surgiram assim os Centros de Diagnóstico de Alta Tecnologia. Eles completariam a tarefa dos 600 Centros de Diagnóstico Integral que, como policlínicas de amplos serviços, com seus laboratórios e equipamentos, apoiariam os consultórios do Bairro Adentro. Um número elevado de centros de reabilitação assumiria a humana tarefa de encarar qualquer tipo de deficiência física ou motora.

Em virtude dessa solicitação do presidente, adquirimos os equipamentos necessários para 27 Centros de Diagnóstico de Alta Tecnologia, distribuídos pelos 24 estados venezuelanos, três dos quais, por sua elevada população, com dois deles.

Nossa norma é contratar sempre o equipamento médico com as firmas mais prestigiosas e avançadas em nível mundial. Inclusive, procuramos que nos fornecimentos dos equipamentos mais complexos participem, pelo menos, duas das firmas mais especializadas.

Desta maneira, os equipamentos mais sofisticados e custosos de imagenologia, como o tomógrafo computadorizado multicorte, a ressonância nuclear magnética, o ultrassom diagnósticos e outros semelhantes foram adquiridos da firma alemã Siemens e da holandesa Philips. Nenhuma delas produz, certamente, todos os equipamentos, mas sim alguns dos mais complexos e sofisticados. As duas deviam competir em qualidade e preço. Compramos meios de diagnóstico às duas firmas para a Venezuela e para Cuba, onde desenvolvíamos um plano semelhante de serviços médicos, que durante os anos de pleno Período Especial tinha recebido muitos poucos recursos.

Em mais de 10 especialidades diferentes adquirimos equipamentos de ambas as firmas para os serviços dos dois países. Não mencionarei os da firma alemã Siemens, que cumpriu seus compromissos. Vou apenas referir-me à Philips; ela forneceu equipamentos para serem utilizados em 12 especialidades, nas quais compartilhou com a outra firma os mais importantes e custosos: 15 tomógrafos de 40 cortes, 28 de ressonância magnética nuclear de 0,23 tesla, oito mesas telecomando para Urologia, 37 ultrassons diagnósticos 3D, dois angiógrafos de neurologia, dois angiógrafos de cardiologia, dois polígrafos, uma câmara gamma de cabeçote duplo, três câmaras gamma de cabeçote simples, 250 raios-X móveis, 1.200 monitores não invasivos e 2 mil monitores-desfibriladores.

No total, 3.553 aparelhos, por um valor de US$72,7 milhões.

Participei pessoalmente da negociação destas compras com as duas firmas.

Os preços discutidos equipamento por equipamento implicavam importantes reduções de preço, visto que eram pagos à vista e em quantidades elevadas, além dos destinados a Cuba e à Venezuela. De outra maneira, não podiam ter sido adquiridos com tanta urgência, especialmente nesse país, devido às necessidades dos setores mais pobres de sua população, que já ultrapassava 27 milhões de pessoas.

Os aparelhos mais complexos seriam destinados aos Centros de Alta Tecnologia, os menos complexos e abundantes aos Centros de Diagnóstico de Bairro Adentro, embora não fossem os únicos a serem utilizados nesses centros. Quase todos foram adquiridos no início de 2006.

Adoeci gravemente no final de julho desse ano. A Philips forneceu peças até o final de 2006. Em 2007, suspendeu completamente o fornecimento: nem uma só peça foi fornecida.

No mês de março desse ano, uma representação cubana foi para o Brasil, onde estava a sede do escritório principal da companhia Philips para a América Latina que negociou com Cuba. Explicaram suas dificuldades. O governo de Bush exigia deles informação pormenorizada dos equipamentos que a firma forneceu a Cuba, alegando que alguns deles continham programas e nalguns casos componentes de patente ianque, e a Philips forneceu a informação solicitada acerca dos comprados a essa firma para Cuba e a Venezuela. Jamais tivemos problemas com ela.

O gerente da Philips no Brasil disse textualmente à representação cubana: "O governo dos Estados Unidos é intransigente quanto às regulamentações dos equipamentos e às solicitações de licenças em relação a Cuba."

"Eu sei que o problema afeta o plano do comandante. Nossa organização está afetada e ameaçada. Todas nossas organizações têm muito medo". E repete logo: "têm muito medo".

Acrescentaram finalmente que eles queriam cooperar e buscariam fórmulas.

Em meados de julho de 2007, numa chamada Conferência da Casa Branca sobre as Américas, Bush, a secretária de Estado e outros líderes do governo dos Estados Unidos "falaram até pelos cotovelos", segundo anunciava a AP, sobre educação e saúde. Parecia irreal. Prometiam distribuir saúde pela América Latina.

Todos eles salientaram o Confort, um velho porta-aviões convertido, segundo Bush, "no maior navio hospital do mundo", que faria uma visita de 10 dias a cada país deste hemisfério no sul dos Estados Unidos. Esse era seu programa de saúde. O que ele não disse é que estava sabotando na Venezuela o programa de saúde mais sério que jamais se tinha proposto num país do Terceiro Mundo.

Apesar da coincidência da data, eu não quis abordar diretamente nesse momento o problema da Philips. Ela prometeu resolver o problema para o mês de março. Ainda tinha esperança de que retificasse.

Nessa mesma Reflexão limitei-me a escrever: "O problema é que os Estados Unidos não podem fazer o que Cuba faz. Contudo, pressiona brutalmente as firmas produtoras de excelentes equipamentos médicos fornecidos a nosso país para impedir que sejam restituídos certos programas computadorizados ou algumas peças de reposição com patentes dos Estados Unidos. Posso mencionar casos específicos e o nome das firmas. É nojento…"

Apesar da solene promessa da Philips a Cuba, decorreu o resto do ano de 2007, os 12 meses de 2008 e quase a metade de 2009 sem que uma só peça dos equipamentos chegasse dessa firma.

Em junho de 2009, após pagar ao governo de Barack Obama uma multa de 100 mil euros, não muito afastado das normas de seu ilustre antecessor, a Philips dignou-se de comunicar que em breve forneceria a Cuba as peças de seus equipamentos.

No entanto, ninguém ressarciu os cubanos, nem os pacientes venezuelanos de nossos médicos de Bairro Adentro e dos que freqüentam os Centros de Diagnóstico de Alta Tecnologia, do dano humano ocasionado.

Como é lógico, desde a última compra no início de 2006, não adquirimos da Philips mais nenhum equipamento.

Por outro lado, cooperamos com a Venezuela na compra de centenas de milhões de dólares de equipamentos médicos para sua rede nacional de saúde, com uma diversidade de equipamentos sofisticados de alta tecnologia procedentes de outras firmas europeias prestigiosas, e também japonesas. Desejava crer que essa firma faria um esforço para cumprir.

Desta maneira, a Venezuela possui moderníssimos equipamentos em sua rede hospitalar estatal; as mais ricas clínicas privadas só poderiam adquirir alguns deles. O que resta dependerá agora da eficiência que o país possa atingir em seus serviços. O presidente da Venezuela tem muito interesse em conseguir esse objetivo. Acho que faria muito bem se mitigasse o hábito venezuelano de adquirir equipamentos médicos norte-americanos, não por sua qualidade, que é boa, mas com normas menos exigentes que as da Europa, senão pela entranha da política desse país, capaz de bloquear o fornecimento de peças, mesmo como fez com Cuba.

Com certeza, enviamos aos Centros de Diagnóstico da Venezuela, os de Alta Tecnologia e outros atendidos por nossos médicos, equipamentos de marcas reconhecidas no mundo como as melhores em sua especialidade como Siemens, Carl Zeiss, Drager, SMS, Schwind, Topcon, Nihon Kohden, Olympus e outras da Europa e do Japão, algumas das quais foram criadas há mais de 100 anos.

Agora que a Pátria de Bolívar, à qual Martí pediu servir, está mais ameaçada que nunca pelo imperialismo; a organização, o trabalho e a eficiência de nosso esforço devem ser superiores, e não só no setor da saúde, mas também em todas as áreas de nossa cooperação.
Fonte:Granma Internacional

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