Mair Pena Neto
Rio - O jornalista Claudio Bojunga, companheiro dos tempos de Jornal do Brasil e autor de excelente livro sobre JK, fez uma série de reportagens sobre a Venezuela, in loco, que vem sendo exibida pela TV Brasil, tratando do conflito midiático que se estabeleceu no país vizinho entre os meios de comunicação tradicionais e o governo de Hugo Chávez.
Mais uma boa iniciativa da TV Brasil, cuja programação é ignorada pelos grandes meios de comunicação e seus sites, que não perdem um capítulo dos deprimentes reality shows, mas são incapazes de divulgar e abordar decentemente produções de qualidade, como a minissérie “A Era das Utopias”, de Silvio Tendler, diretor, entre outros documentários, de “Os Anos JK” e “Jango”. A minissérie foi exibida em agosto/setembro pela TV Brasil.
Pois em um dos depoimentos captados por Bojunga, uma socióloga venezuelana, ao abordar a dificuldade de convivência entre Chávez e os meios, diz que o perdão não se decreta. Ela se referia à participação direta da grande imprensa da Venezuela na tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, que só foi abortada, apesar do aval norte-americano, pelo apoio popular ao presidente eleito.
Essa frase me veio à cabeça ao ler a revelação de um ex-agente do DOI-Codi de que o ex-deputado Rubens Paiva, depois de preso, torturado e morto, foi esquartejado para que seu corpo não fosse encontrado. Mais grave, Rubens Paiva não foi o único, e pelo que o ex-agente Marival Chaves contou ao cineasta Jorge Oliveira, autor de filme sobre a tortura e morte do operário Manoel Fiel Filho, havia até uma competição entre os torturadores sobre quantos pedaços iam render os corpos das vítimas dos porões da ditadura militar.
A anistia ampla, geral e irrestrita, proclamada em 1979, foi exatamente um decreto que buscou estabelecer o perdão. Mas como observou a socióloga venezuelana, perdão não se decreta, sobretudo quando envolve atos desumanos como a prática sistemática da tortura. A anistia pode absolver militares e policiais que cumpriam o seu dever legal, mas não crimes contra os direitos humanos, como a tortura e o esquartejamento de corpos.
O engenheiro Rubens Paiva era um deputado federal cassado, que tentou se manter no país após um tempo de exílio até ser sequestrado em sua casa, levado para instalações da aeronáutica e depois para o Doi-Codi, onde foi torturado, morto e, sabe-se agora, esquartejado. Em um de seus livros, o filho do deputado, o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva, ao tratar da ausência do pai, lembra de pegar jacaré em suas costas na praia de Copacabana.
Rubens Paiva não pegou em armas para enfrentar a ditadura, Mesmo que o fizesse, nada justificaria a tortura. Sua prisão teria acontecido pela ajuda dada a Helena Bocayuva, envolvida no seqüestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, que se encontrava no Chile. A prisão de pessoas que traziam carta de Helena para Rubens levou os órgãos de repressão a identificá-lo como contato indireto de Lamarca.
Rubens Paiva é até hoje um dos 140 desaparecidos políticos durante a ditadura que a história não pode esquecer. Sua foto está junto com a de outros brasileiros em uma campanha do governo por informações e documentos que traz a pergunta: “Como você se sentiria se não tivesse o direito de enterrar um filho?”
Para uma resposta sincera, o Brasil precisa levar a julgamento os responsáveis pelos atos de barbárie cometidos durante a ditadura. Chile, Argentina e Uruguai já fizeram isso sem abalos institucionais. Perdão não se estabelece por decreto.
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