Marcela Rocha
O embaixador brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA), Ruy Casaes, nega que exista uma queda de braço entre os Estados Unidos e o Brasil sobre Honduras. Mas admite que "os EUA se isolaram na OEA e que buscam soluções para tentar abranda isto". Por isso, se aproximaram e pediram ideias ao Brasil, explica. Pessimista, Casaes joga a toalha: "não dá pra fazer nada".
- Em última análise, esse sujeito é um palhaço. É algo tão primário, tão primitivo, que Roberto Micheletti (presidente de facto) só pode estar de gozação.
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O governo brasileiro propôs que as eleições, previstas para o dia 29 de novembro, fossem adiadas para 17 de dezembro. Os EUA negaram a ideia sob a justificativa de ser tarde demais para uma medida como esta, além de considerarem as eleições legitimas, tendo em vista que já estavam marcadas antes mesmo do presidente Manuel Zelaya ser deposto em 28 de junho deste ano. Colômbia e Peru concordam com o governo de Barack Obama.
No raciocínio do embaixador, a Colômbia é um país altamente dependente dos EUA. O Peru é um país que tem um governo de centro-direita que tem dificuldades com alguns vizinhos, históricas com o Chile e ideológicas com a Venezuela. Isto, portanto, indica que reconhecerão o resultado das eleições mesmo sem o retorno de Zelaya, condição imposta pelos demais países.
- Assim, eles estarão agindo de maneira incoerente e terão que fazer uma grande ginástica para justificar o fato de eles não estarem tomando a posição que eles assinaram tanto na Unasul, quando no Grupo do Rio, quanto na Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc). Isto será um problema deles.
Caso o Congresso hondurenho se manifeste contra a restituição de Zelaya, Micheletti pretende permanecer presidente até 27 de janeiro, data da posse do candidato que for eleito neste domingo.
Zelaya voltou clandestinamente do exílio e está há dois meses refugiado na embaixada brasileira. De lá, pede que a população boicote a eleição convocada por Micheletti.
Terra Magazine - Como o senhor avalia este novo cenário que se desenha em Honduras? O Brasil travou uma queda de braço com os EUA?
Ruy Casaes - Não, não, isso é pura ficção. Nos contatos que foram mantidos com os EUA, ficou claro que os americanos se deram conta de que estão num processo de isolamento dentro da OEA. Na Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc), que exclui EUA e Canadá, os países membros assinaram uma declaração dizendo que não reconheceriam as eleições caso o presidente Manuel Zelaya não seja reinvestido nas suas funções antes, naturalmente, das eleições. Eles perceberam que estão isolados e buscam soluções para tentar abrandar isto. O que fizeram foi, tendo presente essa sensação de isolamento que levaria a uma fratura dentro dos países americanos em relação a crise de Honduras, os EUA se aproximaram e pediram ideias a nós.
Foi quando o Brasil propôs o adiamento do processo eleitoral...
Exatamente. Era uma questão de tempo, administrá-lo. Nós já sabemos que o Congresso hondurenho só vai se manifestar no dia 2 de dezembro, portanto depois das eleições. Isso criou um fato que pode levar a um impasse, porque, se a maioria dos países condicionou aceitar as eleições ao retorno de Zelaya, a ser solucionado com um adiamento de tal maneira que o Congresso se manifestasse previamente às eleições. Esse é o espírito do processo negociador, a expectativa, desde o início, era de que o deposto voltasse com a reação positiva do Congresso hondurenho.
Um dos argumentos de membros do governo norte-americano é que dias a mais ou a menos não farão diferença.
Muitos candidatos retiraram as suas candidaturas por não estarem de acordo com esse processo eleitoral. A população hondurenha não reagirá, como não vem, reagindo, de maneira monolítica. Um dia a mais, um dia a menos... não é bem assim. Um dia a mais, ou a menos, pode exatamente significar o elemento fundamental, que é o retorno de Zelaya. O adiamento não foi uma iniciativa nossa, brasileira. Os EUA nos pediram ideias, justamente por terem consciência de que a posição que vinham assumindo em Honduras estava lhes isolando. Mas isto reflete o embate interno nos EUA sobre essa questão, embora a população americana esteja se lixando para Honduras. Alguns grupos, com poder de pressão, levam o governo dos EUA a ter presente a importância desses grupos na formação da política externa norte-americana. Eles ficam apertados contra as cordas, tendo que buscar posições internamente aceitáveis.
Como deve ser o diálogo a partir de agora com Colômbia e Peru?
Tecnicamente, o adiamento das eleições é possível, o que não é possível é adiar o dia de posse do vencedor, da transmissão. Hoje, seria irrealístico fazer esse adiamento, seria um fato novo perturbador internamente no país. Mas quando essa sugestão foi feita, embora em cima do laço...
Por que demorou tanto a ser feita?
Não é que tenha demorado. Foi uma reação, apenas, a um pedido que eles nos fizeram. Depois, nós partíamos do pressuposto de que, tendo assinado o acordo de San José, ele teria sido implementado. Acreditávamos que as partes envolvidas estavam agindo de boa fé. Logo em seguida, descobrimos que o regime de facto não estava agindo de boa fé, ou melhor, nunca agiu. O acordo previa um governo de unidade e reconciliação nacional, ou seja, as pessoas sentam à mesa e negociam a formação desse governo. O Micheletti mandou uma carta ao Zelaya dizendo que presidiria o governo de unidade e pediu que o deposto enviasse dez nomes de membros e que o golpista escolheria cinco. Ora, isso é uma afronta. Ou seja, esse acordo nasceu morto. A comissão de verificação que foi a Tegucigalpa viu que Micheletti agiu contrariamente ao acordo.
Voltando à questão sobre o diálogo com Colômbia e Peru...
As posições não são absolutamente coincidentes. Havia um elemento de convergência, mas havia diferenças de matizes. A Colômbia é um país altamente dependente dos EUA, o Peru é um país que tem um governo de centro-direita que tem dificuldades com alguns vizinhos, históricas com o Chile e ideológicas com a Venezuela. O Peru age de uma maneira que para eles é aquilo que significa a sua individualidade. Eu não sei se eles vão reconhecer ou não. Os indícios apontam que o Peru reconhecerá, assim como a Colômbia, independentemente de qualquer outra coisa. Eles estarão agindo de maneira incoerente e terão que fazer uma grande ginástica para justificar o fato de eles não estarem tomando a posição que eles assinaram tanto na Unasul, quando no Grupo do Rio, quanto na Calc. Isto será um problema deles.
Eles defendem também que o afastamento de Micheletti seria o suficiente para re-estabelecer a ordem no país para realizarem as eleições?
Isto é uma brincadeira de mau gosto. Ele não se afastou, ele se afastaria. Em última análise, esse sujeito é um palhaço. É algo tão primário, tão primitivo, que Micheletti só pode estar de gozação. Será mesmo que ele acredita que os países vão se sensibilizar com o fato de no dia das eleições ele não estar sentado na cadeira da presidência que ele usurpou? Será que ele acha que é tudo um faz de conta? Nós não consideramos essa licença.
O senhor avalia que o Brasil se afastou um pouco das discussões e deixou os EUA protagonizarem isso?
Não, não, acho que não. Quando fomos a Tegucigalpa da última vez, o representante dos EUA teve uma participação muito secundária, não foi ativo. O que acontece é: A única maneira desse governo de facto ser desbancado é pressão internacional ou uma guerra civil, descartada. Todos os países fizeram pressão, o Brasil esgotou seu cardápio de pressões e olha que as relações brasileiras com Honduras são menores do que as mantidas pelos EUA, que tem uma base militar no país, que depende economicamente dos EUA. Então, só os EUA poderiam elevar a pressão a um ponto insuportável, mas não o fizeram.
O que ainda dá pra fazer?
Olha, acho que não dá pra fazer nada. Em termos de solução, nós vamos entrar num quadro extremamente complexo. Além de tudo é preciso levar em conta o efeito demonstração dessa crise. Há mais países com instabilidades internas que podem se agravar a partir do momento em que a crise não foi resolvida com a reinstalação da ordem democrática. Isso pode estimular. Se em Honduras, nada foi feito, porque não posso fazer em outro país também? Embora alguns argumentem que as eleições já haviam sido convocadas e os candidatos já eram certos, como se as eleições fossem reparadoras do que ocorreu. Isso não é bem assim.
O que o senhor espera para o próximo encontro da Unasul?
Provavelmente Honduras será um tema candente. Veremos como Colômbia e Peru vão se comportar.
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