Lejeune Mirhan *
Em uma visita meteórica, de menos de 24 horas, esteve em nosso país, pela
primeira vez na história, um chefe de Estado da Nação Persa. O presidente
iraniano, Mahmoud Ahmadinejad encontrou-se com o presidente Lula em
Brasília no último dia 23 de novembro. A imprensa – que Paulo Henrique
Amorim acertadamente chama de PIG, Partido da Imprensa Golpista – como
sempre, o demonizou. Cabe-nos, neste espaço, tentarmos entender o porquê
disso.
Uma nova farsa, uma nova mentira
Já se disse que uma mentira contada mil vezes torna-se uma verdade. Quanto
alemães acreditaram nos discursos vazios, extremistas, nazistas,
anti-semitas de Hitler? Como uma Nação inteira foi levada a um delírio
coletivo, para apoiar os massacres, as perseguições, o holocausto
perpetrado contra judeus, comunistas, ciganos e o povo alemão em si? Havia
um secretário de propaganda eficiente. Chamava-se Joseph Goebels. Um
expert, um verdadeiro profissional. Controlava a ferro e fogo toda a
mídia, as rádios e os jornais (a TV estava iniciando suas transmissões).
Vimos isso entre 2002 e 2003, quando da segunda agressão ao Iraque
perpetrada pelos EUA. O então secretário da Defesa, Collin Powell,
orientado por George W. Bush, o Júnior, a pregoou ao mundo inteiro que o
Iraque tinha “armas de destruição de massa” (letal weppons destruction).
Nenhuma agência de inteligência de qualquer potência ocidental atestava
isso. Mas a mídia, que tudo tenta controlar, vestiu “essa camisa”.
Propagava ao mundo essa versão fantasiosa, mentirosa. Pois, não é que após
a invasão em 19 de março de 2003 a mentira veio à tona? O mundo viu que
foi enganado, ludibriado. Mas, mesmo com as amplas mobilizações que
fizemos nas maiores cem cidades do planeta, que levaram ás ruas mais de 20
milhões de pessoas, não conseguimos barrar a invasão. Claro, muita coisa
mudou de lá para cá no mundo. A multipolaridade ampliou-se, a esquerda
avançou na América Latina, Obama venceu eleições contra os Republicanos,
ainda que siga decepcionando seus eleitores e o capitalismo de modelo
financeiro entrou em bancarrota. Mas, o Iraque segue ocupado e assim deve
ficar até final de 2011!
Desta feita, a “bola da vez” é a Nação Persa. O Irã tem sim um programa
nuclear. Inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica atestam as
suas finalidades pacíficas. O Irã tem o direito inalienável de deter o
ciclo completo da cadeia de enriquecimento de urânio, para fins
medicinais, científicos e energéticos. O Irã se compromete com isso em
todos os fóruns internacionais de que participa, mesmo optando em não ser
signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Os estados Unidos
possuem 11 agências de inteligência e de espionagem. Todas – vejam bem, eu
disse todas! – atestam por unanimidade que o programa nuclear iraniano não
tem capacidade de produzir uma só bomba sequer, pelo menos nos próximos
anos, mas ainda assim, toda a imprensa fala da bomba do Irã! Porque isso?
Dei uma entrevista para a rádio CBN, no programa de Heródoto Barbeiro
nesta segunda, quando Ahmadinejad já se encontrava em solo pátrio. Debati
com o ultraconservador e reaci onário professor da UFSM, Dennis Rosenfeld.
Este fez a defesa de que o programa iraniano era exclusivo para fins
militares e ele estava convicto disso. Eu disse que não. E que os
objetivos da visita do presidente do Irã ao nosso país, que muito nos
honra, somente servia para que o Brasil reafirmasse a soberania de sua
política externa que hoje é reconhecida em todo o mundo pelas maiores
nações. Menos no Brasil exatamente por essa mídia golpista.
Não é de se estranhar que o candidato queridinho da mídia, da direita, do
consórcio PSDB-DEM-PPS, que atende pelo nome de José Serra (uns chama de
Zé Pedágio outros ainda o chamam pelo seu nome verdadeiro de batismo, Zé
Chirico), estampou na primeira página do jornalão da família Frias, Folha
de São Paulo, o seu artigo onde chama Ahmadinejad de “ditador, visita
inaceitável e fraudador de eleições”! O que é inaceitável e mesmo
irresponsável é um pretenso candidato à presidente da República, dizer
quem um presidente legitimamente eleito – foram 60 milhões de votos no 2º
turno em 2006 – deve receber no pleno exercício do seu poder presidencial,
na aplicação da política externa de governo e de Estado, que o presidente
Lula vem exercendo. Isso é inaceitável e uma irresponsabilidade. Só nos
mostra e confirma a quem essa figura esta servindo na atualidade, a que
campo de forças ele se propõe a servir.
Tem razão o brilhante jornalista Paulo Henrique Amorim, em seu site
Conversa Afiada quando diz “o Irã tem um programa nuclear que provoca
suspeitas nos Estados Unidos e por consequência no PIG; Israel tem bombas
atômicas, o que não provoca suspeitas nos Estados Unidos e, por
consequência, no PIG” (1). O Irã reafirma ao mundo que seu programa
nuclear é pacífico. O Brasil confia nisso e a imensa maioria dos países do
mundo também. Menos os golpistas da mídia. Mas por quê?
O jornal Hora do Povo, em sua edição de 25 d e novembro, destaca na sua
primeira página algumas pistas par entendermos os porquês de tudo isso.
Diz lá a manchete “Adeptos do genocídio palestino atacam a política
externa brasileira”! Estou plenamente de acordo com isso. Falou-se que
Ahmadinejad negaria o holocausto judeu – e nunca fez isso – mas a mídia se
cala diante do holocausto palestino cometido diariamente contra Gaza e
moradores da Cisjordânia. Os que “protestaram” contra a presença de
Ahmadinejad no Brasil – uns gatos pingados em Ipanema e em Brasília –
portavam ostensivamente bandeiras de Israel e dos Estados Unidos!
Ora, as coisas assim se encaixam. Ahmadinejad é odiado pelas elites e pela
imprensa golpista porque atua num campo da política e do direito
internacional que da combate frontal ao imperialismo norte-americano.
Porque combate o modelo de financeirização do capital. Porque defende
alianças mais progressistas com governos e países de um campo mais
avançado. I sso é fato, por mais que a mídia tente esconder e escamotear.
Uma pena que setores iludidos e pretensamente de esquerda ainda caiam
nesse canto de sereia.
O Irã na atualidade
Os dos mais inteligentes e competentes jornalistas na atualidade, Antônio
Luis Monteiro Coelho da Costa, da revista Carta Capital, nos apresenta
dados interessante sobre o Irã atual, Nação moderna e progressista, apesar
dos problemas e de muito que se tem que modificar ainda (2):
• No Irã não se usa a burca típica do Afeganistão; quase não se vê também
o nigab (veu que cobre o rosto), ainda hoje obrigatório na Arábia Saudita,
nos Emirados do Golfo, no Iêmen, Paquistão entre outros;
• A participação das mulheres na sociedade iraniana é das maiores no
mundo. Na economia, chega a 40% (maior que no Chile, Egito, Turquia entre
outros); mais de 50% dos estudantes do ensino superior sã mulheres (igual
à Holanda e maior que Méxic o, Chile, Turquia e a maioria dos países
muçulmanos);
• Mesmo sendo questionado o modelo de eleições iranianas, onde o clero
islâmico tem grande poder e influência, não há nada igual, nem de longe,
nos países árabes, monárquicos – a imensa maioria – onde o povo quase
nunca é chamado a votar;
• O Ocidente reverbera denúncias de fraude sem comprovação alguma, mas
pouco destaque deu à monumental fraude no Afeganistão, onde o queridinho
da mídia, Hamid Garzai – segundo a revista Vogue, um dos homens que melhor
se veste no mundo – foi “reeleito” na base do “bico de pena”, no tapetão;
• O Irã é um país moderno, industrializado, com renda per capita maior que
a nossa, que a da África do Sul, da Tailândia, entre outros;
• Em fevereiro do ano passado colocou em órbita, com recursos e tecnologia
própria, um satélite de comunicação, o primeiro no mundo muçulmano;
• Suas montadoras de veículos fabricam ma is carros que a Itália (um
milhão de carros);
• 35% dos iranianos tem acesso à Internet, menos que o Brasil e este ano
as projeções são de que atinjam 48%;
• A região metropolitana da Grande Teerã tem 13 milhões de habitantes, com
moderna rede de metrô e de transporte público, muito superior a qualquer
capital brasileira;
• Ao contrário do que diz a “revista” (folheto de propaganda) Veja, da
família Civita, o Irã e seus mulás (clérigos da hierarquia islâmica), não
querem a “volta à idade média”; ao contrário; querem a modernização, ainda
que sob seu controle;
• Ainda que 98% sejam islâmicos no país, nem todos são persas (apenas 51%,
como Ahmadinejad; uma segunda etnia forte e grande é a azeri, do líder
espiritual Ali Khamenei, que sucedeu Khomeini, que era persa;
• Ao contrário de Israel, do Paquistão e mesmo do Iraque, na época de
Saddam Hussein, o Irã nunca atacou seus vizinhos em nenhum momento ou
reivindicou qualquer de seus territórios;
• É verdade que metade dos 80 mil judeus que moravam no Irã há 30 anos,
quando da eclosão da Revolução Islâmica, emigrou para outros países; mas,
os que lá permaneceram, até lutaram para derrubar a monarquia fascista do
Xá Reza Pahlevi em 1979 e defenderam o aís dos ataques iraquianos entre
1980 a 1988; e hoje vivem um clima de ampla liberdade, sem nenhuma
restrição ao seu culto, à sua educação judaica, às suas viagens e até seu
principal líder, Haroun Yashayaei até criticou Ahmadinejad – sem ser
punido! – por este questionar o holocausto.
Enfim, poderíamos nos estender a outros aspectos positivos da vida
política, cultural e social do social da República Islâmica do Islã. Mas
não será necessário. O ponto central é em torno de quem orbita esse
pequeno gigante, imenso produtor de petróleo hoje no mundo. O Irã não faz
o jogo dos estados Unidos. Muito ao contrário. Dá-lhe fronta l combate.
Ahmadinejad articula suas alianças hoje com a Venezuela de Chávez, a
Bolívia de Evo e, claro, com o nosso Brasil sob o comando do presidente
Lula. Se não fosse isso, não seria tão demonizado com vem sendo feito por
essa imprensa golpista. Que tenta mentir ao mundo que á é uma ditadura, as
eleições foram fraudadas e que o Irã quer a bomba. Tudo mentira.
Já nos primeiros anos do meu curso de Ciências Sociais – e já se vão 30
longos anos – na disciplina de Antropologia aprendi um conceito que a nós,
sociólogos, nos é muito caro. O de “relativismo cultural”. Significa que
devemos ver as outras nações, as outras culturas, as outras civilizações,
diferentes das nossas, com um relativismo, procurando encarar seus hábitos
e costumes com naturalidade, sem arrogância e sem a prepotência de achar
que nossa cultura Ocidental é melhor e deve ser seguido por todos os povos
da humanidade.
O povo do Irã escolheu esse caminh o de forma soberana, autônoma, com
liberdade. Fizeram uma Revolução em 1979, ainda que com rumos que eu até
possa não estar de pleno acordo. Mas devo aceitá-los. O que entristece a
turma dos golpistas da mídia e a sua elite, é que esse país soberano saiu
da órbita dos Estados Unidos. Nunca nos esqueçamos – e o povo iraniano
guarda isso bem guardado em sua memória histórica – dos episódios da
nacionalização do petróleo levado à cabo pelo então primeiro Ministro
Mossadegh em 1953. Não resistiu um ano e foi derrubado com a ajuda da CIA,
que garantiu o controle do petróleo para os EUA e para a Inglaterra a
partir daí até 1979, quando ele volta para o controle do povo.
Ai está, em poucas palavras, porque o Irã é tão demonizado por essa mídia
golpista. Só por isso, já devemos ver com bons olhos esse grande país, de
civilização milenar, organizada a partir do Grande Ciro, da Pérsia séculos
antes da atual era cristã. Vida longa ao I rã!
* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor,
arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de
Lisboa e da International Sociological Association.
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